Kaira

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Kaira chorava novamente. De raiva, de impotência e de dor, mas principalmente de saudades.

Doía ter que passar por aquela rua e ver seu marido tomando um café com sua mãe. Ambos pareciam realmente apaixonados. Ambos a ignoravam enquanto sorriam um para o outro.

Às vezes, conseguia distinguir um pedaço do diálogo ensaiado. Falavam do apartamento que estavam mobiliando, de como suas crianças cresceriam naquela vizinhança e de seus próximos projetos.

Kaira tentou recorrer, pedir a sua remoção do setor, ou a remoção deles. Pediu até mesmo uma restrição ao setor jurídico e psicológico.

A resposta, direta, seca, profissional, foi de que seus contratantes preferiam utilizar as aparências holográficas familiares a ela nos testes de Nova Veneza, até os habitantes chegarem. Era uma economia de 300.000 créditos em dados interplanetários e só levaria mais dois anos.

Por ser a engenheira chefe do canteiro de obras, deveria interagir normalmente com os robôs, durante as construções ou nos testes necessários.

"Dois anos! Deuses! Dois anos disso! Ver meu pai e mãe em cada esquina, meu marido atrás de cada balcão, simulando todas as situações debaixo dos céus de Próxima Centauri. Será que quando chegarem, ainda os verei com o mesmo afeto? Será que a aparência deles, imposta sobre essas mentes vazias, robóticas, alienígenas, não destruiria seus relacionamentos?"

O que era a economia de uma MEGACORP e teoricamente a "salvação da humanidade" ... Se transformou em um inferno pessoal durante anos.

Entrou no prédio de escritórios.

Deu bom dia para seu marido, que atendia na recepção.

Cumprimentou seu marido que lotava o elevador.

Kaira se sentou à mesa do refeitório onde seu marido ocupava trinta lugares.

Seu marido sofreu um acidente grave no quadragésimo segundo andar. O socorro aconteceu dentro do previsto. Despachou os documentos de aprovação daquele prédio.

Em três dias, os robôs cobririam os móveis, limpariam e deixariam tudo pronto para quando o seu marido (o verdadeiro), assumisse aquele escritório de advocacia.

Kaira seguiu para testar o próximo quarteirão. Afinal, seu prazo era apertado. "Só" dois anos.


Fim.

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