PARTE I: A CANÇÃO DA IMORTALIDADE

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             Prólogo: Uma noite vermelha

"Ei! Eu pedi pra tu vim aqui me ensinar bioquímica, não pra ficar aí olhando a janela"! Disse Ana um tanto irritada. A verdade que a lua era linda, extremamente linda naquele dia e Ricardo não podia deixar de se sentir atraído por aquela lua, ela trazia o mesmo brilho daquele dia de anos atrás.
-Foi mal, foi mal... eu tava viajando...- disse indo em direção a garota que estudava na mesa da sala de jantar, pronto para lhe explicar os meandros da reação de oxirredução que aparecia em seu caderno.
-Pra variar! Que que tu tava pensando?- Ricardo esboçou uma resposta, mas ela logo o cortou- Primeiro a questão! Eu tenho prova amanhã na faculdade!
Ricardo transformou a fala em um meio riso e pegando a lapiseira cor-de-rosa que estava na mão da garota, começara a desenhar os hexágonos e cálculos necessários para a resposta da pergunta. Após explicar para ela, ele sutilmente acrescentou:
-Entendeu?
-Entendi. Agora me conta: o que você pensava?
-O aniversário do Pedro tá chegando...
-Pedro? Tu ainda fala com o Pedro? E por quê tu saberia o aniversário do Pedro?
-Não, não. Não falo com o Pedro há dois anos. E sei lá porque de saber o aniversário dele, eu só sei.- Disse ele voltando à beira da janela para observar a lua nesse momento, uma voz fina, corta a visão de Ricardo.
-Oi! E aí meninos como vai o estudo?
-Vai ótimo Dona Carla...- Dona Carla era igual à Ana, mesmo cabelos compridos e escorridos, mesmo tom negro, o mesmo sorriso, as únicas diferenças visíveis eram umas pequenas rugas e a mecha branca no cabelo de Dona Carla. A mãe de Ana então disse que estaria em cima, caso precisassem de qualquer coisa. Ricardo fez um gesto com a cabeça indicando as escadas e completou:
-Ela ainda acha que a gente tem alguma coisa?
-Não sei... mas ela quer que a gente namore desde, sei lá, uns 16.
-Hm.... ainda não contou pra eles né? Devia contar logo.
-Eles não iam entender, os dois são bem cabeça fechada sabe? Algum dia eu conto mas pelo menos agora não.
-Tendi. Falando nisso... como as coisas vão com Isabela? Cês ainda tão juntas?
-Não a gente acabou. Ela era muito doida, até pra mim- Ana conversava com Ricardo sem tirar os olhos dos ácidos e benzenos de seu caderno, enquanto Ricardo não tirava os olhos da grande lua que estava no céu.- E tu e a Maria?
-A gente nunca teve nada em primeiro lugar. Ela tá com o Marcos da minha sala, agora.- após falar ambos os jovens ficaram calados por alguns segundo. Ricardo então molhara os lábios para perguntar algo, mas sentira uma certa indecisão se deveria ou não... por fim, escolheu falar, ainda que já soubesse que Ana ficaria brava... "Falou com ela"?
-Sabia que tu ia falar nela!! Sempre acaba assim! Já faz muito tempo, cara! Tu ainda não superou ela?
-Eu superei, só não esqueci. Eu já te expliquei isso várias vezes...- ele superou, não superou? Ele tinha certeza disso. Ele devia ter superado, já havia dois anos. Ele devia ter superado, ele pensava.
-Não parece que tu superou. Vem cá me ajudar nessa questão!- ele prontamente foi para o lado da garota e começara a ler o texto do problema, ao final olhara para os olhos negros da amiga e disse:
-Eu não sei, não...
-Não sabe? Pensei que tu sabia de tudo?
-Eu também pensei que eu sabia de tudo...
Ela o olhou em confusão, como quem não acreditasse nas palavras, mas por fim deixou que ele voltasse a olhar a lua. Passaram mais algum tempo em silêncio, quando Ricardo enfim tirou o celular do bolso e viu que já eram quase meia-noite.
-Tá na minha hora. São vinte minutos andando até chegar em casa. Melhor eu ir andando...
-Não que dormir aqui não?
-Não eu vou pra casa. Tô afim de andar.- disse se despedindo da garota com um abraço de lado e pedindo para mandar lembrança para Dona Carla. E saíra pelas ruas vazias e escuras do bairro.
A noite estava quente como naquele dia de dois anos atrás, a lua no céu parecia mudar para um estado vermelho. O jovem conseguiu sentir o sangue em sua boca, como naquele dia, a noite estava quente e vermelha como no dia em que ele experimentou o gosto da morte pela primeira vez.
Os arranha-céus assumiam formas negras, como se fosses sombras de um mundo perdido e tentassem abraçar eternamente aquele garoto, para prendê-lo naquelas ruas. Era enfim meia-noite... e o azul do céu começara a trazer o frio que passava por seu corpo descendo por sua espinha.
Já estava distante da casa de Ana, quando a silhueta dos prédios passou a mudar, eles assumiam uma forma retangular, cinza e a lua se desfazia de seu brilho vermelho e dava lugar ao brilho diáfano das noites normais.
Então Ricardo caminhou para sua casa, calado e vazio, pelas ruas vazias até chegar em sua casa.
-Mãe! Pai! Cheguei.- Sem resposta.
A casa estava vazia.

À espera do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora