DOIS

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No momento em que vejo a multidão de adolescentes gritando, eu imediatamente me arrependo de todas as decisões que me trouxeram até aqui.

São seis da tarde de uma sexta-feira gelada e eu estou em uma caminhada infinita em busca do final da fila para comprar um ingresso para o show do The Sound. Penso em desistir umas duzentas vezes, mas mantenho em mente que esse é o único show em Londres da turnê inteira e, provavelmente, a única oportunidade de ver minha boyband favorita ao vivo. Eu devo isso ao Louis de seis anos atrás que nunca imaginaria que um retorno do TS poderia ser real.

Ao longo da fila, vejo garotas muito mais novas que eu usando camisetas com fotos dos membros da banda e segurando cartazes com declarações de amor, e fico surpreso que as pessoas literalmente montaram um acampamento aqui. Eu nunca imaginei que essa coisa de acampar na fila fosse real até ver fotos das barracas no Twitter enquanto buscava informações sobre a venda de ingressos na hashtag #TheSoundComeback mais cedo.

Mas ver isso de perto é muito mais inacreditável.

Dou quase uma volta inteira no estádio do Arsenal até encontrar o fim da aglomeração de gente. Um grupo de meninas canta Make You Mine a plenos pulmões e sem nenhuma afinação.

Atrás delas, um homem que parece ser a única pessoa mais ou menos da minha idade na fila inteira está parado com os braços cruzados e a cara fechada de quem gostaria de estar em qualquer outro lugar no mundo.

— Com licença — eu digo, tocando o ombro do mal-humorado com um pouco de receio porque, apesar da sua expressão intimidadora, ele é bem gato. — É aqui o final da...

— Eu não trabalho aqui, ok? — ele responde de imediato, sem me deixar terminar a pergunta.

— Eu só quero saber se você está na fila ou não — rebato, tentando parecer igualmente impaciente e agressivo. Provavelmente não consigo, mas ainda assim tento.

—  Ah, sim. Eu tô na fila. Foi mal. É que desde que eu parei aqui já perdi as contas de quantas crianças vieram me pedir informação. Às vezes elas me chamam de tio — ele desabafa,  dando detalhes que eu não pedi e soltando uma risada nervosa.

Me sinto aliviado que o clima de tensão entre nós dois durou exatamente três segundos, porque eu não sei se seria capaz de virar a noite em uma fila atrás de um cara grosseiro, desses que arrumam briga com estranhos por qualquer motivo.

Observando de perto, não posso reclamar da visão que tenho daqui. O estranho na fila é um pouco mais alto que eu e tem ombros largos e fortes.

Ele é branco, com a pele meio morena, veste um casaco verde militar e passa a mão no cabelo cacheado o tempo todo, como se estivesse nervoso ou qualquer coisa do tipo. Mas o que me pega são seus olhos. Seus olhos são verdes e, por mais esquisito que isso possa parecer, eu sempre tive uma quedinha por olhos verdes.

Me posiciono no fim da fila, sem a menor ideia de como serão as próximas horas. É a primeira vez que eu faço uma loucura dessas. Vez ou outra o estranho da fila se comunica comigo através de seu olhar ultra expressivo, mas nós dois passamos um bom tempo em silêncio, encostados numa grade de segurança e ouvindo o grupo de meninas cantoras na nossa frente.

— Ô tio, que horas a bilheteria vai abrir? Sabe se passa cartão? — uma garota de provavelmente dezesseis ou dezessete anos me pergunta enquanto literalmente puxa a manga da minha camisa.

— Eu não trabalho aqui, mas a bilheteria abre amanhã às nove da manhã —  explico enquanto o Olhos Verdes segura uma risada. — E você pode pagar no débito ou no crédito em até três vezes, mas só pode comprar um ingresso por CPF.

Dou a resposta completa porque li as regras do show mais de uma vez no site da turnê e não me custa nada passar a informação, mas a garota dá as costas e vai embora sem nem agradecer. As costas da sua camiseta estão estampadas com TEAM LEWIS e inevitavelmente eu solto uma bufada de desaprovação, porque é óbvio que o favorito de uma garota mal-educada tinha que ser o pior membro do The Sound.

— Ah, esses jovens — eu digo para o Olhos Verdes, tentando puxar assunto e forçando um pouco a barra, mas ele só dá uma risadinha e balança a cabeça.

Eu me sinto ridículo.

Eu não sei como dizer isso sem parecer um babaca que perpetua as regras normativas de gênero, mas vou dizer mesmo assim: The Sound sempre foi uma banda feita para garotas. Isso está explícito na maioria esmagadora de meninas na fila, nas letras das músicas e no jeito como Shawn, Niall e Lewis sempre foram vendidos pela mídia. Eles eram os namoradinhos perfeitos que toda adolescente sonhou em ter. E no meio disso tudo tinha eu, entrando na vida adulta, trabalhando no meu primeiro estágio e passando madrugadas vendo entrevistas e lendo fanfics.

Matematicamente falando, a diferença de idade que me separa do resto dessa fila nem é tão grande. Eu tenho 26 anos e a maioria do fandom de The Sound deve ter uns 17 ou 18, 20 no máximo. Mas quando a banda anunciou sua pausa, há seis anos, eu estava na faculdade chorando na internet junto com um grupo imenso de fãs que nem tinha chegado no ensino médio. Os poucos anos que separam a escola da vida adulta causam um abismo de gerações muito grande, mas a verdade é que eu sempre fui um adolescente tardio. Isso é completamente normal com gays da minha idade. É sério eu li uma matéria no Buzzfeed sobre isso. A gente passa a adolescência inteira enclausurado no armário e, quando finalmente consegue se assumir, quer viver tudo o que era impossível nos anos de escola.

A matéria falava muito mais sobre irresponsabilidade afetiva e gays adultos se comportando como adolescentes mimados, mas pra mim foi a explicação perfeita para a minha paixão genuína por música teen e filmes originais do Disney Channel.  Eu só estou vivendo tudo o que não pude viver porque estava ocupado demais fingindo gostar de carros tunados e Red Hot Chili Peppers. Não tem nada de errado nisso.

Tem?

Só isso explica o meu completo surto quando o The Sound anunciou o seu comeback, com direito a turnê mundial e tudo. Eu esperei por esse momento a vida inteira. A banda já havia passado por Londres no show do último álbum, mas eu deixei a oportunidade passar justamente por causa dessa vergonha boba de gostar de coisas de adolescente.

Não quero cometer o mesmo erro de novo, e é por isso que vou passar quinze horas nessa fila, comprar meu ingresso e ver Shawn, Niall e Lewis ao vivo pela primeira vez. E cada minuto vai valer a pena.

Escrito em Algum Lugar - Larry Stylinson [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora