3. Escuridão Total P.1

179 11 0
                                    

8. Primeira semana

  - Você melhorou tanta nessa primeira semana - disse Emma, enquanto a gente estendia a mangueira por mais alguns metros.
Já faz uma semana que eu tô aqui, e eu não sinto mais tanto peso. Os primeiros dias foram sufocantes, ter toda aquela pressão foi horrível. Acordei antes do despertador tocar querendo vomitar no terceiro e quarto dia, acho. Eu cheguei a chorar no meio do trabalho, por zero motivo. Estava cansada psicologicamente. Mas passou tão rápido, sério, só sei que passou uma semana porque Emma acabou de me falar.
  - É mesmo? - pergunto, ajeitando o meu chapéu, que evitava que o sol batesse nos meus olhos, então não fazia mais aquela careta de "luz na cara" - Nem percebi.
  - Mas melhorou - Emma diz, sorrindo de forma gentil - Fico feliz que você esteja se adaptando bem, não gostaria de te ver mal.
  - Eu também não, nem você, nem ninguém do grupo.
  - Sim, o nosso grupo é o que mais prezo aqui dentro. Você é uma das coisas mais importantes da minha vida no momento.
  - Junto com todos os outros, né?
Emma não responde por alguns segundos e depois abre um sorriso.
  - Sim, junto com todos os outros - ela diz.
Mais um dia cansativo que passa em segundos. Quando menos espero, já está escurecendo. Emma limpa a testa com um lenço e se abana com um leque que comprou com seus pontos, ela tá sendo um pouco mais rígida com isso, e fico feliz em vê-la se dedicando. Nunca a vi ligando para os pais, ela nunca me falou sobre isso, mas já me contou sobre muitas outras coisas, nada de tão longe do hotel, ela não se abriu tanto para mim. Então, a única coisa que sei da vida da Emma fora desse lugar é sobre seus pais.
  - Já tá na hora de pararmos e entregarmos tudo isso - digo, recolhendo a mangueira.
O trabalho de regar era bem simples, para não prejudicar o solo, eles não fizeram um sistema de irrigação debaixo da terra, eles fizeram mangueiras com furos, nós que somos responsáveis pela tarefa temos que pegar elas e distribuí-las pelo nosso setor.
  - Já? - Emma pergunta, olhando para o céu - Ainda não me acostumei como quase oito horas de trabalho passam em oito minutos.
  - Se a vida fosse assim sempre... - eu sonho.
  - Eu já estaria com o pé na cova - Emma ri - Eu já não tenho noção de tempo, imagina sendo sempre assim?
Eu ri. Emma vem mudando um pouco nesse meio tempo, descendo todos os dias para o refeitório, mesmo nos dias que Gavin desce, o mesmo também começou a se juntar com a gente todos os dias. Ainda não sei o que Gavin e Emma conversam tanto, mas pelas semelhanças de suas personalidades, acho que não seria surpresa se fosse sobre isso.
Ainda não sei o que tenho que mudar. Não fui trouxa o suficiente para ligar novamente para os meus pais, não queria ouvir mais desculpas, queria respostas, não mais perguntas. Fiz o que o King pediu para eu fazer. Suposições. E quais eram elas?
• Pressão do meu trabalho: fãs, média, pessoas que querem subir em cima da minha carreira, estética.
Essa foi a única coisa que pude supor com as palavras chorosas da minha mãe.
Um dia desses vi a guarda Nathalia pelo saguão, ela me parou naquele dia.
  - Desculpa se eu te deixei preocupada no dia que te trouxemos pra cá - ela disse - Eu realmente queria te acalmar e...
  - Não precisa se desculpar - eu falo tranquila - suas intenções eram boas.
Não podia julgar ela, que também foi sequestrada, forçada a trabalhar e melhorar algo em sua personalidade. Não sei pelo que ela passou ou passa, mas espero que ela saia logo daqui. Ela colocou as mãos em meu rosto e beijou a minha testa.
  - Obrigada, querida - ela disse e eu sorrio.
Agora sempre que eu passo por ela, ela sorri e me cumprimenta. Os seguranças tentam não ter tanto contato com os outros do hotel, para se manterem imparciais, mas nunca são desrespeitosos ou agressivos, devem pensar o mesmo que eu. Pelo que essas pessoas passaram? Não sou a melhor pessoa para julgar elas, e mesmo se fosse, não as julgaria.
Cordélia deu uma sumida na semana, aparecendo só em alguns horários específicos durante um dia inteiro, e geralmente era na parte da noite. Ainda não tive tempo de me desculpar pelo aperto de mão, sei que ela pode ter ignorado, mas eu me importava. Saber que ela já passou trinta anos de sua vida aqui foi um choque para mim, imagina se isso acontece comigo? Não, eu não posso, não posso ficar nesse lugar, só de pensar nisso quero vomitar de novo.
As gêmeas já falaram sobre o dono do hotel uma vez, mas nada tão relevante, ninguém viu ele pessoalmente, só ouviram a voz dele. Falaram que só a gerência o vê. Dizem que ele é um mistério, por só ouvirem a sua voz. Também dizem que ele é deformado ou um assassino em série fugitivo, não acreditei nessas histórias, acho que ele só quer prezar a sua imagem, já que muitas pessoas devem odiar esse lugar e, consequentemente, ele também.
  - Último dia que estarei te ajudando - diz Emma, me tirando de minha memórias - Espero que você se vire sem mim.
  - E eu espero que em algum dia fiquemos juntas no trabalho - digo, e ela abre um sorriso - Vou sentir saudades.
  - São só algumas horas - Emma diz, sorrindo - Não seja dramática.
  - Eu dramática? - digo, fazendo pose e depois rindo, Emma ri comigo.
  - Você é tão bobinha, parece uma criança.
  - E quem disse que eu não sou?
  - Uma criança mórbida, que fala de mortes e tem uma cabeça super aberta - Emma passa o dedo na minha testa
  - O ruim - eu digo, desacelerando o passo - é que eu não sei muita coisa de você fora do hotel.
Emma continua andando e fica um pouco em silêncio. A gente carregava as mangueiras até o Gael.
  - Não é que eu tenha vergonha - Emma diz finalmente - Mas é que não sei como você vai reagir, e eu não quero que você se sinta de forma diferente do meu lado.
  - Você acabou de me rotular como "cabeça aberta" - digo, entregando as mangueiras para Gael quando chegamos nele - e eu acredito que sou isso mesmo, então pode confiar em mim, Elita.
Emma ri, ela ama quando a chamo pelo apelido.
  - Tá bom - ela diz, segurando as minhas mãos e andando de costas até o hotel - Pra comemorar o nosso último dia de ajuda, e pra eu poder te contar a minha "história de vida" - ela coloca a mão na testa de forma dramática, e eu acabo rindo - me encontre na piscina às sete. Sem falta.
  - Eu nunca faltaria a um encontro com você.
  - Encontro...
  - Encontro que eu falo é de encontrar você - eu me embolo com as palavras, e começo e rir de nervosismo.
Emma ri.
  - Ok - ela diz - não falte ao nosso encontro.

Lavanda (Fanfic Melita)Onde histórias criam vida. Descubra agora