RUDE- livro 1

Lembranças

  Na vida existem sempre dois tipos de lembranças, as boas e as más. Gostava de dizer que isso não é o meu caso, que só tenho boas lembranças,  mas na verdade, apesar de ter algumas lembranças boas, estas acabam por se reverter em más. Se aquele acidente não tivesse existido, provavelmente continuaria a ser a Selena antiga e com boas lembranças. Uma rapariga que não dava valor ao que tinha e tratava mal a maior parte das pessoas,  snob.
  Aquela manha estava a ser um dia bom, talvez podesse vir a ser uma lembrança boa. Talvez.

  - Ainda te lembras do caminhos dos bosques? - perguntou Harry enquanto caminhava ao longo da estrada de terra. 

  - Não. - respondi distante.

  Apesar de me encontrar distante, não estava assim tão distante, estava fixa no olhar daquele ser. Agora, na rua, o seu olhar ja tinha uma tonalidade diferente, esta que não deixava de ser linda. Suspirei e caminhei atrás de Harry que ia recordando tudo o que se passara naquele bosque, como é que ele sabia aquilo tudo?

  - Aqui era onde exisitiam alguns abrigos durante a pré-guerra civil. - concluiu ele.

  - Harry, está a comecar a chover. - disse.

  - Já vai parar. - respondeu e continuou com as suas histórias.

  Ao longo de todo aquele percurso, não me senti uma única vez triste. Ouvir a alegria e o interesse do jovem a despejar toda aquela informação, era realmente fascinante. Olhando para aquele Harry, era difícil de perceber o grande idiota que ele podia ser.

  O céu era cizento e feio e as folhas das árvores caíam, tal como as gotas de chuva que eram cada vez mais, mas aquilo nao deixava de ser bom, estar ali com o Harry, finalmente me trazia alguma paz, ao fim daqueles meses sem um segundo de descanso, estava finalmente descansada. Obrigado Harry.

  Enquanto caminhava atrás do rapaz, tudo parecia bastente distante de mim,  mas na realidade estava tudo mais próximo, mais próximo do que poderia imaginar. Observei a maneira como o rapaz atravessou um tronco e assim que tentei imitar a sua acção, o inevitável aconteceu, o meu pé escorregou e acabei por cair num pequeno vale.

  Uma certa dor invadiu o meu corpo e não resisti. Os meus olhos fecharam-se e perdi todos os meus sentidos, levando comigo, uma imagem do ar assustado de Harry.

                               *****

  Era uma manhã de Setembro em que caía uma chuva chata, quando acordei e vesti algo quente para ir com a minha família à casa dos meus tios, em Newcastle.

  Aquela viagem marcou o fim de muitas vidas, mas infelizmente não marcou o fim da minha. 

  Coloquei os meus fones para ignorar aquelas pessoas que desprezava tanto e desliguei-me da minha realidade, algo que desejava profundamente conseguir fazer.

  Talvez tenha sido a chuva na estrada, talvez tenho sido o óleo, mas sem dúvida que a culpa era minha, a culpa da discussão que se instalara nos bancos de trás.

  - Meninas, calem-se! - gritou o meu pai.

  Quando este acabou de gritar connosco, voltou a dar atenção à sua condução, mas já não havia maneira de evitar aquilo.

  As rodas do jipe escaparam e após alguns peões na estrada, este, bateu no passeio e ao longo daquilo, ninguém falou, o único barulho que podíamos ouvir era o dos pneus a chiarem no alcatrão. Assim que o carro bateu no pasaeio, o inevitável aconteceu, os sons das canas à beira da estrada a partirem-se, os vidros do jipe a estalar e toda a minha vida me passou à frente dos olhos. Eu vou morrer.  Eu nao quero morrer.

  Uma grande pedra partiu o vidro da frente e o condutor do carro, o meu pai,  acabou por ficar com a sua cara esmagada contra aquilo, a minha mãe bateu com a cabeça diversas vezes.....

                             **

  Abri os meus olhos, para me conseguir livrar de todas aquelas imagens, mas a dor que me invadiu, foi horrível. Nada comparado com a dor deles. 
  - Selena? - ouvi o sussuro de Harry - Calma. 

  - O que aconteceu?  - perguntei.

  - Escorregaste e caíste. - respondeu - mas agora já estás bem.