Capítulo 2

109 5 7
                                    

Caminho a passos rápidos pela estrada de terra que leva ao mercado central. Mesmo que Alfa Springs ainda faça parte de Marwiske, a residência de minha família é um pouco afastada do centro movimentado da cidade, é mais como uma casa de campo.

Ao contrário do que pensei, a estrada de terra está enlameada e os buracos feitos pelas rodas das carroças que passam por ali estão cheios d'água, indícios de que um sereno caiu pela noite. Tomo cuidado para desviar das poças e agradeço aos deuses do templo por me dar sabedoria para eu calçar as botas, teria perdido meu único par de sapatilhas se as estivesse usando agora.

É difícil andar por ali, principalmente quando uma carruagem surge e me obriga a quase me jogar nas poças de lamas que beiram a estrada para não ser atropelada. Mas a única outra alternativa seria ir pela floresta, porém não posso fazer isso. Ninguém entra na floresta.

Não desde que Edmund Miller, o príncipe de Irélia, proibiu qualquer um em qualquer cidade da província de andar por uma floresta. Há quem diga que essa é uma decisão estranha e inútil, que têm várias outras coisas que ele poderia fazer com o dinheiro que paga a aqueles que denunciam alguém que entrou nas florestas, investir em colocar escolas públicas nas cidades é um exemplo, como as que existem em Astenia, mas ele deu essa lei desde que assumiu a coroa depois dos jogos do milênio, quando sua irmã morreu em uma floresta, bem na sua frente. Edmund ficou tão traumatizado que teria destruído todas as árvores de Irélia se não fosse pelos outros príncipes. Bom, essa sim seria uma decisão bem pior do que apenas proibir de andarem por elas.

Outra carruagem surge no meu campo de visão e eu já me preparo para me espremer pela margem da estrada, quase nas poças de lama. Ela passa por mim rapidamente, espirrando um jato de água suja em minha capa.

Xingo baixinho mas continuo andando. Agora além da roupa velha, ainda está totalmente suja, as pessoas sem dúvidas pensaram que sou uma pedinte e sairão correndo...

Não demora muito para o centro de Marwiske surgir a minha frente, a estrada de terra é gradativamente substituída por ruas de paralelepípedos e as árvores se transformam em enormes construções de pedra pálida.

A cidade de pedra. É como Marwiske é conhecido na província de Irélia. E ela faz jus ao nome. Ajusto o capuz do manto sobre minha cabeça e começo a andar por entre as pessoas, serpenteando rapidamente por elas, rezando silenciosamente para não acabar dando de cara com Thomas Mackenzie. Logo atravesso a fonte central e chego ao mercado: uma enorme rua cheia de tendas com todos os produtos que se possa imaginar. O mercado está ainda mais cheio do que o habitual, sem dúvidas por que o equinócio está chegando e a cidade se encheu de turistas.

Com muito esforço consigo passar pelas finas brechas e me espremer por entre as pessoas até que chego a tenda de carnes.

- Olá Sr. Rochester, vim para buscar as encomendas já realizada e pagas... - dou ênfase nessa parte, pois o velho açougueiro, se souber que não sei que já está pago, teria a ousadia de me cobrar novamente. - feitas por minha mãe.

Ele me analisa dos pés a cabeça e um sorriso repulsivo de dentes amarelos surge em sua boca medonha. Eu nunca gostei de Sr. Rochester, mas infelizmente ele é o único açougueiro em Marwiske.

- Olá srta. Spania, Oh! ja reservei sua encomenda e sim, ela foi muito bem paga...

Não posso deixar de notar as palavras subentendidas e o tom malicioso com que disse essa última parte, ele faz um arrepio percorrer meu corpo ao mesmo tempo em que bile sobe pela minha garganta. Sei exatamente como minha mãe tem pagado as coisas ultimamente.

O velho gordo se vira para pegar o frango onde quer que tenha guardado, e ao voltar-se para mim, abre novamente aquele sorriso amarelo de fumante.

- Diga para sua mãe que estou muito ansioso para vê-la novamente... Espero que nos encontremos muito em breve.

Jogos dos MilêniosOnde histórias criam vida. Descubra agora