Decisões

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Embora Camila pretendesse refletir com calma, não conseguiu pensar mais nada durante o trajeto até a cidade. Quando chegou a seu apartamento alugado em Manhattan, já havia concluído que não lhe restava outra escolha.

Ao longo de sua carreira, enfrentou casos difíceis, mas se orgulhava de sempre incentivar os pacientes a melhorar. Possuía uma sólida reputação, por isso foi indicada a Lauren Jauregui.

Ousaria arriscar a reputação profissional por uma mulher que mal conhecia e de quem não gostava? Se falhasse com Lauren, uma atleta conhecida, e entrasse para o grupo de fisioterapeutas rejeitados, a notícia logo se espalharia. Dessa forma, seria custoso encontrar outro trabalho.

Camila não poderia falhar. De alguma maneira, tinha de romper a fortaleza que Lauren construiu ao redor da alma e do coração. Os ferimentos do corpo eram sérios, mas irrelevantes. Era o interior que precisava de recuperação. Se a melhora começasse a ocorrer, o restante viria facilmente.

Após um banho quente, Camila telefonou para Jordan Jauregui . Em princípio, pareceu surpreso. Mas assim que ela informou que aceitaria o trabalho, Jordan se mostrou grato e feliz. Por fim, combinaram a mudança para a mansão no final de semana seguinte, depois que as aulas de Cecília terminassem.

Depois do divórcio, as duas viviam viajando e, portanto, a maioria dos seus pertences cabia em uma caminhonete.

- Lauren gostará de saber da novidade - Jordan disse. - Ela ficou impressionada com você.

- Sim, claro. - Camila riu. - Um gato entediado sempre se impressiona com um rato.

- Tem razão - Jordan concedeu, rindo. - Mas creio que ela, enfim, encontrou um adversário à altura. Estou apostando meu dinheiro em você, Camila.

Ela agradeceu o voto de confiança. Em seguida, discutiram os termos do contrato e finalizaram a ligação. Tão logo desligou o telefone, sentiu a expectativa voltar a dominá-la. Bem, aceitou o trabalho. O contrato chegaria em poucos dias e, assim que o assinasse, estaria empregada.

Camila verificou o relógio, constatando que estava na hora de buscar Cecília na escola.

A pequena a recebeu com um grande abraço. De mãos dadas, mãe e filha caminharam até uma sorveteria enquanto a menina contava, feliz, as aventuras do dia.

Sentaram-se no balcão da sorveteria e cada uma pediu seu sabor predileto. Assim que os sorvetes foram servidos, Camila falou do novo trabalho e explicou que teriam de morar na casa do paciente durante o verão.

- Será como na época em que moramos no quarto de hóspedes da vovó? - Cecília perguntou confusa.

Camila riu da comparação. Sua mãe vivia em uma bela casa na costa de Connecticut, a mesma moradia em que Camila e as duas irmãs foram criadas. No entanto, a residência inteira poderia caber na ala oeste da mansão Jauregui.

- Mais ou menos. Teremos um apartamento só para nós. Mas ele faz parte da casa dos Jauregui - Camila explicou. - Trata-se de uma casa enorme. É o que chamamos de mansão.

O rosto angelical de Cecília se tornou sério.

- É um castelo?

- Não exatamente. Porém, a casa é parecida com um castelo. - Camila saboreou uma colherada de sorvete, pensando no dragão que habitava aquela residência.

Cecília se mostrou satisfeita com a resposta e animada diante da perspectiva de morar na praia. Camila teria de matricular a filha em alguma programação de férias para ocupá-la durante as horas de trabalho, mas receava não encontrar algo adequado.

- Acho que Eloise vai adorar morar em um castelo - Cecília comentou. - Talvez ela aprenda a nadar.

Oh, céus, a gata, Camila pensou. Havia se esquecido de Eloise! A gata, que pertencia à família desde os dois anos de Cecília, não podia ser deixada para trás. Teria de falar com Jordan a respeito de Eloise e rezar para que ele a aceitasse.

- Gatos não gostam de água, Cecília. Mas creio que Eloise irá apreciar os peixes.

