Capítulo I: A escadaria para o paraíso

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Ricardo estava às portas da construção em forma de cubo com hastes retas que saiam de dentro de seus vértices, um perfeito exemplar da arquitetura pós-moderna. Os pássaros das árvores ao redor cantavam, mas ele não percebia isso. Os fones em seu ouvido evitam com que ouvisse qualquer outra coisa.
Ao entrar no prédio vazio, ele observava a escadaria em forma de caracol, com as janelas ao redor, pelas quais entrava a luz do dia. Ao levantar sua cabeça ele observa uma silhueta humana do topo das escadas. Um corpo cai. Cai como uma pluma, como se tivesse asas que não voam mas que puxam o corpo para a pedra branca do chão daquele instituto.
Ele observara o corpo cair ao chão. Sob seus pés estava um corpo, sangrando, desfeito, morto. Morto. Mas Ricardo agia com indiferença, era como se a morte fosse uma antiga companheira e suas aparições repentinas fossem tudo menos novidade para aquele sujeito.
Pusera a mão no pescoço do corpo feminino que jazia no chão, retirando os fones do ouvido. Não havia mais pulso. Ele sentira que ali morrera uma pessoa. Pensara cedo demais. Rapidamente sentiu o corpo se aquecer, o sangue que escorria escoava contra o caminho natural e reentrava no corpo. E em um relance, diante de sua face, à poucos centímetros, ele via os olhos claros daquela garota, a qual em um ato desesperado, correra o mais rápido possível para fora do prédio, com medo de seu segredo imortal ter sido revelado.
Ricardo não pareceu se importar com aquela situação, apenas olhava para aquela pessoa assustada correr. Quando ela em fim saíra de seu campo de visão, ele levantou suavemente, batendo nos joelhos para limpar a sujeira daquele branco. Repôs os fones em seus ouvidos, pensando que havia encontrado mais um desgraçado nessa vida, então se dirigia a escadaria até sua sala de aula. Olhara rapidamente para trás, a garota havia sumido. Pôs as mãos nos bolsos e começara a subir, cantando: There's a lady who's sure all that glitters is gold and she's buying a stairway to heaven...
Atravessara a manhã e as aulas de Cálculo I e Química inorgânica, com uma certa vontade de se deitar na primeira carteira e dormir até o almoço. Já estava em seu prato a gororoba semimastigável que serviam na universidade, quando Ana sentou na mesa.
-Eaí? Como foi tuas aulas?
-Foram... tua prova?
-Péssima, me fudi...
-Hm... Acho que minhas aulas não serviram pra nada.
-Nem vem começar com teus dramas.
-Fazer o que, cê sabe que eu sou um escritor fracassado. Falando em escrever deixa eu te falar: encontrei um outro. Ela revive.- falou com um entusiasmo na voz evidente, como se reencontrasse um sentido para sua existência. Ana não compartilhara do mesmo entusiasmo e com uma clara irritação na voz disse:
-Tu não vai se meter nisso de novo?! Vai? Isso só vai te machucar! De novo!- ela claramente estava preocupada com seu amigo, mas aquele brilho que havia nos olhos do jovem estava claro que ele não iria desistir dessa empreitada. E esse brilho foi captado quando no fundo do refeitório ele viu a mesma garota de antes, caminhando apressada para a mesa onde ele se sentava e disse sem qualquer enrolação e com um tom seco:
-Eu preciso falar com você agora!
-Ei! Ei! Não vai nem falar o nome- disse Ana se levantando da cadeira notavelmente irada por aquela outra mulher.
-Calma! Calma! Relaxa aí Ana!- disse afastando Ana da garota- Eu falo contigo, mas primeiro, ouve aqui minha amiga e fala logo teu nome.
-Laura, agora a gente pode conversar?- falou claramente influenciada pelo ar de raiva que se formava naquele lugar. Ela foi se encaminhando para a saída do refeitório, Ricardo se preparava para a seguir quando foi puxado por Ana que lhe suplicou para não se envolver com aquilo novamente. Ele não a ouviu.
Laura e Ricardo foram para o canto do corredor vazio, vazio como aquele mundo inteiro. A garota com olhos claros, olhando profundamente para Ricardo fala:
-Você não pode contar aquilo pra ninguém, eu não sei o que as pessoas fariam comigo se soubessem disso.- Ricardo ao ouvir isso começara a rir de uma forma descontrolada.
-Foi mal! Foi mal! Eu não queria rir mas tipo por que eu contaria? Só iam achar que eu sou doido.- ela mexia nos cabelos escorridos, estranhando que aquele homem não parecia achar absurdo nada naquela situação.
-Então a gente não tem mais nada pra conversar- ela ia disparar pelo corredor, quando Ricardo pegara em seu braço, segurando-a e evitando com que saísse.
- Eu posso ajudar...- ela pareceu duvidar com seus olhos de céu negro, a dúvida era tanta que a ela se tornava palpável- eu conheço um cara. Ele vai te ajudar.
Laura parecia desesperada ao ouvir tais palavras: ajuda? Como poderia haver ajuda para aquilo que tinha. Todo machucado, toda a dor que sentia se curava instantaneamente, com o preço de se sentir infinitamente o impacto da primeira dor. Isso a desesperava, uma simples topada, um encontrão doía como se fosse esmagada por um asteroide, como poderia viver com aquela dor, a dor se tornava a âncora que a matinha naquele mundo. Ajuda... Ajuda, por que não? Ela não tinha nada para perder por que não.
-Você me ajuda?- Ricardo confirmou com um movimento de cabeça- então vamos agora- ela estava decidida em superar essa dor. Ricardo a soltou e disse:
-Não, agora não. Eu tenho aula de química analítica e eu não quero perder essa aula- Laura claramente ficou confusa. Como poderia aquela aula ser mais importante que ajudá-la ela simplesmente não entendia. Ele ficara atônica sem resposta.
-Então a gente se encontra às 6 da tarde, na frente da estátua do gavião, na saída do campus- disse isso já se afastando, indo um tanto apressado, porque o sinal começava a soar.
-EI! Pra onde você tá indo! Você não entende! Isso dói demais! Eu não tenho razão pra viver!- falava gritando porque seu salvador já estava distante.
- É por isso mesmo! Se tu não tem razão pra viver também não tem razão pra morrer! Seis horas, em frente à estátua de gavião!

À espera do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora