So long

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- Augusto.

Era Outubro. 

E já fazem eras desde que estive com Sarah pela última vez.

- Cuidado aí! 

Desvio de um carrinho de correspondência, chegando até minha sala e colando a bunda na cadeira. Lá fora, o céu dançava entre laranja e azul, me lembrando dela. De como ela amava dizer que o dia estava lindo.

Conferindo no celular se alguma mensagem chegou, abro nossas conversas e as releio mais uma vez. Eu a magoei por não saber lidar com a maldade da minha mãe, como ela sempre fez questão de ser cruel com Sarah por todos esses anos, não importasse o que ela fizesse, quanto mais queria agradá-la, mais má ela era.

E Elise então? 

Sem comentários. Garota sem um pingo de respeito, vivia me desafiando, conspirando com minha mãe contra Sarah. Não tinha sequer uma gota de higiene pessoal e tinha a coragem de falar mal da minha namorada.

Ex, namorada.

Certo dia, Elise entupiu o banheiro de meu pai com um absorvente jogando dentro do vaso, completando o cenário com sangue por todo o bacio. Meu pai, como era limpo, surtaria. Mas não, apenas pediu que sua esposa limpasse. 

Essa memória me dá um calafrio.

Quantas vezes eu a chamei de implicante, que ela só deveria suportar. Agora, longe dela, vejo como sofria calada para me agradar. 

Eu nunca fui um cara cheio de sentimentos, mas Sarah era o melhor deles. Quando a vi sentada na segunda fileira da nossa sala, anos atrás, foi como se tivesse levado um choque direto no coração, ninguém nunca teve sequer uma chance depois disso.

Apesar de não demonstrar abertamente, ela sabia só pelos meus olhares. Calado, ouvindo-a tagarelar sem parar sobre tudo, sempre sorridente, sempre animada, eu apenas respirava, sorrindo junto e de coração doente de amor.

A culpa me consome, eu vou mandar uma mensagem.

- Augusto, faz pro pai esse contrato aqui. - Conrad, meu pai, entra pela sala com dados e um pedido, desfocando minhas ideias. - Tem que ser pra hoje, ok?

- Certo, pode deixar.

Mergulhando em trabalho, quando o telefone toca e eu atendo, nada pareceu real. A chamada de Sarah foi como um lembrete de que nós nunca ficaríamos de fato um sem o outro, naquele instante nós nunca estivemos de fato separados.

Depois de desligar o celular, com um tambor no peito, caio na verdade do que acabou de acontecer. Sua voz, doce e preocupada. Todos os dias por dez anos nós trocamos ligações no fim do expediente. Até não trocarmos mais.

- Cacete... - dou um tapa em minha testa, coçando a cabeça com um sorriso bobo.

Já de contrato pronto, passo na sala de meu pai e o deixo, repousando sobre sua mesa. 

Do elevador até a garagem, só consigo pensar em como surpreendê-la. Quando as portas dele se abrem, estranho a quantidade quase inexistente de carros estacionados, dando de ombros ao entrar no veículo e ir direto para a floricultura mais próxima.

Comprando o buquê mais belo e volumoso, com todas as suas flores favoritas, vou até em casa e coloco a melhor roupa que tenho, passando a colônia que ganhei de presente dela no meu aniversário. Vicente, meu irmão, buzinou em frente a minha casa quando coloquei os pés para fora da porta.

- Agora não dá Vicente, tô atrasado. - comunico, abrindo o portão para ele. 

- Cara, você precisa ver isso! 

De celular em mãos, ele me empurra novamente para dentro de casa. Olho no relógio, já eram quase nove horas, o tempo passou rápido demais. 

- Vou me atrasar mais do que já estou, mano, depois a gente conversa. - faço menção de sair, mas ele me empurra e enfia em meu campo de visão o noticiário.

Me endireitando no sofá, a Tv mostrava pessoas matando umas as outras aqui mesmo no centro da cidade. O noticiário local transmitia um surto de doença contagiosa, sugerindo que as pessoas fiquem em casas até que tudo passasse e evitassem qualquer tipo de contato com alguém que estivesse doente também.

As imagens eram horríveis. Crianças, idosos, jovens... Todos eles em um frenesi de violência imparável. Sem pensar duas vezes arrumo uma mala, desesperado. Vicente gritando em meus ouvidos mas sem ser realmente escutado, eu só penso nela agora. 

O carro canta pneu ao sair da garagem, deixando meu irmão plantado do lado de fora de casa. Disco seu número, conferindo o horário novamente, eram dez e meia. Eu havia perdido uma hora e meia em frente à televisão, hipnotizado pelo show de horrores. Bato no volante, pensando em minha mãe pela primeira vez naquela última hora. Faço o caminho até sua casa, realmente as ruas estavam um caos, pessoas correndo e gritando, me fazendo sentir verdadeiramente o gosto do medo, algo inédito até antes.

- MÃE! - grito ao passar pelo portão de entrada da casa, me deparando com as luzes todas acesas e com a porta principal escancarada. - Nós temos que ir mãe, por favor!

Nenhuma resposta. Corro para dentro do lugar, escorregando em algo extremamente molhado e denso. Minhas mãos agiram mais rápido que meu corpo, me segurando na mesinha de canto, e fazendo com que apenas caísse de bunda. Olho para baixo e me deparo com uma poça de sangue que faz meu coração disparar de horror enquanto deslizo desajeitadamente com pressa de me por de pés novamente.

- Mãe... - chamo novamente, dessa vez mais baixo. Entrando na cozinha, vejo-a sentada na mesa, de cabeça baixa e um copo de água entre as mãos. - Mãe, por quê não me responde? 

Ela levanta a cabeça, os olhos injetados e esbugalhados.

- Augusto meu amor, você tem que sair daqui. - fala, tendo um espasmo violento em seguida. Sangue escorreu pelas suas vias respiratórias. - Eu fui com Gertha até a rua ver o motivo de tanta gritaria... Aí um deles veio e atacou ela, eu corri aqui pra dentro, mas eles vieram atrás. Terminaram de brutalizá-la na sala, eu me escondi até que terminassem... Mas ainda tinha um, e aquela mulher me mordeu.

Coloco a mão na boca, sentindo uma imensa vontade de vomitar. Antes mesmo de conseguir digerir tudo, o que um dia foi minha mãe avança sobre mim.

Para sempre Sarah - A zombie novel ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora