Os olhos da princesa se encontravam fixos no relógio a sua frente, o tempo parecia não correr e ela sabia que não podia se demorar muito mais na cozinha, a qualquer momento a rainha poderia lhe fazer uma visita. Era normal para ela não conseguir dormir e então descer até a cozinha e procurar algo para comer, isso fez com que decorasse o horário de cada um dos guardas.
Não demorou muito para uma sombra crescer no corredor, fazendo com que a jovem se encolhesse atrás de uma armadura enquanto esperava o guarda sumir no corredor e, assim que a silhueta do homem se perdeu de vista, ela se pôs a caminhar em direção ao último andar. Era sempre o mais difícil, os quartos da realeza eram guardados vinte e quatro horas por dia e nem todos os guardas eram facilmente enganados.
Estava pronta para derrubar uma das armaduras e criar uma distração quando um barulho alto na sala ao lado lhe chamou atenção. Haviam boatos de que o castelo era assombrado, mas ela nunca de fato acreditou que pessoas já mortas iriam perder tempo derrubando móveis em salas vazias para assustar vivos menos afortunados. Sendo assim, só poderia ser alguém vivo.
Como o guarda no corredor parecia distraído demais para notar qualquer coisa a não ser que isso estivesse bem na frente do seu nariz, a princesa não tardou a arrancar a espada da armadura mais próxima e se enfiar para dentro da sala. Demorou um pouco para que os olhos se acostumassem à escuridão do cômodo, mas mesmo assim ela segurava a espada pronta para qualquer ataque. Uma das janelas se encontrava aberta e ela supôs que era dali que tinha se originado o barulho, deu um passo para o lado, ficando de costas para a tal janela, agora a luz da lua iluminada a sala e a ajudava a enxergar.
Passou os olhos pela sala outra vez e foi o que viu encolhido no canto de uma das estantes que a fez arquear uma das sobrancelhas, confusa. O porco pareceu ficar ainda mais assustado quando os olhos se prenderam na espada da princesa e foi quando, de algum andar acima, um outro porco guinchou. O animal em frente a princesa fez o mesmo e foi quando ela atacou e ele saiu correndo por entre os móveis empoeirados.
Uma voz foi ouvida do lado de fora e Envy ficou imaginando se era agora que um dos guardas de seu pai entraria pela sala e ela ficaria de castigo pelo resto da vida. O porco continuou guinchando, a princesa acabara de descer a lâmina da espada contra a madeira de uma cadeira velha, então a luz do corredor preencheu a sala quando a porta se abriu.
- EI! SE AFASTE DO SUÍNO IMEDIATAMENTE!
O dono da voz pareceu perceber que o porco estava em perigo, mas Envy não estava muito afim de obedecer quem quer que fosse que tivesse tamanha audácia de invadir seu castelo usando uma máscara tosca e carregando um porco estúpido. Avançou na direção do rapaz sem nem pensar duas vezes e, ele vendo que seria atingido voltou a fechar a porta. A lâmina prateada fez um buraco na madeira e a princesa torceu para que tivesse pelo menos arranhando a pessoa do outro lado.
- Com licença, moça. - Foi a última coisa que ouviu antes da porta se abrir novamente e o garoto se jogar em direção a ela, a derrubando e fazendo com que a espada escorregasse para o lado. Tinha o julgado mais alto, mas agora de perto podia ver que ele não devia ser muito mais velho que ela.
- Eu e o porco estamos de saída, foi um prazer te conhecer. - Ela certamente não poderia dizer o mesmo, mas não teve chance de responder, já que no minuto seguinte um vulto passou por eles. Era o porco escapando sem nenhum arranhão. O rapaz pareceu observar enquanto o animal fugia, mas seus olhos logo se voltaram para ela enquanto se levantava e corria até a janela.
- Você não tem por onde escapar. - Ela ergueu a espada, depois de finalmente conseguir se levantar. Tinha plena consciência de que o olhar em seu rosto não era muito amigável e estava feliz com isso. Ele ficou um tempo olhando pra ela antes de jogar as pernas pra fora.
- Sou um ladrão fantasma, tenho o dom de fazer milagres. - E teve a audácia de piscar para ela antes de se jogar na escuridão da noite. Envy tinha esperanças de o encontrar estirado no chão quando se aproximou da janela, mas tudo que viu foi o garoto correr pelos terrenos.
A princesa poderia ficar ali na sala, só alimentando o ódio que estava sentindo, mas lembrou-se que a qualquer momento alguém iria chegar e ela tinha que fingir que esteve no quarto o tempo todo. Voltou até a porta e colocou o ouvido contra a madeira, tentando ouvir qualquer movimento no corredor. Assim que constatou que estava vazio, se pôs pra fora outra vez.
Quando chegou no corredor da família real foi que se lembrou do guarda, este que agora parecia dormir, no mesmo lugar em que estava antes. A jovem caminhou até ele, deixando a espada cair aos seus pés e fazendo com que o homem desse um pulo, acordando do sono que levava.
- Princesa! - Ele fez uma reverência meio sem jeito por ter sido pego dormindo em serviço, mas logo pareceu curioso. Envy tinha certeza de que ele perguntaria o que ela fazia fora da cama, mas o impediu de falar antes que ele fosse capaz.
- Eu nunca saí do quarto e você não estava dormindo em serviço! - Tendo dito isso, e sem esperar pela resposta do guarda, ela se virou e caminhou na direção do quarto, logo se enfiando para dentro do cômodo e então se jogando na cama.
O dia já estava quase amanhecendo quando ela conseguiu enfim pegar no sono, sua mente rodava sem parar a cena que havia presenciado. Qualquer rapaz carregando um porco devia pensar duas vezes antes de cruzar seu caminho agora.
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A princesa e o ladrão: Um conto de Paramythia
RomanceO amor vem com obstáculos, não é surpresa para ninguém. Quando duas pessoas criadas em mundos completamente diferentes se apaixonam, é de se esperar que surjam enormes barreiras para atrapalhar a felicidade do casal. Ela era uma princesa criada para...