O sumiço do estojo - Parte 01 (Capítulo 06)

45 7 3
                                    

MEU ESTOJO DE CANETAS, COM MILHARES DE CANETAS, LÁPIS E MATERIAIS ESCOLARES E MEUS FUCKING PEN-DRIVERS E CARTÕES DE MEMÓRIA ANTIGOS ESTÃO POR AÍ AGORA, ADEUS DIGNIDADE.
Qual a probabilidade de uma pessoa roubar meu estojo em um Colégio como o Xavier? 1000/1000!? (talvez mais alguns zeros). Confesso que desde que dei falta do estojo eu tô sentado no chão olhando para a parede descascada do quarto, aquela espécie de pensamento tipo "adeus vida, virei estatística de mortalidade".
Se minha posição na pirâmide colegial era no subsolo depois de 300km da base, atualizando agora, o clima do inferno até que é razoável. Empatando em cargo LOSER oficial chanceler majoritário aliado de titio LULU sobrenome cifer (estamos tão íntimos que ele até lava minhas meias sujas).
Resolvi então tomar um banho pra relaxar, e depois eu teria que ir no clube do xadrez com um amigo. Até aqui tudo normal. Devo admitir que o chuveiro da minha casa adora me pregar umas. Eu tirei a roupa, coloquei o óculos na pia e entrei na ducha. De primeira, tudo beleza, minha mãe chama de "desceu a água da encanação" quando o chuveiro jorra uma grande quantidade de água. Me ensaboei tranquilo, quando liguei o chuveiro, cadê a água ? MALDITO NETURNO, QUE ÓDIO!
Pedro começou a me ligar, no desespero eu só passei a toalha removendo o sabonete e vesti a roupa.

- Fala mano! - Atendi.

- Já estou aqui, onde você está ?

- Ja estou chegando.

Essa é a desculpa mais deturpada dos adolescentes, o famoso "já estou chegando" quando na verdade ainda nem saiu do lugar (dica infalível para se atrasar, testada e aprovada por mim (emoji piscando).
Peguei o ônibus e cheguei no clube do xadrez meia hora depois, atrasado era meu nome de cadeia. Olhei para Pedro, ele estava lá, sentado sozinho jogando xadrez por dois, quando me viu se animou e logo ficou de cara fechada.

- O ônibus demorou mais que o normal - falei tentando justificar.

- literalmente, já faz uma hora que você falou que estava vindo. Sempre atrasado Marvin - Ele falou com o tic nervoso dele de levantar o óculos que escorregava com frequência no nariz dele.

- Pedro, sério?? E aquela vez que você me fez comprar três garrafas de refri, e dois sacos de pipoca no cinema e não foi? Essas coisas acontecem.

- Você é um idiota!

Ele levantou, me empurrou e saiu.

Fiquei observando ele andando até o carro dele. Por algum motivo eu estava chateado comigo mesmo. Olhei para meu tênis como de costume quando me sentia mal com algo.

Eu era um dos únicos amigos de Pedro, talvez até o último. Eu não queria ter que brigar com ele, já nos metemos em grandes enrascadas juntos, como na vez que...

- Pedro, vem aqui em casa que eu comprei um estilingue novo e agora a gente põem o plano "destoir os vasos da vizinha" em ação - Eu falei para ele no telefone.

Essa vizinha nos odiava. Sempre que a gente comprava uma bola nova, de alguma forma a bola dava uma curva e caía no quintal dela, ou batia no portão dela. Ela sempre respondia da mesma forma: rasgando a bola na nossa frente e xingando toda a nossa árvore genealógica.

Sempre que eu ia na padaria logo pela manhã, eu sempre a via regando uns vasos de vidro com umas plantas. E ela adorava se gabar por ter sido importado e caro.

Nessa noite Pedro tocou a campainha da minha casa, ele estava de moletom preto e gorro.

- Pra quê tudo isso? - Perguntei sem entender o traje.

- A vida de crime me possuiu, como nos quadrinhos do pato Donald em que ele tem que salvar a Margarida e se veste como o zorra, essa é minha roupa de crime.

Eu só revirei os olhos.

- Olha só! - tirei o estilingue do bolso - trouxe as bolinhas de gude?

Ele ergueu um saquinho com várias.

- Cara, estou com fome!

- Ah mano, se eu entrar, minha mãe não vai mais me deixar sair, então vamos até o mercadinho comprar alguma coisa - falei.

Quando chegamos no mercadinho, com cinquenta centavos, percebemos que aquilo não valia nada. O biscoito mais barato custava um real.

- Não dá pra comprar. É caro - falei.

- Poxa! Mas tô com fome.

Nisso a gente já estava saindo do mercadinho quando eu tive uma ideia.

- Pedro pega um carrinho - falei tão rápido que ele se assustou.

- Pra quê? - Ele me olhava sem entender.

Revirei o olho e peguei o carrinho.

Começamos a andar o mercadinho analisando produtos e fingindo que iríamos comprar, colocando alguns no carrinho.

Daí eu abri um biscoito, e deixei embaixo de vários outros. E nisso, dávamos várias voltas pelo mesmo corredor, pegavamos um biscoito do pacote aberto, e quando iríamos colocar na boca fingiamos uma tosse.

- Cof cof - colocava a mão na boca com o biscoito. E só mastigava no corredor ao lado.

Comemos dois biscoitos, um grande e um pequeno. Só que um funcionário começou a notar que estávamos só dando a volta no mesmo corredor, então deixamos o carrinho lá com vários alimentos e saímos.

- Caramba Lucas (era nosso nome secreto, eu chamava ele de Lucas e ele me chamava de Marcelo), como você esqueceu de perguntar se a carne era de boi ou de porco? Você é muito retardado - Falei balançando a cabeça em negativo quando passamos pelo funcionário e pelo caixa.

Depois dessa, nunca mais fomos no mesmo mercadinho, mesmo quando nossas mães iriam comprar algo.

Quando a gente voltou para a minha casa, a vizinha tava regando as plantas pela noite, como de costume. Esperamos até que ela entrasse, e andamos algumas calçadas.

- Marvin, isso é crime, vamos ser preso e nossos pais vão ser mortos pelo exército como no filme que vimos aquele dia na Fox.

- Para com isso, ela estorou nossas bolas o ano todo, essa é a vingança.

Peguei o saco de bolinha de gude, e coloquei uma no estilingue. Depois de várias tentativas eu consegui quebrar um e o Pedro dois. Só que ficamos empolgados e rindo bastante, e quando era a vez do Pedro ele acertou o carro, que disparou o alarme.

- Eita, e agora Marvin, era ideia sua fazer isso, o que vamos fazer ?

Ele ja estava tremendo, eu também.

- Vamos correr - falei empurrando ele e correndo.

Ele veio logo atrás.

- Marvin, minha mãe não vai mais me deixar sair de casa - ele falava ofegante enquanto corria.

- cala a boca e corre.

Nesse dia, eu e ele ficamos na esquina até às onze da noite. De tempo em tempo um de nós olhávamos para ver se o caos já havia acabado. Quando fizemos isso era quase oito da noite, e só saímos da esquina quase meia noite. Cheguei em casa e a minha antiga amiga chamada "cinta" já me esperava pendurada na cadeira. Dormi com os couros quente depois de uma surra daquelas. E pelo que lembro Pedro ficou de castigo por uns dias. Que saudade dos meus onze anos.

Ainda estava olhando para o chão, mesmo que Pedro ja tivesse ido embora. Era meu amigo de infância. Moramos a infância toda perto um do outro, estudávamos em colégios diferentes, eu em um colégio público e ele em um particular. Amávamos trocar conversa sobre como era o lanche dos nossos colégios, como era o intervalo e etc...
Mas agora eu acabara de ser idiota com meu melhor amigo, queria chorar.

Fui até a biblioteca e tentei ler alguma HQ mas nem isso estava me deixando bem. Sem falar que minha mente estava dividida no estojo, e agora em ter deixado meu melhor amigo chateado. Queria sumir.

Peguei o celular e liguei para ele. Caiu na caixa de mensagem, deixei uma mensagem pedindo desculpa. Mandei mensagens nas redes sociais, mas ele só vizualizava.

Quando cheguei em casa eu chorei no chuveiro, e depois dormi.

O DIÁRIO DE MARVIN ANDRADEOnde histórias criam vida. Descubra agora