PARTE III: A DANÇA DE UMA NOITE FRIA

7 0 0
                                    

Frio, frio, correntes de ar frio entram pela sala. Ele se sentava na ponta do sofá. Os ponteiros não se movem. O relógio da parede congelado. Congelado pelo frio. Frio. Muito frio. Um abraço de frio. Um abraço antes de uma aventura pelo mistério eterno. Morte. Eu só espero a morte. Ele sentava ali, olhando um relógio parado, esperando-a chegar, com seus olhos e seus lábios gelados para tragar sua alma.

Deveria ele escapar? Sim, eu deveria. Claro que deveria. Devia fugir, correr para o mais longe possível, para dentro de uma caverna, para o fim do mundo. Mas você já está no fim do mundo. Estou? Está. Você vai morrer. Todos vamos. Você vai morrer agora. Eu vou morrer agora. Fim do mundo? Fim do seu mundo. Estado deplorável, sentado, no frio, olhando um relógio. Ele ria em meio ao escuro. Escuro. Escuro demais. O silêncio da noite era tão audível que ensurdecia. Silêncio, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio. Não há mais silêncio, o mundo se calou. Acabou o silêncio. Não pode haver silêncio em um mundo que se calou. O silêncio só existe no barulho. Calado. Calado. O silêncio é ensurdece a todos.

Ela demoraria muito? Por quanto tempo o narrador vai me fazer esperar aqui? Traga-a logo! Dê fim a minha existência, não há mais o que esperar. Esse é o fim, vamos, traga-a acabe esta história. Não, ainda não é hora de acabar. Ainda há tempo. Tempo? Que tempo pode existir no frio? Acabou, o tempo acabou. O silêncio emudeceu o frio. Não há mais tempo, nem espaço. Mas há você. Eu não existo mais também. Eu estou acabado. Não se arrepende? Arrepender de que? De sua vida? O que fará agora, não se despedirá. Já me despedi, eu escrevi. Escreveu... realmente é um escritor fracassado. Quem lerá? Ninguém. Mas eu não escrevi para eles, escrevi para mim. O que você fará agora? Vou morrer. Morrer? Não ainda não se pode morrer. Está silêncio demais para morrer. Está frio demais para morrer. Minha morte será fria e silenciosa, como a luz dessa lua. Luz. A luz existe no silêncio? Deve existir. Eu a vejo em minha frente. O que você vê existe? Sim. O que você não vê, então, existe? Não. Você vê a morte? Vejo.

A noite está fria. Sim, está. Já é quase a hora. Ana deve estar dormindo. Pedro, sei lá. E o os outros? Que se dane os outros, o tempo está acabando. Como o tempo acaba? O tempo é infinito. O infinito tem fim. Não. Não tem. Sim. Sim tem. Frio. O tempo sente frio. A noite é fria. Onde ela está? Já são quase meia noite. Sempre é quase meia noite. Você sempre esperou esse momento desde aquele dia. Por que apressar agora? Veja a lua. A lua é sempre tão bela. A lua também sente frio. A lua está em silêncio. Não há como haver morte se eu olhar essa lua. O relógio. O relógio anda tão devagar agora. Porque os anos passam tão rápidos e as noites tão devagar, quando se está vivo? Eles passam? Você já morreu, para saber se as noites não ficam mais lentas? Não preciso morrer, porque sei que na morte: nada passa.

Não tem estrelas no céu. Deixe de enrolar, acabe com isso. Elas se escondem no céu escuro. Por que me deixa aqui? Vamos, traga-a. Você é como uma estrela. Uma estrela? Sim. Uma estrela. Uma estrela. Você é apenas a sombra de seu passado, já morreu a muito tempo, mas a imagem que se vê é apenas isso, algo que sobrou de seu passado. Era só isso. Eu sou uma estrela então. Isso não me traz qualquer alívio. O silêncio já me faz companhia. Não sinto mais frio.

Mentiras. Você mente para poder se encaminhar para a morte. Você se cansa de mim. Não. Eu somente digo a verdade. Só que a verdade nem sempre é justa. Justiça? Você procura justiça na morte? A morte não é justa, nem injusta. Ela só é o que é: morte vívida. Você gosta de expressões paradoxais. Talvez ache que isso chama atenção. Atenção? Eu não me importo com isso, todos no fim me ouvirão, não preciso procurar atenção. Você apenas quer diminuir o que eu falo. Você é contraditório. Mas sou menos que você, porque eu aceito minhas contradições. Pare com isso. Pare tudo. Traga-a. Você a quer tanto assim? Essa história estará mais curta do que se deve. Traga-a. Acabe logo.

À espera do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora