3. Escuridão Total P.2

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12. Escuridão Total

Melanie
O saguão estava escuro e cheio de sombras e silhuetas falando ao mesmo tempo, querendo saber qual era a desculpa que a Cordélia daria pelo blecaute. O caos estava feito, algumas pessoas gritavam, outros choravam reclamando de uma dor de cabeça. O pessoal estava comigo e todos seguravam a mão um do outro.
  - Calma, gente! - disse Cordélia, ela sim estava calma, o pessoal não - Foi um erro que aconteceu no gerador, e vimos que só vamos poder consertar de manhã, já que o técnico não pode vir hoje.
  - Alguém de fora? - Elita pergunta baixinho para a gente.
Manuela ignorou totalmente as explicações de Cordélia e foi andando até o lado de fora do hotel. Seguimos ela, que estava com os olhos fechados.
  - Me lembro da minha primeira noite aqui - ela diz, sorrindo - De como eu me senti, mas quando eu vi como esse lugar é a noite, eu me acalmei.
  - Você se sentiu tão bem - Isabela disse, colocando o braço envolta da irmã.
  - Eu tive uma ideia - disse Elita, chegando perto da gente.
  - Que idéia, princesa? - Manuela perguntou.
  - Vocês querem dormir no meu quarto hoje? - ela perguntou.
  - Não vem com essa não, pervertida - disse Manuela, rindo.
  - Não é isso - Elita ri - Estou falando da gente fazer uma festa do pijama às escuras.
  - A gente também pode contar histórias de horror - disse Isabela, batendo palminhas.
  - Exatamente - disse Elita, levando a mão e Isabela bateu nela.
  - Então, meia hora pra se arrumarem e irem pro meu quarto - Elita disse.
Demorei até me arrumar, tanto pela dor de cabeça que sentia quanto pela roupa que queria usar, estava indecisa, mas decidi usar um cropped azul com uma estampa floral e um short rosa cheio de babados. Peguei meu lençol e travesseiro e fui até o quarto de Elita, onde todos já estavam lá, sentados em um círculo, onde no meio dela tinha uma lanterna que os iluminavam, o janela aberta para o céu estrelado e a lua cheia.
Elita usava um vestido que acho que poderia contar como uma lingerie preta, que tinha um pano transparente cobrindo parte do seu corpo. Gavin usava um casaco preto e um short rosa pastel que ia até o meio de sua coxa. Manuela usava uma blusa larga e cinza, e calças moletom verdes, já Isabela usava um vestido de cetim roxo claro.
Todos olharam para mim com um olhar mórbido, mas depois sorriram, o que fez a minha cabeça ficar mais aliviada.
Salgadinhos e bebidas estavam espalhados pelo chão junto com lençóis e travesseiros. Elita deu umas batidinhas no chão vazio ao seu lado enquanto olhava para mim, fui até lá e sentei em cima do meu travesseiro.
  - Do que vocês estavam falando? - eu pergunto enquanto amarro o cabelo em marias-chiquinhas e Isabela que estava do meu outro lado me ajudou com isso.
  - Estávamos falando sobre amizade - Manuela diz - Sobre como eram as nossas amizades lá fora e aqui. Gavin ia falar sobre uma coisa.
  - Sim - diz Gavin, ajeitando o óculos - Então o que eu acho sobre amizade. Vocês podem ter as suas conversas super malucas, podem rir, podem se comunicar, podem conversar muito sobre coisas super importantes e interessantes, mas no momento em que faltar assunto, vocês simplesmente não falam, mas isso não importa, porque a presença do outro já importante para vocês ficarem ali.
  - Exatamente - diz Elita - também porque conversar eu posso fazer com literalmente qualquer pessoa no mundo usando a internet, em que momento eu teria a presença da pessoa?
  - Né? - Manuela diz, cruzando as pernas - As pessoas prezam tanta por uma relação em que você viva falando quando não é necessário e quando a presença da pessoa é importante, não se importam.
  - Comunicação é importante - Isabela fala, ajeitando o cabelo - mas presença? Presença deve ser aproveitada.
  - Eu prezo muito por isso - Elita diz - Gosto quando as pessoas têm relações mais orgânicas comigo, e que entendam que eu não preciso estar cem por cento do tempo alí ou que não preciso ficar falando pelos cotovelos pra amar eles.
  - E é por isso que somos seus melhores amigos - diz Isabela, sorrindo.
  - Sim - Elita fala enquanto sorri.
  - Tá - Manuela interrompe - Agora que a Melanie chegou, quem vai começar com as histórias de terror?
Gavin levanta a mão com tanta empolgação como o aluno nerd da escola levanta para responder qualquer pergunta do professor.
  - Eu soube de uma história sinistra - Gavin começa, ele aproxima o rosto da lanterna, inclinando o corpo para frente - quem me contou foi a Leslie. Uma lenda no hotel diz que aqui mesmo habita um monstro, totalmente deformado, dizem que é um ex hóspede que ficou tão viciado no trabalho, e estava tão doido para subir de cargo que enlouqueceu.
Todos nós estávamos em silêncio enquanto Gavin falava. Ele contava tudo em um tom baixo e tínhamos que nos aproximar para ouvir.
  - Ele ficou tão doido que começou a comer a lavanda pura, mas ele comia tanto que morreu por isso, mas o quarto dele estava trancado quando ele morreu e só foram notar a sua falta meses depois, porque pensaram que ele tinha se cansado. Quando encontraram o corpo dele, já estava só o osso, mas por incrível que pareça, estava roxo! E lavanda crescia da caveira partida ao meio dele. Falam que o fantasma dele ainda habita os corredores do hotel em busca dos desinteressados e os devora.
Silêncio total até que...
  - Foda - disse Manuela, fazendo todos levarem um susto.
  - Que susto, filha da puta - diz Isabela com a mão no peito.
  - Eu tenho uma história similar a essa - diz Manuela, pegando um dos salgadinhos.
  - Conta! - eu digo, me inclinando para ela.
  - Tá, o bagulho é o seguinte, durante a criação desse lugar, vários funcionários morreram, de causas desconhecidas, eles simplesmente morreram, mas nem ligaram, eram alguns de dois mil funcionários, mas aos poucos, eles foram enlouquecendo e enlouquecendo até que algo aconteceu em uma noite de lua cheia, mil e duzentas pessoas morreram naquela madrugada. Mas eram tantos corpos que tiveram que enterrar todos no solo do próprio hotel pra não ganharem prejuízo, mas por algum motivo, o fedor dos corpos subia, estragando o trabalho dos novos funcionários, então decidiram plantar alguns pés de lavanda envolta do hotel, mas o fedor continuava.
  - Fora do hotel conheço pessoas assim - Elita diz em tom de brincadeira e todos riem.
  - Mas então - Manuela continua - decidiram plantar o campo envolta de TODO o hotel, e pra ajudar os funcionários que ficaram loucos, decidiram que ele seria um hospital psiquiátrico para ajudar pessoas doentes e psicologicamente prejudicadas. Fim.
  - Nossa - Isabela diz balançando a cabeça - Nota 6 pra essa história de origem.
Todos riem. Continuamos contando sobre coisas fora do comum que já nos aconteceu ou nos contaram, como o que aconteceu com um coelho que eu tinha quando era criança. Por volta de dez horas já estávamos com sono, Elita e Isa dormiram na cama, eu e Manuela no meio do quarto e Gavin no chão do lado da Elita, que deixou a mão para fora da cama, que encostava o peito de Gavin e ele segurava ela. Não vou mentir, achei aquilo mega fofo.
A janela ainda aberta deixava com que o ar frio da noite entrasse já que o ar condicionado não funcionava. Meus sonhos eram embasados, mas começaram a ganhar mais nitidez e ficam cada vez mais sombrios, o rosto dos meus amigos derretiam enquanto mãos me puxavam para dentro da terra, acordei e todos estavam de pé, em frente a janela, eles olharam para mim, meu peito descia a subia rápido por causa da minha respiração.
  - Pesadelo também? - Manuela perguntou.
  - Vocês também tiveram? - perguntei, ajeitando o meu cabelo.
  - Sim - Isabela disse, me ajudando a levantar - Também foi com o campo?
  - Foi, eu fui sugada pra dentro dele.
Vou até a janela e o campo estava vazio e escuro. O vento soava como um fantasma, estava mais frio e o céu mais estrelado.
  - Que horas devem ser? - Elita perguntou.
Isabela levantou a palma para o céu e fechou um dos olhos.
  - Isso funciona? - Gavin pergunta.
  - Claro que não - Isabela diz, rindo - Acho que isso só é pra navegação.
  - Porra - disse Gavin, rindo também.
  - Querem descer? - Elita nos perguntou, indo até seu armário e pegando um casaco.
  - E correr o risco de ser pega pelo monstro da lavanda? - Manuela disse, fazendo voz grossa na hora de falar o nome do monstro - Com certeza, vamos!
Colocamos casacos e descemos de escadas, foi cansativo e ficamos com medo de terem fechado as portas e termos de voltar tudo, mas felizmente não. Saímos e andamos pelo campo. O solo parecia mais macio, o cheiro da lavanda mais forte. Sentia um leve desespero no peito.
Isabela segurava um braço meu e Gavin o outro, Manuela o de Gavin e Elita o de Isabela. Eu sentiria medo disso tudo se eles não estivessem aqui comigo.
Andamos até além da árvore que Elita me mostrou, andamos por bastante tempo até algo chamar a atenção de Manuela.
  - O que é aquilo alí? - Manuela disse, apontando para a esquerda.
Um pouco mais a frente naquela direção, uma luz branca brilhava. Passamos por cima das lavandas até lá, mas faltando um metro, a luz se apagou.
  - Eita - exclamou Isabela.
Andamos mais um pouco e chegamos onde a luz deveria estar.
  - Que merda é essa? - Elita perguntou, se abaixando e tocando com os dedos em um círculo pintado de branco no solo.
Todos se abaixam menos Manuela, que olhava tudo de longe. Era uma tinta branca que estava no chão, e eu sentia um cheiro de queimado, sentia novamente aquele desespero.
  - O que pode ser isso? - Manuela pergunta vendo em cima dos nossos ombros.
  - Parece... - Gavin começa a falar, mas para - um ritual?
  - Pode ser - Isabela diz - Mas por que uma coisa assim estaria por aqui?
  - Não sei - Elita diz, olhando para o céu.
Olhando para o céu, vemos que a lua tinha acabado de passar por alí.
  - Estava alinhado - Manuela diz.
Uma das lavandas se mexeu a nossa direita. Todos nos levantamos e olhamos mais atentos para a direção do barulho.
  - O que foi isso? - Isabela pergunta sussurrando.
Outro barulho, mas agora atrás da gente, pulamos e olhamos para trás com atenção, mas não havia nada novamente.
  - Por favor, corram antes que eles peguem vocês - disse uma voz, que não sabia de onde havia vindo.
Ouvimos passos rápidos atrás da gente, alguém corria, gritava, chorava, estava com fome. Olhamos para trás e uma mulher de vestido roxo, braços e pernas quebrados e virados, a mandíbula e um olho não estavam na cabeça, corria atrás da gente com um grito choroso de piedade. Gritamos e corremos o mais rápido possível, mas a mulher parecia não tocar o chão de tão rápida, e quanto mais perto do hotel a gente estava, mais pessoas com a aparência de zumbis corriam atrás da gente. Meu pulmão ardia, mas eu não parava de correr. O choro daquelas coisas me dava dor de cabeça.
Entramos no hotel e corremos escada acima, mesmo depois de não ouvir mais aquelas coisas. Corremos pelo corredor do sexto andar e Elita trancou o quarto quando entramos nele.
Eu tremia... Eu chorava de medo, catarro descia do meu nariz, mas eu não era a única a chorar de medo, todos estavam assim. Elita chegou perto de mim e me abraçou forte, ela também chorava, e depois foi para os braços de Gavin, que tremia mais que eu. Isabela abraçava Manuela, que chorava como uma criança.
Sentamos onde tínhamos direito. Gavin pegou um copo e encheu até a metade de suco e começou a encher ele de vodka, Elita tirou a garrafa de sua mão quando ele começou a exagerar na dose, ele deu um gole grande, Elita fez o mesmo e ofereceu para Manuela, que bebeu com a mão trêmula, Isabela negou o copo, então a gêmea me ofereceu, mesmo não gostando do gosto, eu desci o resto da bebida goela abaixo, ardeu, não mais que o medo na minha espinha. Quando tudo se acalmou, começamos a falar.
  - Vamos... - Gavin começou - Falar sobre o que aconteceu?
  - Era um fantasma? - Manuela perguntou - Ou um zumbi?
  - Use o plural, Manu - disse Isabela - Era uma horda.
  - Eu nunca senti tanto medo na minha vida como agora - digo, colocando a mão no coração e ele ainda batia forte.
  - Eu tô com medo de olhar pela janela - Elita diz, e Gavin se levanta e vai até lá com Isabela aos poucos.
  - Nada - Gavin diz.
  - Será que eles são... - Manuela começa falando mais trava.
  - Os fantasmas da sua história? - Elita pergunta.
  - Sim? - Manuela diz, sua voz estava trêmula.
  - Não queria acreditar nisso - diz Isabela, deitando a cabeça no meu ombro - Mas acho que você pode ter razão.
  - Fantasmas existem - digo sussurrando.
  - Tá - diz Gavin, indo até o meio do quarto - Mas quem sussurrou pra gente? Não teria sido um fantasma, teria?
  - Não sei - Manuela diz - Não sabia que fantasmas existiam a cinco minutos, agora acho que qualquer um pode ter falado aquilo.
  - O que essa porra de hotel tem mais a oferecer? - diz Elita, indignada - "Venham para cá, temos tratamentos falhos e fantasmas" - ela fez pose e voz de um homem em propagandas.
Sinto a minha visão embasar, sei que estou com medo, mas estava com sono.
  - Que sono... - disse Isabela, que foi até a cama de Elita e se deitou nela, a mesma fez isso.
Deitamos em nossos lugares e assim que fechei os olhos, caí no sono. Um sono sem sonhos, nem pesadelos, como se eu estivesse morta.

13. Não saber o que fazer

Lavanda (Fanfic Melita)Onde histórias criam vida. Descubra agora