2. Pilar da água

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    A garota loira não tinha nada além de confusão em sua face. Não soube dizer se o rapaz tinha escutado o que ela disse ou não. Talvez tivesse dito muito baixo ou ele mesmo estava ignorando-a de propósito. É apropriado um serviçal tratar sua senhorita dessa maneira? Ela pensou. 

    Mas o jeito como ele admirava a água caindo dos céus, e a devoção com a qual ele segurava aquela katana na bainha, não poderia ser de um homem comum. Um homem comum. Shizue era muito diferente de uma mulher comum? A própria não saberia responder. Nunca tinha visto alguém assim, um homem ou uma mulher com tanta convicção no olhar. Era um homem diferente daqueles os quais pediam para desposá-la.

    — Olá...? — repetiu, mas dessa vez com um timbre mais alto. — Meu avô acabou de sair a trabalho... A data do seu retorno é imprecisa.

    Sim, provavelmente ela deve ter dito baixo demais na última vez. O rapaz misterioso virou a cabeça para trás e a investigou por alguns segundos enquanto Shizue tinha uma mão fechada sobre o peito. Um trejeito comum dela. Ele tirou os sapatos um por vez, sem pressa, e se pôs de pé em cima da extensa varanda, ainda pingando a água da chuva que outrora o molhou. Um rosto sério e desprovido de emoções — o rosto de alguém que certamente viu além do jardim —, e isso ocasionou em um desconforto impreciso na Ozuno.

    Alguém que viu além do jardim.

    — Ubuyashiki-dono me enviou por pedido de Sazami-sama para vigiá-la. — Frio e direto, sem rodeios.

    Um fio de água escorreu pela lateral rosto masculino. Imaculado.

    Shizue pensou em como "vigiar" era uma palavra um pouco forte. Nunca se acostumou, e nunca se acostumaria, em estar sob os olhos de diferentes pessoas.

   — Você é um hashira? — perguntou receosa.

   Ele apenas assentiu, não parecia disposto a falar. Um pilar, assim como seu avô contara. Shizue o examinou dos pés à cabeça, inconscientemente, até perceber o olhar dele de volta.

    — Sou Ozuno Shizue. — Ela se apresentou com uma voz receosa, abaixando um pouco a cabeça. — E você?

    — Tomioka Giyuu. Pilar da Água.

    Teve certeza de que ele não estava a fim de conversar quando exitou um pouco antes de responder. Teve calafrios, uma estranheza martelando em sua fronte com o quanto ele foi direto e indolente.

    No entanto, ele não seria pago para entretê-la ou ser gentil. Lembrou das histórias que seu avô contou sobre os pilares, de novo, e tinha tanto das palavras dele em Giyuu do que em qualquer outro caçador que já havia visto — que foram poucos. Sempre estiveram presos à floresta, encapuzados na maioria das vezes.

    — Gomene, deve estar se sentindo desconfortável com as roupas molhadas... — Permitiu-se dizer baixinho quando lembrou que o rapaz estava todo molhado. 

    Ele pareceu não se importar. Na verdade, parecia não se importar com nada.

    Deu três passos para trás e chamou uma das empregadas que antes conversavam na cozinha, no mesmo momento uma mulher com aparentemente pouco mais de trinta anos apareceu na porta de entrada. Segurava um pano de prato florido.

    — Hiraku, prepare um quarto para Tomioka-san, por gentileza. Ele é um hashira e meu convidado.

    — Sim, Shizue-hime. — E a mulher voltou para dentro da grande residência.

    Shizue estava um pouco inquieta com a presença do rapaz ali, quando se virou este ainda permanecia de pé, mas já tinha voltado a olhar para a chuva. Tinha tanto mistério e irreverência nele que se perguntou se todos os outros pilares eram iguais. Distantes. Nem percebeu que estava o encarando há tempos, apenas voltou à realidade quando os dois pares de olhos azuis — azuis como o céu nublado — caíram sobre ela. 

SNOW WHITE, tomioka giyuuOnde histórias criam vida. Descubra agora