06, Próximos

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É madrugada. Passos lentos preenchem o corredor do prédio.

As mãos aquecidas pelo pano aveludado da jaqueta são envolvidas pelo frio ao sair de seu aconchego para trocar de música, a tela do celular com o brilho no mínimo. Conserta com paciência os fones que passam por dentro da jaqueta, eles quase invisíveis por serem da cor preta, e nessa troca de melodia uma voz é ouvida.

Os passos lentos se tornam pausados na tentativa de reconhecer o dono da voz. Não demora muito, Ten descobre facilmente. É ela, a garota com quem nunca conversou, mas que de repente despertou em seu coração um sentimento estranho que tenta fazer não crescer mais do que o necessário. Mas como poderia ignorar a voz bela e distante da moça?

Olhos curiosos espreitam a abertura de vidro da porta que dá para o estúdio de música. Ao se dar conta de que não há ninguém ali para percebê-lo, abre cuidadosamente a porta.

A voz fica mais clara podendo facilmente preencher todo o ambiente acústico. Ten firma seus passos na tentativa de fazer silêncio mesmo que, talvez, ela não escute o seu andar. Olhando de soslaio, para não ser notado, pelo vidro retangular enorme que separa a parte onde os artistas cantam entre onde a produção mixa a voz, Ten sente o seu coração bater mais rápido ao ver a feição serena da jovem moça.

Ela canta com todo o seu âmago a parte mais aguda da música, segurando a folha da letra um pouco acima de seu queixo. Aperta o ouvido com a mão livre para poder ouvir melhor a sua própria voz. Não usa fones, preferindo não escutar totalmente a música. Suas roupas praticamente são um pijama.

Ten não pode deixar de sorrir, um sorriso largo de orelha a orelha. Não é que não tenha ouvido vozes bonitas, mas o sentimento de vê-la cantar sem medo é inédito e muito satisfatório. Se sente feliz como se tivesse ganhado um prêmio que tanto desejou. Mas é somente ela. E talvez ele considere ouvi-la cantar como um tipo de prêmio.

. . .

– Você ouviu aquilo? – pergunto, ainda tento controlar os meus sentimentos agitados passando por cada parte do meu corpo. – A música, as notas agudas...

– Eu ouvi tudo – responde em um sorriso, o olhar se distanciando como se estivesse lembrando do momento. – Até quando você desafinou e começou a tossir.

Apesar do seu amigável sorriso ser trocado por um humorístico e eu querer sorrir junto com ele, é como se nada me obedecesse. Minha boca ainda está trêmula e é difícil falar e esboçar alguma reação sem parecer muito nervosa.

– Então também ouviu quando eu rejeitei a proposta.

– Também.

– Eu não vi você lá.

– Sua insegurança não deixou você ver. Só andava com o rosto baixo como se tivesse cometido o maior crime do país. Não cometeu, né?

– Eu preciso responder, Ten? – Rolo os olhos virando o rosto para o lado.

– Você falou meu nome pela primeira vez depois de muito tempo. – Ele sorri bobamente, meu olhar voltando lentamente ao seu.

– Não é como se você tivesse sentido muita falta disso, Ten – enfatizo o seu nome sorrindo logo após, ele me acompanhando e abaixando o olhar.

Percebo como os seus dedos estão agitados mexendo uns nos outros, sua garrafinha d'água sendo deixada de lado. Seu suor está um pouco mais visível, o olhar inquieto fixo nas suas pernas cruzadas.

Minhas emoções se estabilizam e o nervosismo vai embora. Só de observá-lo é como se meus problemas e qualquer sentimento ruim podem de fato desaparecer. Ele não sabe, mas esse é o seu super poder.

Me apaixonando por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora