• capítulo único •

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A escuridão do apartamento me causaria arrepios há alguns anos atrás, mas agora só me deixa nostálgica. A adrenalina corre em minhas veias e meu coração acelera conforme os minutos se passam. A hora está chegando. Eu levei alguns bons meses decidindo se chegaria a este momento, mas todas as atitudes dele me trouxeram até aqui. Nos trouxeram, na verdade.

Lembro da primeira vez em que o vi. Eu era apenas uma garotinha assustada quando ele me encontrou na rua, ele me ajudou bastante. Eu tinha acabado de sair do orfanato e estava morrendo de medo de passar a noite na rua. De viver na rua. Ele me ofereceu um trabalho em sua casa, uma cama confortável e comida da melhor qualidade. Fez eu me sentir especial. Única. Ele me ensinou coisas. Nunca o amei, mas eu achava que ele me amava e constatar que não, me deixou irada. Porque ele mentiu. Ele disse que me amava quando não o fazia. Ele me incluiu nos seus jogos sujos e me manipulou para fazer exatamente o que ele queria, porque ele sabia o eu queria. Eu queria ser amada. Queria ser importante pra alguém. Não é fácil crescer como uma órfã porque ninguém te quis. Então ele chegou e me quis. E eu acreditei que ele realmente me amava. Mas ele me manipulou, como fez com todo mundo.

A bituca do cigarro presa entre meus dedos deixa algumas cinzas caírem sobre meu colo, a fumaça impregna o ambiente e eu inspiro extasiada. Os papéis encontrados na mesa do escritório dele voltam à minha mente e a raiva domina meu corpo outra vez. O desgraçado estava planejando me vender para aqueles russos nojentos. Depois de anos juntos o ajudando com seus trabalhos sujos ele se volta contra mim e me põe um preço, como se eu fosse mais uma de suas mercadorias de merda. Mas ele vai se arrepender amargamente de pensar em me transformar numa vadia da máfia russa.

Eu poderia expor o verme, mas isso me exporia também. Poderia arranhar o seu carro, quebrar seus quadros favoritos ou até mesmo simplesmente desaparecer, mas ele não merece isso. Ele merece sofrer. De verdade. Merece que eu faça com ele o mesmo que ele fez comigo. Merece que eu o engane e é exatamente isso que eu vou fazer.

O metal da faca de cozinha esfria minhas costas nua, meu corpo está vestido apenas com uma lingerie preta de renda. A favorita dele. Meus longos cabelos estão soltos, recheando meu busto e o travesseiro fofo. Ouço o barulho da porta ser aberta e fechada e constato, com animação extrema, que o momento chegou. É agora. Respiro profundamente para manter a calma e abro um sorriso lascivo quando ele entra no quarto e acende a luz.

- Uau. - Ele sorri enquanto retira a gravata. - Esqueci de alguma data especial?

- Não posso simplesmente agradar o meu amor? - Pergunto com voz manhosa.

- Hm, isso é raro.

- Então é melhor aproveitar.

Ele retira o paletó e deixa em cima do baú que fica em frente à cama. Seus olhos estão escurecidos e só de imaginar o que está passando em sua mente, meus dedos coçam para pegar a faca embaixo do travesseiro.

- Consegui enrolar o babaca do Charles, ele vai estar comendo na minha mão antes mesmo de piscar. - Ele relata com orgulho e eu me obrigo a sorrir contente.

- Você é o melhor, meu amor. - Chamo-o com o dedo indicador e ele sobe vagarosamente na cama, como se estivesse indo de encontro a sua presa.

Mal sabe que ele mesmo é a presa essa noite.

Ele me beija assim que chega no nível dos meus lábios e quando separo nossas bocas vejo seus olhos verdes brilhando de excitação. Idiota. Viro-nos, ficando por cima dele e distribuo beijos por seu rosto e pescoço, enquanto minha mão entra por debaixo do travesseiro e agarra a faca.

- Sabe, amor... O que acha de viajar?

- Hm.. Maravilhoso. - Ele resmunga ofegante. - Pra onde?

- Um lugar bem longe... Pra você descansar.... Tipo o inferno, seu verme! - Puxo a faca e a levanto acima de seu tórax, mas sua mão agarra meu punho e ele abre um sorriso perverso.

- Achou que eu não descobriria seu plano, sua vagabunda? - Ele ri e nos troca de posição, puxando a faca de minha mão. - Acha que eu não tenho câmeras por todo lado nesse apartamento para vigiar cada passo seu? - Meu coração acelera ao constatar que mais uma vez fui enganada. - Você tinha que ver a sua cara quando achou o contrato de venda. Eu ainda coloquei um preço muito acima do que você merece, sua imunda!

Esperneio-me embaixo de seu corpo, grito e tento chutar seu corpo para longe de mim. Ele vai me matar.

- Você é um porco nojento, se me matar todas as suas merdas vão vir à tona e você vai mofar numa cadeia e virar cadelinha dos presidiários. - Ameaço e ele gargalha diante de minhas palavras.

- Ah, você é uma burra mesmo né? Acha que eu não comprei cada um dos seus aliados? Por favor Samantha, você está me subestimando. Isso me ofende!

Ele desfere um tapa em meu rosto e sinto um filete de sangue escorrer pelo canto da minha boca.

- Agora você vai me pagar, sua cadela.

É rápido. Ele acerta meu peito uma, duas, inúmeras vezes e meu corpo sacode na cama. Ele limpa os respingos de sangue de seu rosto e se levanta, alcançando sua calça no chão e olha para mim.

- Você foi muito tola por acreditar que alguém poderia se importar com você, Sammie. Você não passa de um aborto da natureza.

Ele sai do quarto e eu sinto uma lágrima quente molhar meu rosto antes de perder o foco e o fôlego.

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