Capítulo III: O castelo de um rei

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Diante dos olhos estupefatos de Laura surgiam as ruínas de um prédio abandonado, cujo mofo tomava formas de monstros feitos de sombras. Não havia nada naquele lugar, era um local deplorável, feio, com ratos de tamanhos colossais que andavam pelo lugar como se o possuíssem.
Ricardo olhava os ratos com um ar nostálgico e sóbrio como se retornasse a seu lar após anos distante. Virando sua cabeça em direção a Laura disse:
-Antes da gente entrar... - ele parou um pouco. Precisou tomar um ar e condensar as palavras que iriam sair de sua boca. A pausa durou mais do que se esperava, devido a ele ter se perdido alguns segundos nos olhos de mistério de Laura- eu preciso te dizer, Pedro é um rei.
-Um rei- ela contestou totalmente surpresa com aquelas palavras- por que um rei viveria num lugar desses?
-Acho que você não entende como funciona esse negócio de ser rei. – Ela claramente não conseguia compreender o que Ricardo tentava lhe dizer- Sabe um rei é um rei. Não importa onde ele está. Podem até confina-lo em uma casca de noz e mesmo assim ele ainda será o rei dos espaços infinitos.
Ela o observava dos pés à cabeça, buscando entender todas aquelas palavras que saiam da boca dele. Ela, após julgá-lo em forma muda, disse:
-Bonita frase essa. – Ela disse em um misto de admiração e sarcasmo.
-Não é minha... É do Shakespeare. – Após falar secamente, ele seguiu reto em direção às ruínas que pareciam agora se transfigurar em um corredor que levava ao infinito.
Laura o seguiu em passos distantes ainda que estivesse atrás dele. "Subindo", ele disse apontando paras as escadas pichadas com um símbolo similar a árvore da Vida cabala, porém com 13 reinos. Eram quatro andares, eles subiam em direção ao segundo andar.
"Hahahahah". O riso ressoou por todo o segundo andar. Uma gargalhada macabra como um grito de um cadáver que retorna do túmulo. Laura sentiu um frio correr por todo seu corpo, como uma mão que penetra em seu âmago, arrancado de seu corpo a alma.
Ela olhou para Ricardo, ele parecia estar do mesmo jeito de sempre: indiferente, a risada para ele era apenas um momento de memórias antigas e até nostálgicas. Ela então olhou para frente, o corredor pareceu se tornar infinito, uma vertigem tomou conta de seus sentidos e a realidade parecia se desfazer diante dos seus olhos. As paredes pareciam formar garras de uma secreção purulenta, o cimento deu lugar ao excremento e ao nojo. Ela sentiu o gosto do vômito em sua boca e uma náusea tomar seu corpo.
Ricardo olhara para trás e viu Laura naquele estado deplorável, ele, então, caminha em passadas lentas e sem qualquer agilidade até o lado da garota, toma a sua mão e lhe diz: "Feche os olhos, nada disso é real. Pelo menos não o real que você está acostumada. Vamos andando, eu te guio até o próximo andar". Ela não respondeu, apenas fechou seus olhos, e caminhou guiada pelo toque daquele sujeito. Ela pode sentir o corredor chegando ao fim, a vertigem passava enquanto sua realidade era apenas a escuridão das costas de suas pálpebras.
-Devagar agora. As escadas tão bem na frente. – Ela pôde ouvir essas palavras reverberarem por sua mente, de alguma forma ela confiava naquelas palavras. Aos poucos ela foi subindo as escadas, degrau por degrau. Sentindo o mesmo frio do segundo andar, ela ouviu a mesma risada ao pisar no segundo andar: "Hahahahaha".
Nesse momento ela abriu os olhos, a risada agia como um chamado que não poderia recusar. Ela, então, abriu os miúdos olhos; e viu um garoto que julgava ter no máximo cinco anos. O garoto tinha um cabelo ralo, liso e ruivo, seus olhos lembravam dois as costas das pálpebras: negros. Negros como noite. As roupas que o menino usava eram surradas, como se usasse as mesmas desde que nascera naquele mundo.
Os olhos de Laura se entrelaçaram com a da criança: o claro e o escuro se mesclaram naquele momento e uma cor cinza, mista de claro e escuro se formou. Nesse exato momento, a criança abriu um sorriso no qual se notava a falta do dente frontal de sua arcada dentária. A criança riu, riu um riso seco, macabro. Aquele riso se afinava cada vez mais, como um apito feito do resto mortais de aves, cujo canto se afinava, se afinava até um ponto em que os ouvidos de Laura começaram a sangrar. Por que ela não se curava? Essa era sua maldição, não é? Curar-se ao preço de sentir o triplo da dor. Mas ela se curava, entretanto rapidamente seus ouvidos se rompiam novamente. A dor que sentia então era enorme. A dor parecia destruir todas as células que tinha. Ela caiu ao chão, esperneando de dor. Sua visão ficou turva. E soltou um grito diametralmente oposto ao riso do garoto, era profundo, grave como uma corda robusta, feita para sustentar um corpo ao atravessar o abismo. Aquele grito era o que a mantinha na realidade.
Ricardo não parecia sentir seu corpo se destroçar naquele riso. Ele tirara a fone ligado a seu celular do bolso, ao ouvir o grito grave dela. Na visão turva da garota ela viu a silhueta dele se aproximar dela e delicadamente introduzir os dois fones em seus ouvidos. O riso diminuía ao ouvir a música que tocava em seus ouvidos, sua visão se esclarecia e voltava ao normal com a progressão da música. Enquanto a música tocava ela observou Ricardo ficar frente a frente com a criança.
You sit there in your heartache.  Ela podia observar o movimento dos lábios do garoto e Ricardo, eles conversavam. Waiting on some beautiful boy. O garoto abriu um sorriso e apontou para as escadas que davam em direção ao último andar. To save you from your old ways. Ricardo segurou nos ombros o garoto, ele sussurrou algo no ouvido do garoto. You play forgiveness. O garoto se desvencilha dele, e olha para Laura que ainda estava no chão, indicando-a para Ricardo com os seus minúsculos dedos. Watch now, here he comes. Ricardo se aproximou lentamente de Laura estendendo-lhe a mão, o garoto ao seu lado realiza um gesto com a mão formando uma espécie de sete no ar.  He doesn't look a thing like Jesus. Tomando-lhe pela mão, ele a levantou; ela ainda nada ouvia, senão a música, mas Laura pôde entender, pelo movimento dos seus lábios, que ele perguntava se ela estava bem. But he talks like a gentleman. Ele sutilmente retirou os fones do ouvido da garota, guardando novamente os fones e o celular no bolso ele disse para ambos seguirem. Ela percebeu que a criança sumira, ela não quis perguntar o que aconteceu; na verdade nem quis buscar entender o que aconteceu. Ela apenas o seguiu até os degraus que levavam até o quarto e último andar. Like you imagined when you were young.
Eles chegaram ao último andar, em que não havia mais um corredor, demarcado por salas vazias, mas um grande espaço vazio, recheado de ratos e caixas vazias. Pedro estava sentado em uma cadeira de madeira de pernas bambas. Ele olhava para seus convidados que adentravam a sala de seu trono. Ele abriu um sorriso e disse com sua voz vazia:
-Bem-vindos! À minha corte. É sempre um prazer vê-lo Ricardo. – Ele levantou o chapéu, mostrando seus olhos onde sua íris vermelha era delimitada por um pentagrama, aumentado seu sorriso ele continuou – Quem é sua amiga?

À espera do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora