São nove da noite e eu já estou com frio, morrendo de fome e querendo ir embora.
As garotas cantoras na nossa frente se aquietaram e se sentaram no chão. Olhos Verdes se sentou também, e eu fiz o mesmo porque não tenho mais nada a perder. Atrás de mim, a fila ganhou proporções absurdas e eu já não consigo mais enxergar onde ela termina.
Os carros passam pela avenida e alguns chegam a diminuir a velocidade só para observar os fãs, como se fossemos animais em um zoológico.
Eu queria ter alguém para conversar, mas Olhos Verdes vestiu o capuz e está com a cara enfiada no celular, se esforçando muito para passar despercebido. Eu tenho quase certeza de que ele está aqui para comprar um ingresso de presente para a sobrinha ou qualquer coisa assim, porque o seu desconforto está evidente.
— Eu tenho uma proposta — ele diz, do nada, tirando o capuz e olhando para mim.
Eu demoro a perceber que ele está falando comigo.
— Eu não sei você, mas eu tô morrendo de fome — ele continua.
— SIM — grito mais alto do que é necessário.
— Infelizmente um de nós vai ter que se sacrificar — ele diz com um tom sombrio, e a minha mente começa a imaginar cenários grotescos de canibalismo.
Acho que ainda estou de boca aberta quando ele se levanta do chão.
— Vou correr antes que o shopping feche e trago comida pra gente enquanto você guarda meu lugar, pode ser?
Esse completo estranho sendo gentil comigo repentinamente talvez tenha me assustado mais do que o cenário grotesco de canibalismo da minha cabeça, mas estou faminto e cansado demais para questionar.
Tiro a carteira do bolso e começo a procurar o que eu tenho de dinheiro trocado, mas Olhos Verdes me interrompe.
— Não precisa! Eu pago e depois você me dá. Tem alguma coisa que você prefira? — ele pergunta.
Eu sempre fui muito indeciso, já até perdi amizades por não ser capaz de escolher coisas com rapidez. Mas o shopping está quase fechando e eu preciso ser rápido.
— Pode ser qualquer coisa que venha em um combo com batata frita e refrigerante.
— McDonald's?
— Sim! Qualquer coisa. Menos aquele sanduíche novo com abacate.
Abacate é nojento.
Olhos Verdes faz um sinal afirmativo com a cabeça e se prepara para sair, mas eu grito um “Ei!” meio tímido porque me sinto culpado por chamar o cara que está pagando meu jantar nesta noite de Olhos verdes.
— Qual é o seu nome? — pergunto.
— É Harry.
— Eu sou o Louis.
E depois disso nenhum de nós dois sabe muito bem o que fazer, então Harry me dá as costas e sai correndo em direção ao shopping para comprar nosso jantar. E eu não consigo deixar de reparar em como a bundinha dele fica perfeita quando ele corre.
Enquanto espero Harry voltar, pego meu celular para conferir a hashtag #TheSoundComeback, que está no topo das minhas buscas desde que anunciaram a turnê. A hashtag está cheia de fotos da fila, fãs chorando porque não conseguiram dinheiro para comprar o ingresso superfaturado e haters criticando o "comeback mais desesperado do milênio, porque todos os membros dessa boyband fracassada já passaram dos trinta, mas ainda se comportam como três adolescentes e
provavelmente algum deles deve estar precisando de dinheiro pra pagar o divórcio". Esse tipo de comentário sempre me atinge um pouco porque, aos 26, eu estou mais perto dos trinta do que dos vinte. E, bem, cá estou eu sentado no chão, encostado numa grade para poder ver meus ídolos com mais de trinta anos de perto (ou mais ou menos de perto, já que só tenho dinheiro para um lugar na arquibancada), (eu não estava brincando quando disse que os ingressos são superfaturados).Minha fome me deixa impaciente e eu encaro o celular, vendo os minutos passarem na frente do meu papel de parede do The Sound (eu sou ridículo).
Tecnicamente, não é um papel de parede do The Sound completo porque, diferente do fandom inteiro, eu finjo que o Lewis nem existe. A foto que estampa a tela do meu celular mostra Shawn e Niall se abraçando de lado no show de abertura da nova turnê, nos Estados Unidos. Os dois sorriem um para o outro com seus rostos perfeitos e Shawn toca de leve a barriga do Niall. É o tipo de foto que levaria qualquer fã à loucura, se o fandom de Shiall não fosse composto por cinco pessoas, contando comigo.
A realidade é bem clara. Quando você tem uma boyband com caras lindos e uma quantidade razoável de talento, letras que grudam na cabeça e jeans apertadinhos, a primeira coisa que os fãs vão fazer é criar casais imaginários entre os membros da banda. E, logo em seguida, vasculhar na internet todas as entrevistas e cenas dos bastidores procurando pequenas evidências de que aquele casal É REAL.
Hoje em dia isso tudo parece uma grande besteira, mas nem sei quantas noites da minha vida eu perdi fazendo isso. Eu inventava pra Shawn e Niall uma história de amor que sempre quis viver, mas nunca consegui. De certa forma, eu construí em torno desse relacionamento inventado uma barreira de proteção que me coloca em um lugar seguro, onde todas as coisas dão certo no final. Tenho certeza que em alguns aspectos isso nem é saudável, mas não consigo evitar.
— Foi aqui que pediram um lanche? — Harry diz, chegando de repente e se sentando novamente do meu lado.
Meu estômago faz um barulho estranho em agradecimento e eu espero que ele não tenha escutado.
— Muito obrigado por salvar a noite — eu digo, pegando a sacola de papel que Harry me entrega e enfiando uma mão cheia de batata frita na boca. O cheiro da fritura faz meu coração acelerar de alegria.
Quando olho para o lado, Harry está timidamente tirando a caixinha verde da sua sacola.
Imediatamente eu reconheço aquela caixa e me sinto culpado.
— Puta merda, me desculpa! Eu não tenho nada contra quem gosta, ok? É só que pra mim, pessoalmente, não dá. É uma coisa meio pessoal, sei lá. Mas eu respeito todas as suas escolhas — imploro por perdão de maneira exagerada enquanto Harry tira o lanche da caixinha e dá uma mordida no seu McAvocado.
Ele abre um sorriso grande demais para quem acabou de engolir um pedaço de carne com abacate e começa a rir.
— Tá tudo bem, Louis. Eu já tô acostumado a ter meus gostos questionados a vida inteira. Eu sou fã de The Sound, sabe? Meus amigos me zoam por causa disso o tempo todo.
— Ahhh — eu digo surpreso e com a boca cheia de batata. — Quer dizer que você tá aqui por vontade própria então? Eu achei que você fosse comprar o ingresso pra sua sobrinha, sei lá. Se você tivesse uma sobrinha. Ou prima. Sei lá.
As palavras que saem da minha boca não fazem muito sentido e por mais ridículo que isso seja, eu tenho certeza que estou bobo assim porque acabei de conhecer o primeiro cara que aparentemente tem a minha idade e também é fã de TS. E por acaso é muito gato. E me pagou um lanche. E gosta de McAvocado, porque ninguém é perfeito.
— Acredite se quiser, o ingresso é pra mim. Soundzinho desde sempre — ele diz, usando o nome que o fandom inventou no Tumblr, quando o Tumblr era apenas um site e não um adjetivo usado por adolescentes para definir fotos de copos da Starbucks e pares de tênis encardidos.
Todo mundo parou de usar "Soundzinho" depois que os grupos começaram a ser confundidos constantemente com de outras bandas.
Bons tempos.
Tenho vontade de encher Harry de perguntas. Perguntar qual o favorito dele, qual é o melhor álbum, o melhor clipe e o melhor terno que o Niall usou em alguma premiação. Quero saber o que ele acha do clipe de Mercy (onde o Shawn está 90% do tempo molhado) e qual música do último álbum poderia ter sido single se a banda não tivesse acabado. Todas essas respostas poderiam me dizer exatamente o tipo de fã que Harry é. Mas eu não consigo perguntar nada porque, quando menos espero, tem um holofote ligado na minha cara, uma câmera de TV filma a multidão na fila e uma mulher de pé na nossa frente segura um microfone.
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Escrito em Algum Lugar - Larry Stylinson [CONCLUÍDA]
FanficO show mais aguardado do ano! Pelo menos para Louis, um jovem de 26 anos que não sente vergonha nenhuma em virar a madrugada na rua para conseguir comprar um ingresso para o show de retorno da sua boyband favorita. A noite está fria, os fãs são baru...