A carta que te convocou chegou exatos dois meses depois da carta que despachou seu pai.
Dez anos. Vocês já estavam passando por aquilo fazia dez anos, e a guerra civil ainda não tinha acabado. Na verdade, ela ainda estava em seu pico.
Homens, dos dezesseis até os setenta, estavam saindo para lutar todos os dias. Muitos poucos voltavam. Os que ficavam se casavam. Tinham filhos, mais soldados para lutar num futuro que eles não tinham certeza se iam poder ver, mais crianças com vidas incertas que nunca iriam conhecer a paz, inocentes que iriam passar sua infância em campos de batalhas e achar que perder um familiar toda semana é algo normal.
Você tinha dezenove anos agora, nove quando tudo aquilo tinha começado. Seu pai tinha trinta e cinco na época, trinta e cinco quando saiu de casa para lutar, com os cabelos prateados e o sorriso fácil enquanto dava um beijo de adeus em você e sua mãe, e os olhos cheios de ambição, brilhando como se já pudessem ver toda a glória que ele ia encontrar no campo de batalha.
Talvez ele fosse muito jovem. Talvez ele fosse muito estúpido, achando que poderia ganhar da morte e da dor, conquistar o sol e a vitória.
Enquanto ele subia no trem com os outros soldados, porém, você acenou para ele, nenhum talvez passando em sua cabeça, nunca sequer pensando que seu pai poderia ser qualquer coisa a não ser um herói prestes a mudar toda a guerra e matar todos os malvados inimigos.
As cartas dele contavam histórias positivas. Rebeldes capturados, batalhas vencidas, cidades controladas. Coisas boas demais, quando comparadas ao que todo o resto dizia. Alguns dos seus amigos diziam que era porque o governo censurava a correspondência, outros diziam que Lucius estava mentindo para não te preocupar. Você não conseguia ver isso. Aquelas eram as palavras honestas de Lucius. Você sabia.
Seu pai não falava muito, agora que ele tinha voltado.
Seu pai, você tinha descoberto naqueles dois meses, era pouco mais do que um desconhecido.
Quando vocês receberam a carta avisando que ele estava indo para casa, Narcisa tinha chorado tanto que ela tinha parado de respirar e ficado com a cara toda roxa. Primeiro, você achava que era de alivio. Aí você conseguiu pegar a carta da mão dela. Aí você viu a frase incapacitado em batalha. Você leu que Lucius tinha levado um tiro na coluna, e você viu as lágrimas e desespero de sua mãe pelo que elas realmente eram.
O seu avô, Abraxas, era prefeito de uma das cidades mais prosperas do sul. Mesmo durante a guerra, vocês se mantinham ricos. Muito ricos, com dinheiro antigo e sujo e inacabável. O suficiente para que, enquanto o resto das famílias no seu círculo social estava devagarinho começando a ter problemas financeiros, vocês estavam indo bem. Cada vez melhores, na verdade, já que vocês também eram um dos maiores fabricantes de armas para o Exército.
Até então, a guerra tinha sido uma coisa boa para vocês.
Vocês tinham todos os meios para chamar pelos melhores médicos do país. Vocês tinham dinheiro para pagar por aviões para trazer especialistas de outros lugares do mundo até sua casa. Vocês tinham pago pelo trabalho de todos os maiores nomes na área da medicina.
Lucius ainda estava preso numa cadeira de rodas pelo resto da vida dele.
Aquela foi a primeira pancada que acertou os Malfoy. A segunda chegou dois meses depois, quando você foi recrutado. Dessa vez, Narcisa chorou com tanta força que ela desmaiou.
Meu filhinho não é um soldado, ela tinha dito repetidas vezes, para todos os soldados que tinham entrado na casa deles para conversar com você Lucius. As palavras dela não foram ouvidas por ninguém.
Um mês depois da carta chegar, seu uniforme veio pelo correio também. Sem tempo para treinamento, dizia o bilhete na caixa. Os rebeldes estão quase conseguindo passar por Hogwarts, e depois disso eles vão estar muito perto da capital. Nós precisamos de reforços agora.
Agora, você passava sua mão pelo tecido. Era tão áspero. Nenhuma de suas outras roupas era assim. Elas sempre tinham sido muito caras, sempre tinham sido do mais delicado e confortável tecido que o dinheiro podia comprar. Você sempre tinha procurado por cores mais vibrantes, também.
A cor oficial do exército é verde musgo.
Você sempre odiou verde.
"Você virou um homem," seu avô disse a primeira vez que te viu o usando, mas ele não parecia feliz. Ele tinha uma expressão bem azeda no rosto, na verdade. "Você se parece com seu pai."
Seu pai, que estava sentado na mesma cadeira em que ele sempre estava sentando, esses últimos tempos, o encarando com a mesma expressão muito vazia e assombrada, os lábios apertados numa linha fina. Seu pai, que não te abraçou nem uma vez, desde que voltou da guerra. Que nem tentou, nem te olhou nos olhos direito.
Seu pai, que parecia tão quebrado, naquele momento.
Você engoliu em seco e torceu para seu medo descer junto com a saliva, antes de perceber que isso só fez seu estômago se revirar, então você tomou um gole do chá que Dobby, um de seus criados, tinha preparado mais cedo. Ele estava frio, já, mas você não se importava. Você não conseguia sentir nada.
"Obrigado, vô."
Abraxas concordou com a cabeça, como se houvesse algo para concordar. No canto da sala, Narcisa não parava de chorar. Parecia que ela nunca ia se cansar.
Você jogou um cubo de açúcar na sua xícara, observou ele se dissolver lentamente. Você se virou para Lucius.
A única coisa que você queria era o orgulho dele, mas você não achou a mais leve dica disso naquele rosto a sua frente. Você procurou, como um louco mesmo. Não havia nada. Quando ele olhou de volta para você, parecia que era como encarar um abismo sem fundo, sem conteúdo. Olhos tão escuros. Tão sem vida.
Ele abriu a boca.
Por um segundo, você achou que ele iria falar algo. Que ele iria te contar pelo que ele passou, o que você deveria esperar. Talvez te dar dicas. Talvez falar sobre os pesadelos que o faziam acordar gritando todas as noites. Falar sobre como lidar com aquilo tudo. Com o medo e o trauma e a ansiedade. Como lutar, como sobreviver, como manter um pouco de sanidade.
Por um segundo, você quase perguntou: você nos deixou para procurar por glória? havia alguma lá?
Ele fechou a boca, e então você fez o mesmo.
Três meses depois de seu pai voltar para casa em desgraça, você subiu num trem, os cabelos prateados escondidos embaixo de um quepe, incapaz de sorrir enquanto dizia adeus, incapaz de esconder o medo brilhando em seus olhos. Foi assim que você foi a caminho do campo de batalha.
Foi esse o começo do fim.
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death hours, DRARRY ✔️
FanfictionA história é assim: Os lábios do herói têm gosto de mel e liberdade e cinzas, e as mãos dele são grandes e calorosas onde estão tocando as suas bochechas. Ele tem um sorriso torto na boca e suor caindo por sua testa, e há uma grande gaze empapada de...