Capítulo 1

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Katherine
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A carta em minhas mãos chegou há dois dias. Mas, mesmo que eu já esteja a escondendo esse tempo todo, ainda sinto seu peso pulsar sobre minha palma quando a pego de seu esconderijo sob um piso solto no chão. Sinto tudo que ela representa, sinto como ela arruinará nossa vida, ou melhor, como suas palavras arruinarão se elas se concretizarem. Sinto todas suas consequências.

Não sei ainda como esse pedaço de papel amarelado pode causar tantos estragos nos nervos de uma pessoa. Mas ele está fazendo exatamente isso comigo. É por isso que decidi escondê-lo, minhas irmãs não podem saber de nada e minha mãe já tem muito com o que se preocupar, mais uma pessoa desesperada não ajudaria em nada. Mesmo que contar para uma delas fosse tirar um peso enorme de meus ombros, eu não vou dizer nada, eu teria escolhido não saber também se tivesse essa opção. Mas não tive.

Além disso, não temos dinheiro, então não faz diferença se eu conto para elas da existência desse "aviso" ou não.

- Aviso, há! - zombo comigo mesma.

Aquilo estava longe de ser um aviso ou uma advertência, é muito obvio para qualquer um que ler que se trata de uma ameaça. Os credores foram muito objetivos no que quiseram dizer, foi algo como "Pague o que nos deve ou sofra as consequências..." Eles não tentaram nem camuflar a clara ameaça de "aviso".

Respiro fundo.

A cada dia que passa ficamos mais perto da nossa ruína. Essa carta é só um dentre nossos infinitos problemas, foi enviada de apenas mais uma pessoa das várias para quais estamos devendo. Eu nem devia estar tão preocupada com ela, não devia me deixar estressar tanto por tão pouco. Essa não é a primeira ameaça que eu recebo, e tampouco será a última.

No momento, apenas preciso pensar em qualquer coisa para conseguir dinheiro, qualquer possibilidade é uma chance. Se eu tivesse dinheiro para a inscrição, acho que até os jogos do milênio se tornariam uma opção, por mais náuseas que ele me cause.

Guardo a carta sob o piso novamente e solto um suspiro.

Minha mãe já faz a parte dela para nos ajudar e, não vou mentir, o que ela está fazendo eu não conseguiria fazer nem em mil anos, nem que a vida de todos os que eu amo dependesse disso. Não sou corajosa a esse ponto e admito. Mas tem outros modos em que posso ajudar. Tem que ter.

Saio do meu quarto a passos rápidos e silenciosos. O sol ainda não nasceu mas não consigo mais ficar deitada. Por mais que eu me esforce não consigo dormir, não por muito tempo. Eu me deito a noite e fico me revirando na cama pensando em todos os problemas que temos, mais especificamente, em uma solução para eles. As vezes eu cochilo, mas logo acordo de novo e volto a me revirar até que perco a paciência e me levanto de uma vez. Minhas irmãs continuam dormindo. Eu não as culpo. Também dormiria tranquila e até tarde se vivesse nessa ignorância que traz tranquilidade. Mas eu não vivo. E ultimamente o que menos tenho feito é dormir, principalmente quando minha mãe traz um de seus "serviços" para casa.

Sacudo a cabeça. Não gosto nem sequer de pensar nisso, só a mera menção faz meu peito se apertar de um modo insuportável. Ontem não foi uma dessas noites, por isso eu ainda consegui dormir por um instante, mas quando é uma dessas vezes eu não prego os olhos um segundo e me levanto parecendo uma morta-viva pela manhã.

Não que eu não esteja parecendo uma o tempo todo. Os efeitos da preocupação constante, mal dormir de noite e se alimentar muito mal, são facilmente visíveis em mim. Meu cabelo esta seco e quebradiço, enormes olheiras contornam meus olhos, minhas bochechas estão fundas e meu corpo não passa de pele e osso. Mas eu nem me importo mais com isso, desde que minhas irmãs estejam felizes e saudáveis, eu estou bem. Se minha mãe consegue aguentar, eu consigo também.

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