TRÊS

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São nove da noite e eu já estou com frio, morrendo de fome e querendo ir embora.

As  garotas  cantoras  na  nossa  frente  se aquietaram e se sentaram no chão. Olhos Verdes se sentou também, e eu fiz o mesmo porque não tenho mais  nada  a  perder.  Atrás  de  mim,  a  fila  ganhou proporções  absurdas  e  eu  já  não  consigo  mais enxergar onde ela termina.

Os  carros  passam  pela  avenida  e  alguns chegam a diminuir a velocidade só para observar os fãs,  como  se  fossemos  animais  em  um  zoológico.

Eu  queria  ter  alguém  para  conversar,  mas Olhos Verdes  vestiu  o  capuz  e  está  com  a  cara enfiada no celular, se esforçando muito para passar despercebido.  Eu  tenho  quase  certeza  de  que  ele está  aqui  para  comprar  um  ingresso  de  presente para  a  sobrinha  ou  qualquer  coisa  assim,  porque  o seu desconforto está evidente.

— Eu tenho uma proposta — ele diz, do nada, tirando o capuz e olhando para mim.

Eu  demoro  a  perceber  que  ele  está  falando comigo.

—  Eu  não  sei  você,  mas  eu  tô  morrendo  de fome — ele continua.

— SIM — grito mais alto do que é necessário.

—  Infelizmente  um  de  nós  vai  ter  que  se sacrificar  —  ele  diz  com  um  tom  sombrio,  e  a minha mente começa a imaginar cenários grotescos de canibalismo.

Acho  que  ainda  estou  de  boca  aberta  quando ele se levanta do chão.

—  Vou  correr  antes  que  o  shopping  feche  e trago comida pra gente enquanto você guarda meu lugar, pode ser?

Esse  completo  estranho  sendo  gentil  comigo repentinamente  talvez  tenha  me  assustado  mais  do que  o  cenário  grotesco  de  canibalismo  da  minha cabeça,  mas  estou  faminto  e  cansado  demais  para questionar.

Tiro a carteira do bolso e começo a procurar o que eu tenho de dinheiro trocado, mas Olhos Verdes me interrompe.

— Não precisa! Eu pago e depois você me dá. Tem  alguma  coisa  que  você  prefira?  —  ele pergunta.

Eu  sempre fui muito indeciso, já até  perdi amizades por não ser capaz de escolher coisas com rapidez. Mas  o  shopping está quase fechando e eu preciso ser rápido.

—  Pode ser qualquer coisa que  venha em um combo com batata frita e refrigerante.

— McDonald's?

—  Sim! Qualquer  coisa. Menos aquele sanduíche novo com abacate.

Abacate é nojento.

Olhos Verdes faz  um  sinal  afirmativo  com  a cabeça e se prepara para sair, mas eu grito um “Ei!” meio tímido porque me sinto culpado por chamar o cara que está pagando  meu jantar nesta noite de Olhos verdes.

— Qual é o seu nome? — pergunto.

— É Harry.

— Eu sou o Louis.

E depois disso nenhum de nós dois sabe muito bem o que  fazer,  então  Harry me dá as costas e sai correndo em direção ao shopping para comprar nosso jantar. E eu não consigo deixar de reparar em como a bundinha dele  fica perfeita quando ele corre.

Enquanto espero Harry voltar, pego meu celular para  conferir  a  hashtag  #TheSoundComeback, que está no topo das minhas buscas desde que anunciaram a turnê.  A  hashtag  está  cheia  de  fotos  da  fila,  fãs chorando  porque  não  conseguiram  dinheiro  para comprar  o  ingresso superfaturado e haters criticando  o  "comeback  mais  desesperado  do milênio, porque todos os membros  dessa  boyband fracassada  já  passaram  dos  trinta,  mas  ainda  se comportam como três adolescentes e
provavelmente  algum  deles  deve  estar  precisando de  dinheiro  pra  pagar  o  divórcio".  Esse  tipo  de comentário  sempre  me  atinge  um  pouco  porque, aos  26,  eu  estou  mais  perto  dos  trinta  do  que  dos vinte.  E, bem, cá estou  eu  sentado  no  chão, encostado  numa  grade  para  poder  ver  meus  ídolos com  mais  de  trinta  anos  de  perto  (ou  mais  ou menos  de  perto,  já  que  só  tenho  dinheiro  para  um lugar  na  arquibancada), (eu  não  estava  brincando quando disse que os ingressos são superfaturados).

Minha fome me deixa impaciente e eu encaro o  celular,  vendo  os  minutos  passarem  na  frente  do meu  papel  de parede do The Sound (eu sou ridículo).

Tecnicamente, não é um papel de parede do The Sound completo porque, diferente do fandom inteiro, eu finjo que o Lewis nem existe. A  foto  que  estampa  a tela  do  meu  celular  mostra Shawn e Niall se abraçando de lado no show de abertura  da  nova turnê, nos Estados Unidos. Os dois sorriem um para o outro com seus rostos perfeitos e Shawn toca de leve a barriga do Niall. É o tipo de foto que levaria qualquer  fã  à  loucura, se o fandom de Shiall não fosse composto por cinco pessoas, contando comigo.

A  realidade  é  bem  clara.  Quando  você  tem uma  boyband  com  caras  lindos  e  uma  quantidade razoável de talento, letras que grudam na cabeça e jeans apertadinhos, a primeira coisa que os fãs vão fazer  é  criar casais imaginários entre os  membros da banda. E, logo em seguida, vasculhar na internet todas  as  entrevistas  e  cenas  dos bastidores procurando  pequenas  evidências  de  que  aquele casal É REAL.

Hoje  em  dia  isso  tudo  parece  uma  grande besteira, mas nem sei quantas noites da minha vida eu perdi fazendo isso. Eu inventava pra Shawn e Niall uma história de amor que  sempre quis viver, mas nunca  consegui. De certa forma, eu construí  em torno desse relacionamento inventado uma barreira de proteção  que  me  coloca em um lugar seguro, onde  todas  as  coisas  dão  certo  no  final.  Tenho certeza  que  em  alguns  aspectos  isso  nem  é saudável, mas não consigo evitar.

— Foi aqui que pediram um lanche? — Harry diz, chegando de  repente e se sentando novamente do meu lado.

Meu  estômago  faz  um  barulho  estranho  em agradecimento  e  eu  espero  que  ele  não  tenha escutado.

— Muito obrigado por salvar a noite — eu digo, pegando a sacola de papel que Harry me entrega e enfiando uma mão cheia de batata frita na boca. O  cheiro da fritura faz meu coração acelerar de alegria.

Quando olho para o lado, Harry está timidamente tirando a caixinha verde da sua sacola.

Imediatamente eu reconheço aquela  caixa e me sinto culpado.

— Puta merda, me desculpa! Eu não  tenho nada contra quem gosta, ok? É  só que pra mim, pessoalmente, não dá. É uma coisa meio pessoal, sei lá.  Mas eu respeito todas as suas escolhas  — imploro por perdão de maneira exagerada enquanto Harry tira o lanche da caixinha e dá uma mordida no seu McAvocado.

Ele abre um sorriso grande demais para quem acabou de engolir um pedaço de carne com abacate e começa a rir.

— Tá tudo bem, Louis. Eu já tô acostumado a ter meus gostos  questionados a vida inteira. Eu sou fã de The Sound, sabe? Meus amigos me zoam por causa disso o tempo todo.

— Ahhh — eu digo surpreso e com a  boca cheia de batata. — Quer dizer que você tá aqui por vontade  própria  então? Eu achei que você fosse comprar o ingresso pra sua sobrinha, sei lá. Se você tivesse uma sobrinha. Ou prima. Sei lá.

As  palavras  que  saem  da  minha  boca  não fazem  muito  sentido  e  por  mais  ridículo  que  isso seja, eu tenho certeza que estou bobo assim porque acabei  de  conhecer  o primeiro  cara  que aparentemente tem a minha idade e também é fã de TS. E por acaso é muito gato. E me  pagou um lanche. E gosta de McAvocado,  porque  ninguém  é perfeito.

— Acredite  se  quiser,  o  ingresso  é  pra mim. Soundzinho desde sempre — ele diz, usando o nome que  o  fandom inventou  no  Tumblr, quando  o  Tumblr  era  apenas um site e não um adjetivo usado  por  adolescentes  para  definir  fotos de copos da Starbucks e pares de tênis encardidos.

Todo mundo parou de usar "Soundzinho" depois que os grupos começaram a ser confundidos constantemente com de outras bandas.

Bons tempos.

Tenho vontade de encher Harry de perguntas. Perguntar qual o favorito dele, qual é o melhor álbum, o melhor clipe e o melhor terno que o Niall usou em alguma premiação. Quero saber o que  ele  acha  do  clipe  de  Mercy (onde o Shawn está 90% do  tempo molhado) e qual música do  último álbum poderia ter sido single se a banda não tivesse acabado.  Todas  essas  respostas  poderiam  me  dizer exatamente o tipo de fã que Harry é. Mas eu não consigo  perguntar nada porque, quando  menos espero, tem um holofote  ligado na minha cara, uma câmera  de  TV filma  a  multidão  na  fila  e  uma mulher de pé na nossa frente segura um microfone.

não esqueçam de votar!!

Escrito em Algum Lugar - Larry Stylinson [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora