O cansaço e a indisposição me tomavam, mas o medo pelo que aconteceria se adormecesse me tomou com mais força.
Talvez se estivesse ciente do poder do horror diante até mesmo o mais cansado dos homens, Lua não teria sido tão sádica ao me torturar.
Ou talvez as três noites de insônia desgraçada pelas quais passei fossem parte da diversão dela. O certo é que, regado primeiramente de café e depois de estimulantes mais fortes, fiz todo o possível para me impedir de dormir. Na quarta noite, contudo, acabei me dando por vencido e me joguei, preparado para dormir e rever minha assombração recorrente, reencontrar a criatura maldita que havia amado, minha problemática criança e minha mulher de timbre violento.
Por maior que fosse meu cansaço, por mais que minha cabeça doesse, meus membros fraquejassem, que as olheiras se afundassem e que minha mente se confundisse, não adormeci. O sono era violento, horrendo, e não me permitia sequer levantar novamente. Mas as horas passaram, a noite se foi toda e eu não consegui pregar os olhos.
Um quinto dia nasceu, veio e se foi sem que eu fosse capaz de levantar, jogado a encarar o teto e derramar algumas lágrimas, paralisado. Sofria de fome e de sede; outra vez urinei no leito. Mas não adormeci. Não dormi, de jeito nenhum, e o desespero me faria gritar, levantar para me dopar em calmantes, caso fosse capaz.
Foi na quinta noite que a vi ali, ao vivo, pela primeira vez. Lua estava sentada no pé da cama me encarando silenciosa, a mão pálida contra a minha. Estava corada, forte, inquestionavelmente real, física. Ela suspirou e vi alguma tristeza, um luto estranho, nas suas feições.
"Senti saudades", ela murmurou.
Por toda a noite permaneci deitado, imóvel e amedrontado, enquanto uma curiosa Lua vagava pela sala, vistoriando tudo, admirando-se com a infinidade de coisas que tinha pela primeira vez a oportunidade de ver e conhecer. Ela cantava sua música numa voz baixa e rouca, agora me acalentando ao invés de me aterrorizar, sendo bela e adorável, não ameaçadora e terrível como antes.
Amanheceu e, como que por milagre, consegui me levantar com alguma força que não era capaz de dizer de onde viera. Lua sumira outra vez. Aliviado, alimentei-me, limpei-me e saí no começo da tarde para caminhar, acreditando que, talvez, estivesse livre da criatura dali para frente.
Eu estava errado, como de hábito. Ao chegar em casa de noite, deparei-me com fundos cortes em meus braços, violentos, sem contudo ver qualquer sangue. Tonto, fraco e assustado, joguei-me na cama sem conseguir fazer qualquer outra coisa e adormeci.
Não tive sonho. Somente uma escuridão existia. Estava sozinho, envolto em breu, em paz e calma. Sem Lua e sua sala. Somente um filete distante da melodia que seguia interminável e bela.
Quando acordei, percebi algo. Minhas mãos estavam enrugadas e minhas costas doíam. Olhei ao redor e percebi estar em um ambiente absolutamente diverso daquele onde estivera antes de dormir, um quarto novo, repleto de livros e objetos estranhos. Um gato desconhecido caminhava por entre a bagunça.
Corcunda e manco, arrastei-me até a cozinha do lugar desconhecido. No jornal jogado na mesa, aterrorize-me ao perceber a data. Eu dormira por mais de meio século. Fui até a sala e encontrei Lua no sofá, sedutora, vestida em cetim negro. Ao seu lado um rapaz desconhecido dormia de boca aberta.
