Mesmo alguns dias depois do incêndio Envy se lembrava perfeitamente de tudo, mas não podia dizer nada a ninguém já que supostamente estava dormindo durante o ataque, que foi tomado como um acidente. Agora de frente a janela, ela pensava em quão surpreendente era o fato de que haviam dezenas de soldados no castelo e ninguém viu nada.
Duas batidas na porta a fizeram a jovem sair dos próprios devaneios, desprender os olhos das árvores longínquas e se virar a tempo de ver a rainha entrando no quarto. Belle era de fato um exemplo de rainha, Envy sabia que ela detestava ter de aparecer nos almoços oferecidos por Adam, mas mesmo assim ali se encontrava, arrumada e pronta para brigar com a princesa que ainda estava de pijamas.
- Envy, eu disse que era pra você estar pronta a meia hora atrás. - A rainha passou os olhos pelo quarto, notando o vestido da princesa sobre a cama, assim como o par de sapatos e a espada. - Ande logo e nem pense em levar essa arma para o almoço.
- Sim senhora, já estou indo. - Teve que se virar para a janela outra vez para que a mãe não a visse revirar os olhos, e logo depois de ouvir a porta se fechar outra vez, foi se arrumar, antes que a rainha voltasse.
A verdade é que ela nem demorou tanto tempo para se arrumar. O vestido e os sapatos logo se encontravam no corpo da princesa, e o cabelo curto fui rapidamente penteado e arrumado. A maquiagem foi perfeitamente feita e logo ela se encontrava pronta, novamente em frente a janela enquanto ajeitava a espada na lateral do vestido.
A carruagem metálica chamou sua atenção assim que passou pelos grandes portões do castelo e ela a acompanhou com os olhos até que a perder de vista. Sabia que estava indo conhecer mais um pretendente e sinceramente odiava isso. Talvez os pais tivessem medo de que ela não se casasse e tivesse herdeiros, que o reino morresse depois dela.
Alguns minutos depois a rainha voltou a bater na porta do quarto, mas dessa vez não entrou, apenas era um aviso para que Envy os encontrasse nas escadarias. Apenas deu um tempo para a mãe se afastar, se olhou no espelho uma última vez e então saiu ao encontro dos pais.
Rapidamente chegou até os pais e logo recebeu um olhar feio da rainha quando a mesma notou a espada em sua cintura, do pai só recebeu um olhar sério quando conversar foram ouvidas no salão das refeições e eles iniciaram a descida. Logo chegaram ao destino, a princesa caminhando logo atrás dos pais não pode deixar de notar o olhar de um dos rapazes. Foi de frente a ele que se sentou, uma das sobrancelhas discretamente erguida.
- Horloge! - A voz do rei preencheu o salão, fazendo com que todos o olhassem com certa curiosidade. - O lord Hood e seus filhos vieram para um encontro comercial. O almoço deveria ser com o lorde Wood e seu filho, para avaliarmos a condição de pretendente de minha filha.
Envy teve que desviar os olhos para evitar que sua mãe a visse revirar os olhos. Não via diferença nenhuma em almoçar com quem quer que fosse e até onde sabe, qualquer um dos rapazes logo a sua frente poderia ser um pretendente. Mas de fato, o ar ao seu redor ficou mais leve ao descobrir que não teria de encarar um futuro marido agora.
- Majestade, perdoe-o. Foi um erro meu não ter anunciado minha vinda a negócios. Devo ter confundido seu mordomo devido a presença de meus dois filhos. - Dessa vez foi a voz de Robin Hood que preencheu o salão, e a jovem não pode deixar de olhar dele para os gêmeos.
- Dois? Mas e aquele nobre rapazote de cabelos brancos, quem é? - Adam voltou a falar agora até a rainha arqueou uma das sobrancelhas, se admirando do marido ser tão burro.
- Pai, aquilo é um porco usando peruca. - Quando percebeu as palavras já tinham deixado seus lábios e o pai a olhava torto, mesmo não querendo demonstrar isso aos convidados.
- Envy, não seja rude! Só por que o rapaz é feio como um porco, não significa que ele seja, de fato, um porco. - Ele negava levemente para a princesa, mas a voz da rainha evitou o rei de continuar.
- Querido, é um porco de verdade e ele está com uma peruca. - A rainha raramente corrigia o marido, e é por isso que ele sempre voltava a razão quando ela o fazia. A mulher olhou para a filha por um breve momento antes de se voltar para os convidados no momento em que o marido voltou a falar.
- E por que teria um porco sentado à mesa? Entendo quando é um cachorro, mas um porco? - Agora o rei parecia confuso e nem tentava disfarçar isso.
- Majestade, perdoe meus filhos. O porco é quase da família. Mas se for incomodo, ele pode ficar com os cães ou num estábulo, como o senhor preferir. - Robin voltou a falar e a princesa notou o olhar torto que ele lançava aos filhos.
- Não, não, ele pode ficar. - Com um sinal do rei, o almoço começou a ser servido e Horloge se aproximou apressadamente. - Horloge, verifique para mim onde estão os Wood, já que os Hood vieram para o almoço.
- Sim, meu mestre. - O mordomo saiu apressado para corrigir o erro que havia cometido.
O almoço se seguiu sem muito mais diálogo e a princesa comia em silêncio, vez ou outra lançando olhares para os gêmeos Hood e o porco de estimação. Ambos os homens mais velhos tratavam de assuntos com o qual ela ainda não precisava se preocupar, então ela só tratava de terminar a refeição logo e voltar para seus aposentos.
- Terminei! Com licença, irei me retirar aos meus aposentos agora. - Usou o guardanapo para limpar os cantos da boca e então olhou na direção da mãe. - Mamãe, poderia solicitar que enviem a minha sobremesa para lá?
- Tudo bem, querida. Mas por que não leva os jovens Hood para lhe fazer companhia? Tenho certeza que será mais agradável do que acompanhar negociações. - Ela até escutou a mãe, mas se perguntava se a rainha estava com febre, porque ela jamais pediria uma coisa dessas em um dia comum.
- Eu vou acompanhar as negociações, se meu pai não se opuser. - Um dos gêmeos parecia claramente preferir a parte diplomática da coisa, e Envy já sentia-se muito mais feliz ao olhar na direção do outro, esperando que ele negasse também.
- Não sou muito fã dessa parte diplomática. Eu e o Oinc iremos acompanhá-la, princesa. Afinal, já terminamos nossa refeição também. - Seria a hora ideal de puxar a espada e atacar o rapaz? Tinha começado a se perguntar se ele havia percebido que apenas não negara a companhia por educação.
Belle assentiu para a filha, essa que não fez questão alguma de sorrir para o rapaz que se levantava e caminhava até ela, juntamente com o porco. Logo depois de acenar respeitosamente com a cabeça na direção dos que ficavam, girou nos próprios calcanhares e se virou para seguir caminho. As mãos juntas nas costas. O gêmeo que a acompanhava parecia animado com o passeio. Porque ela achava que conhecia a voz dele de algum lugar?
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A princesa e o ladrão: Um conto de Paramythia
RomanceO amor vem com obstáculos, não é surpresa para ninguém. Quando duas pessoas criadas em mundos completamente diferentes se apaixonam, é de se esperar que surjam enormes barreiras para atrapalhar a felicidade do casal. Ela era uma princesa criada para...