dois.

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"You know I'm no criminal, but I can take your heart and go."

Nayeon precisava agradecer ao fato de Jungkook ter chegado tão rápido ao consultório, ou ela provavelmente teria tido tempo de raciocinar sobre o que fazia: aquela história inteira era uma grande insanidade. Desde o fato de ter concordado em atender um baleado fora do hospital, até a questão crucial de quem era o paciente em questão. Taehyung não era apenas um ex namorado que a mulher tentava, sem sucesso, esquecer que um dia existira. Era o líder dos Vipers, gangue que detinha a maior parte do controle sobre o tráfico de drogas e armas em Seoul, e cujas víboras eram o símbolo devido a sua letalidade e falta de rastros. E Nayeon experimentara tudo aquilo de camarote, de dentro do ninho das cobras.

Assim, no momento em que abriu a porta do consultório, dando passagem para que Kook carregasse para dentro o corpo ensanguentado do irmão, Nayeon não apenas dava cobertura um criminoso conhecido em toda a península coreana. Ela destrancava um passado turbulento, colocando-se frente a frente com seus próprios demônios.

Taehyung não disse uma palavra. Céus, ele não precisava. Qualquer um minimamente familiarizado com o primogênito dos Kim poderia discordar, uma vez que ele era conhecido pelo olhar inescrutável sempre acompanhado de um sorriso que também não revelava o que se passava detrás daqueles olhos. Aquela, no entanto, era apenas mais uma das exceções em que Nayeon se enquadrava: o olhar de Taehyung sempre lhe disse muito, mais ainda que do que suas atitudes, bem como seus silêncios sempre lhe pareceram mais significativos que as palavras. Talvez por isso, no instante em que os olhos dele se ergueram e capturaram os dela daquele jeito tão próprio, que não dava espaço para que escapasse, Nayeon tenha sentido como se uma corrente elétrica percorresse seus nervos, dando-lhe certeza de que aquele diante dela ainda era o mesmo Tae.

Naquele momento, ela se recordou das palavras da mãe que, anos atrás, havia lhe dado um conselho que, numa mostra de juventude e inexperiência, Nayeon jogara no lixo: "nunca ame uma pessoa a ponto de esquecer a verdade sobre ela, criança."

Ela não mais ignorava a verdade. Mas ainda o amava.

— Coloca ele na maca, Jungkook. - pediu, e falar aquilo fez seus pulmões liberassem todo o ar que ela havia prendido sem perceber.  A mulher quebrou à força o contato visual e usou as mãos para prender os cabelos, mantendo-as ocupadas para evitar que tremessem.  Quando voltou a observá-lo, seus olhos treinados buscavam os ferimentos e tentavam determinar a gravidade deles, mas a mulher não pôde deixar de notar o coração se acelerando por algo que não era tão somente a adrenalina do trabalho. Estar diante de Taehyung pela primeira vez em três anos era um impacto para o qual não estava minimamente preparada, e Nayeon precisou convocar todo o autocontrole existente em seu íntimo para se concentrar no que precisava - Me ajuda a tirar isso, Jungkook. - pediu, abrindo a camisa do homem para expor o tronco onde uma rede de tatuagens se desenhava, ainda mais intrincada do que sua memória seria capaz de contar. Mas, por Deus, se fechasse os olhos, ainda era capaz de reproduzir com a ponta dos dedos cada linha, ponto e traço que tivera tantas vezes sob a palma das mãos.

— Ele acorda e apaga, Moony... - Jungkook passou as mãos sujas de sangue pelos jeans, olhando apreensivo para o modo como Nayeon examinava o irmão cujo tórax se movia de forma tão agoniante, em suas tentativas fracassadas de respirar.

— Ele perdeu muito sangue. - Nayeon avaliou o modo como o vermelho vivo se misturava à pele tatuada, enquanto puxava para perto da maca uma bandeja de instrumental cirúrgico e calçava luvas para tocar o ferimento no lado direito do tórax dele, provocando um gemido de dor que não a impediu de continuar sua exploração, encontrando o local de saída da bala em suas costas. Menos mal. Mais abaixo, pouco além das costelas, encontrou um rasgo que já tão sangrava tanto: esse era tão superficial que não causaria maiores problemas. "Nada que dois pontinhos não resolvam", Taehyung costumava dizer sempre que voltava com algum ferimento e precisava de Nayeon para fechá-lo. Nesse caso, dois não bastariam. Talvez dez.

VIPERS - Kim TaehyungOnde histórias criam vida. Descubra agora