SETE

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São quase três da manhã e meu corpo está cansado.

Já tentei me sentar em todas as posições possíveis e nenhuma  delas  é  minimamente  confortável.  Sinto uma  inveja  enorme  dos  fãs  preparados  que trouxeram banquinhos, colchonetes e cobertores.

Harry parece bem mais disposto do que eu, mas  sua  expressão  está  concentrada,  como  se estivesse  se  esforçando  para  não  deixar  o  cansaço vencer. Me sinto numa prova de resistência do Big Brother, mas sem a opção de desistir.

— Essa é a primeira e última vez que eu faço uma coisa dessas — comento, esticando a coluna e sentindo meus ossos fazendo clac-clac.

—  Sim!  Eu  não  tenho  mais  idade  pra  essas aventuras  — Harry diz  baixinho,  respeitando  o sono  de  uma  menina  na  nossa  frente  que  está enrolada em um cobertor e roncando alto.

— Eu tenho essa ideia maluca de que isso aqui é meio que um ritual de passagem, sei lá — começo a falar sem pensar, porque estou morrendo de sono e  nada  na  minha  cabeça  faz  sentido.  —  Depois  de tudo o que a gente conversou, acho que esse show vai  servir  pra  finalmente  me  despedir  da  minha adolescência. Ser adulto de verdade.

—  Isso não existe  — Harry diz.  —  Todo mundo só finge que é adulto.

Eu  fico  em  silêncio  porque  não  sei  como responder.

—  Bem,  pelo  menos  pra  mim,  ainda  é  bem complicado  —  ele  começa  a  se  explicar.  —  Eu achava  que  me  sentiria  adulto  de  verdade  quando saísse da casa dos meus pais. Daí eu saí e continuei me  sentindo  perdido.  Vim para Londres dividir apartamento  com  dois  desconhecidos  e  quando  eu finalmente consegui me estabelecer financeiramente  para  morar  sozinho,  eu  pensei "agora  vai!"  e  não  foi.  Todo  dia  aparece  alguma coisa que faz com que eu me sinta uma criança, sei lá.  Um  chuveiro  que  queima,  um  exame  que  você nunca  marca,  declarar  o  imposto  de  renda, descobrir  que  você  declarou  errado  e  ter  que  fazer tudo  de  novo.  Ninguém  nunca  me  preparou para isso.

Harry diz tudo isso com um sorriso cansado no rosto, mas eu me sinto desesperado.

—  Bem,  isso  é  muito  desanimador  porque  eu nem cheguei na etapa de sair da casa da minha mãe ainda.

— É exatamente isso que eu tô dizendo! Você não  pode  botar  as  expectativas  em  cima  dessas conquistas. Eu acho que não existe uma chave que a  gente  vira  e   click,  de  repente  vira  adulto.  Tem dias que a gente se sente mais adulto do que outros, e aí a gente só se acostuma com as coisas.

Eu confirmo com a cabeça porque, no fim das contas, Harry tem razão. Eu tenho certeza de que depois que o show passar eu vou continuar ouvindo The Sound,  vou  continuar  lendo  os  livros  de adolescente que eu sempre leio e assistindo tudo o que  aparece  na  categoria  "séries  teen  sobre amizade" na Netflix. Porque eu gosto disso. Porque me  faz  bem  e  me  conecta  com  alguma  parte  de mim  que  eu  não  me  sinto  pronto  para  deixar morrer.  Tenho  vontade  de  dizer  tudo  isso  em  voz alta,  mas  parece  dramático  demais,  então  eu  só abraço as minhas pernas e me encolho todo.

O  silêncio  da  madrugada  traz  o  sono  e  eu penso  na  minha  cama.  Penso  em  como  amanhã  eu pretendo  dormir  por  doze  horas  seguidas,  acordar para  comer  e  depois  dormir  por  mais  doze  horas.

Uma garoa fina começa a cair e, involuntariamente, meu queixo começa a tremer.

—  Você  tá  com  frio?  —  Harry  pergunta  e só  agora  eu  me  dou  conta  de  que  estou,  de  fato, congelando.

Escrito em Algum Lugar - Larry Stylinson [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora