Medo

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"Tudo bem, mais esta corrida e eu consigo pagar as prestações." É o pensamento de Antônio, às 3:50 da manhã, atrás do volante desde meio-dia. Madrugada de domingo era o pior horário para dirigir, mas era o que tinha e o terceiro boleto de seu apartamento vencia segunda-feira. Suas finanças tinham ido para o espaço com o nascimento de sua princesinha, mas ele ainda assim era feliz. Eram os três meses mais loucos de sua vida, com idas e vindas do hospital, a perda do emprego, a cirurgia de emergência... e agora, o motorista da madrugada não recusava nenhuma corrida, por menor que fosse.

*

"Eu não acredito que sou tão burra! Porque eu ainda acreditei no Carlos? Ele sempre apronta comigo!" Chorava silenciosamente Andreia, após seu... terceiro? Sétimo? Ducentésimo reate com aquele idiota. Os dois brigaram e ela jogou o que tinha à mão contra o (agora) ex namorado. Era seu celular, que bateu no rosto do rapaz. Logo a confusão estava feita: ele com um corte na testa, o celular dentro do balde de bebidas e ela sendo afastada da sua turma. Só teve tempo de pegar sua bolsa e estava na rua, falando com o segurança.

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"Eu odeio este horário. Só bêbados, gente sem dinheiro e assaltos." A corrida era para um Oswaldo, pontuação baixa... três estrelas. Um frio tomava seu estômago. "Mais um bêbado? Eu não posso mandar lavar o carro amanhã! Eu vou recusar." — Mas ele sabia que não faria isto. Era a porta de uma boate, longe do Centro. A corrida era longa o suficiente para valer a viagem, talvez mais de quarenta reais. Quem sabe a sorte, finalmente lhe sorrisse.

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—Boa noite... — ela olha o crachá— Oswaldo. Eu queimei o meu celular, e precisava chamar um carro. O senhor pode me ajudar? — um minuto no rádio, ele confirma que ela era a agressora expulsa. Mas ali fora, com a neblina e ela naquela roupinha de seda, sem blusa de frio, saia curta... ele até imaginava a pneumonia (ou coisa pior) sorrindo para ela na esquina. Pegou o celular e abriu o app, perguntou se ela teria o dinheiro para pagar e pediu o endereço.

— Obrigada! O senhor salvou minha vida! — E ele também tinha essa certeza.

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—Oswaldo! — Antônio grita com a janela aberta, na frente da boate, onde estavam dois seguranças e meia dúzia de jovens bêbados. O segurança se adianta e mostra o celular, enquanto uma moça o acompanha de perto. Aquele frio no estômago de novo... a presença opressora do boleto, as ligações do banco... sua filha doente.

—Pedro?

Pergunta o segurança.

—Sim.

Responde Antônio.

—Ela vai para o Bairro das flores. Conhece?

—Sim. Do outro lado da cidade.

—Esse mesmo. Mas é melhor você evitar a Marginal. Estão mexendo nela hoje, até seis da manhã.

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Andreia só escuta "seis da manhã", por causa da batida alta da boate.

Ela vai para a porta de trás do carro, enquanto o motorista agradece ao segurança.

__Quer que avise alguém?

Pergunta Oswaldo.

Ela pensa em suas amigas, ainda na pista... e não tinha decorado o telefone de sua mãe.

—Não precisa.

Oswaldo dá de ombros e volta para a porta, onde um rapaz tentava entrar, sem a mínima condição.

— Bom dia, então.

*

Antônio sai com o carro, pensando no problema que teria se pegassem ele usando a licença de seu irmão. Era um favor e tanto, mas tinha seu custo. Ele pagava por tudo e tinha que manter a pontuação do irmão nos 4.5 ou mais. Só não poderia vacilar, mas era uma preocupação a mais.

Curtas, Contos E PontosOnde histórias criam vida. Descubra agora