A babá

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Ao entrar pela porta, uma minúscula cachorrinha veio em minha direção. Abaixei e fiz carinho nela, e ela começou a me lamber.

- Lily, para! - Ordenou Catarina.
- Tá tudo bem, eu gosto de cachorro.

Assim que levantei, vi Gisele sentada em frente à televisão assistindo Bob Esponja. Pelo ou menos ela tem bom gosto. Gisele era gordinha e baixinha, aparentava ter uns 6 ou 7 anos, e com toda certeza era filha de Júlio, porque a semelhança era muito grande. Praticamente o pai, porém criança, e com o cabelo na cintura.

- Filha, essa aqui é a Clara, ela vai cuidar de você enquanto a mamãe faz as coisas, tá?
- Não mãe, cadê o papai?
- Seu pai saiu, Gisele. Fala "Oi" pra Clara.
- Eu quero o papai, mãe.

Coitada, se ela soubesse tudo sobre o pai dela, ela não iria querer nem chegar perto dele, eu presumo.

- Gisele, por favor... Eu to cheia de coisa pra fazer...
- Eu quero o meu pai! - Gritou Gisele, fazendo cara de emburrada.

É, parece que ela é mimada demais, mas é a filha da Catarina, mesmo que eu não seja lá grande fã de crianças, vale o esforço.

- Ei Gi, tudo bem? Eu sei que a gente não se conhece, mas eu queria passar a tarde com você enquanto seu pai não tá em casa. A gente pode brincar, assistir, fazer o que você quiser.
- Quero brincar com o meu pai.
- Você gosta do seu pai, né? Ele é legal?

Não, ele não é nem um pouco legal, mas você é muito nova pra saber disso.

- Uhum. Ele fica comigo quando a mamãe não tá em casa, me leva pra passear.
- É? E onde ele leva você pra passear? - Disse, enquanto me aproximava do sofá para me sentar.
- Na casa da vovó, da titia...
- Que legal! E como elas chamam?

Olhei para Catarina, que estava sorrindo observando eu estar conseguindo convencer Gisele. Ela se virou e entrou em outro cômodo, provavelmente para fazer suas obrigações.

- Vovó Nilda, tia Sara, tia Poly... A tia Sara tem um filho, ele chama Miguel, e eu gosto de brincar com ele.
- Sério? O Miguel é legal mesmo?
- Sim! Ele é legal... Sabe, tem outra titia...
- Verdade? Qual?

Gisele colocou as mãos na minha cabeça pra abaixá-las de maneira que ela pudesse sussurar em meu ouvido.

- Tem a tia Bia, mas o papai disse pra eu não contar pra mamãe que ele me leva lá, então não conta pra ela, tá?

Por que o Júlio não iria querer que a Catarina soubesse disso?

- Por que ele não quer que você conte? É segredo?
- Sim, ele me leva lá e me deixa vendo TV, aí ele entra no quarto com a tia Bia pra resolver trabalho.

Trabalho? No quarto? E em segredo? Merda, é sério que ele leva a filha dele pra casa da amante? Puta merda.

- Como a tia Bia é?
- Ela é legal, ela tem cabelo amarelo.

Sinceramente, quando eu acho que esse verme não pode ser pior, eu descubro uma dessas, eu deveria contar pra Catarina? Acho que sim, é a filha dela.

- Tia, eu acho que eu vou vomitar.

Levantei correndo e peguei Gisele no colo. Em questões de segundos eu estava no corredor, onde, por sorte, encontrei o banheiro, pois a porta estava aberta. Coloquei a menina em frente a privada, abri a tampa e segurei seu cabelo pra trás. Gisele começou a vomitar mais e mais. O cheiro era extremamente forte, e estava me dando ânsia, mas felizmente ela parou antes que acontecesse um estrago.

- Tá melhor?

Gisele balançou com a cabeça que sim. Dei descarga, abri a torneira do banheiro, peguei Gisele no colo de modo que ela ficasse à altura da pia e lavei seu rosto. Peguei a toalha roxa que estava pendurada na parede e usei-a para secá-la.

- É melhor escovar os dentes, né? Pra tirar o gosto ruim da boca.

Novamente, Gisele balançou a cabeça como uma resposta afirmativa.

Peguei uma escova de dentes amarela em formato de dinossauro que estava entre outras duas no porta-escovas, coloquei a pasta de dente de Tutti-Frutti, que estava dentro do armário, na escova e entreguei para a garota.

- Você sabe escovar os dentes sozinha?
- A mamãe escova pra mim.
- Quer aprender? Eu te ensino.

Gisele sorriu e balançou a cabeça para cima e para baixo de novo, mas dessa vez com mais entusiasmo.

- Certo, então vamos lá.

Ensinei-a a fazer os movimentos circulares, escovar de dentro para fora, escovar a língua e tudo aquilo que aprendi nas mini-aulinhas que davam no ensino fundamental. Depois que ela escovou tudo, ajudei-a a enxaguar a boca e saímos do banheiro.
O restante da tarde foi até que divertido, fiquei assistindo desenho com ela, desenhamos algumas coisas, brincamos com a Lily. Tudo com pausas de emergência para ir ao banheiro, já que a menina continuava doente, mas ao menos não foi ruim como eu esperava. Cuidar de uma criança não seria uma tarefa fácil, ainda mais sendo mimada daquela maneira, mas no final das contas, deu tudo certo.
Começamos a conversar sobre o que desejaríamos caso tivessemos padrinhos mágicos, a resposta da Gisele foi "Um monte de cachorros".

- A Lily não iria ficar com ciúmes?

A cachorrinha olhou para mim ao ouvir seu nome, e veio em minha direção abanando o rabo.

- Não, porque ela ia ter um monte de amiguinhos.
- Quem ia ter um monte de amiguinhos? - Perguntou Catarina, que havia acabado de sair do cômodo depois de horas lá dentro.
- A Lily, mamãe, se a gente tivesse mais cachorros.
- Você já tá aconselhando ela a ter mais bichinhos, Clara? Olha só... - Disse Catarina, com seus olhos meio cerrados e um sorriso entreaberto, simulando uma falsa desconfiança.
- Eu??? Claro que não...
- Uhum, sei... - Dava-se para notar um ar de riso em sua fala.
- E você mamãe, o que pediria se tivesse padrinhos mágicos?
- Hum... Eu pediria pra ficar assim abraçadinha com você pra sempre! - Falou Catarina, pegando a filha no colo e a abraçando.

Ela é uma ótima mãe, e tenho certeza que também era uma ótima esposa. Não merecia ter passado pelo o que passou.

- Tia Clara, me abraça também? - Perguntou Gisele.

"Tia Clara", acho que eu ganhei a confiança dela. Se bem que ela chamava a amante do pai da mesma maneira.

- Você vai me trocar pela Clara, Gisele? Eu não acredito! - Catarina fingiu uma cara de brava.

Gisele riu com um dos dedos na boca, uma risada gostosa de criança.

- Eu quero um abraço das duas juntas, então, igual abraço de urso!

Catarina riu, e eu me aproximei das duas e abracei-as. Nesse mesmo momento, Júlio entrou pela porta.

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