Quando chegaram a casa, Camila se sentiu aliviada devido à rápida aceitação da filha. Outras crianças podiam ficar aborrecidas diante uma mudança inesperada.

Contudo, Cecília sempre teve um temperamento suave, mesmo quando bebê. Também sobreviveu a bruscas mudanças, como o divórcio dos pais. Cecília havia completado quatro anos na época em que o marido de Camila pediu a separação, alegando que se apaixonou por uma colega de trabalho.

Camila ficou arrasada por causa da traição, mas não surpresa. Desde o nascimento de Cecília, ela e o marido, Jack, foram aos poucos se distanciando e já não viviam como um casal, exceto quando brigavam por dinheiro ou devido aos problemas do dia-a-dia da vida conjugal. Não obstante, enquanto Camila elaborava uma maneira de salvar a relação, jamais imaginou que Jack pudesse encontrar outra pessoa. Nunca havia considerado a possibilidade de ser infiel a ele, a despeito das circunstâncias. Ambos haviam se apaixonado no colegial, e a deslealdade de Jack fora um choque para ela. Ainda assim, para o bem de Cecília, Camila esteve disposta a perdoar, se Jack terminasse o romance e prometesse reconstruir o casamento. Ela até reconheceu que teve alguma responsabilidade no distanciamento do marido.

Porém Jack alegou ser tarde demais. Dizia amá-la, mas não do jeito que um homem devia amar a esposa. Talvez houvessem se casado muito jovens ou fossem apenas amigos de longa data. Apesar de serem explicações típicas de um marido infiel, Camila enxergava certa verdade nas palavras de Jack. Ela sempre foi devotada ao extremo, nunca existiu o desafio da conquista. O romance com a colega de trabalho durou pouco, um fato previsível, Camila concluiu. A respeito da dolorosa verdade, os sentimentos por Jack começaram a esfriar logo que descobriu a traição.

Aliás, com o passar dos anos, ela o via de forma distinta. Não se tratava de amargura. Enquanto estavam casados, Camila aceitou e relevou a imaturidade e as tendências egoístas do marido. Mas agora se sentia aliviada por não ter de se submeter ao comportamento adolescente de Jack.

No entanto, para Cecília era diferente. Ele jamais foi um pai assíduo. Às vezes, oferecia carinho e afeição à filha e, em outros momentos, ele a ignorava completamente. O trabalho na área de vendas o mantinha nas estradas, e mesmo quando se encontrava na cidade, se esquecia dos compromissos que marcava com Cecília.

Camila inventava desculpas, acalmava a mágoa da filha e lhe proporcionava mais amor e atenção a fim de recompensá-la. Era nessas ocasiões que ela se perguntava por que havia colocado o ex-marido em um pedestal.

Desde o divórcio, Camila havia recuperado a autoestima, mesmo assim nunca teve coragem de ter um novo relacionamento sério. Saía de vez em quando e até conheceu homens de quem gostou. Mas não havia se apegado a nenhum deles. Nunca deixava a relação progredir e sempre encontrava uma desculpa para terminar antes que as coisas ficassem sérias.

Ela sentia medo, pura e simplesmente, de um novo relacionamento e não precisava de um psicoterapeuta para detectar o problema. Em pensamento, sabia que nem todos os homens eram infiéis, mas, havia perdido a confiança no sexo oposto. Além disso, ganhar a vida e cuidar de Cecília requeriam sua total atenção e esforço. Embora se sentisse sozinha e imaginasse o romance perfeito que apagaria seus medos, Camila estava satisfeita consigo e sempre rejeitava a ideia de namorar.

Talvez quando Cecília estivesse mais velha, dizia a si mesma, ou quando a vida profissional exigisse menos tempo e energia. De qualquer maneira, ela sempre se esquivava de amigos e parentes, e de suas irmãs, que jamais se cansavam de arranjar encontros às escuras.

Pelo menos, morar na mansão Jauregui a livraria de tais armadilhas e o relativo isolamento seria a desculpa perfeita para negligenciar sua total ausência de vida amorosa.

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Quando a Neve Cair (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora