Capítulo 10: Nothing's wrong with dreaming

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— Narrado por Purre —

Comecei a andar de um lado para o outro dentro do quarto feito um idiota. A idéia de que Pilar não aparecesse era mais do que humilhante, era assustadora. Eu nunca tinha deixado as coisas chegarem nesse ponto: seja lá de qual ponto estamos falando, digo, nunca tinha gostado assim de uma garota. É claro que algumas delas já me surpreenderam, mas com a Pili era diferente: Era estranho porque mesmo ela sendo bastante teimosa e insuportável, - Além de irmã do meu melhor amigo, devo acrescentar – Ela parecia me ter em mãos. Tudo o que ela fazia, cada gesto, o jeito de falar, de andar, até a forma com que ela me tirava do sério era irresistível pra mim. E eu não sei como isso veio acontecer, porque sinceramente eu a odiava. Tudo aquilo que eu não suportava nela tinha sumido, ou pior ainda, se transformado em alguma forma estranha de qualidade. Qualquer garota que me desse um bolo pra sair com as amigas deveria ser ignorada até a morte. Mas não, quando ela faz isso...

Olhei para o visor do celular e percebi que estava andando sem parar há pelo menos quinze minutos. Mas que merda, porque ela tinha que demorar tanto? Tirei os tênis e me joguei na cama, procurando algo na TV. Passei canal por canal, sem reparar em nada do que estava ali, era um gesto automático, irritante. Soltei o controle na cama e olhei para a tela, onde algumas mulheres realmente gostosas estavam fazendo o que bem queriam numa piscina. Ri sozinho.

- Pili, olha o meu estado!
- Liga no Playboy TV. – Ela respondeu rindo e sumiu escada acima.

- Playboy TV.
Murmurei, rolando os olhos. Até nisso eu tinha que lembrar dela. Desliguei a TV poucos minutos depois, eu não prestaria atenção nem naquilo, quando tinha algo engasgado em minha garganta. Ela estava demorando demais. Conseguia ouvir o som alto da festa no andar debaixo, aquilo iria longe. Eu poderia descer e ver com meus próprios olhos, ela provavelmente estaria dançando em cima de alguma coisa com as amigas, como se não se importasse. Mas eu sabia que ela se importava. Ela tinha que se importar. Puxei dois travesseiros enormes e deitei neles, virando a barriga para baixo e fechando os olhos, como se convencesse a mim mesmo de que não estava esperando ninguém. Mas eu tinha bebido muito, e meus olhos começaram a ficar pesados. Procurei pelo celular no bolso.
- Quarenta minutos. – Disse baixo e enterrei o rosto nos travesseiros, nervoso.
Eu não estava mais conseguindo vencer a luta contra meus próprios olhos, eu teria que levantar naquele instante se quisesse estar acordado quando ela chegasse. Se ela chegasse. Respirei fundo, mas não consegui me mover. O som da festa parecia mais distante, minha cabeça já começou a misturar as imagens de tudo o que eu tinha visto e feito no dia. Eu não tinha mais forças.

Londres, 2002.

- Eu quero fazer um boneco de neve gigante! – Simon disse maravilhado enquanto os flocos caiam sobre nossas cabeças. Meus olhos brilharam.
- Claro, e dessa vez ele não vai cair! – Eu disse e nós dois rimos, entrando pelo jardim coberto de neve da casa dos Pascual.
Fazia pouco menos de um mês que eu havia me mudado com minha mãe para aquele bairro. Meus pais tinham se separado e eu estava achando tudo aquilo uma droga. Como todo moleque de dez anos, eu queria ter meu pai por perto, mas com a mudança eu estava a pelo menos duas horas dele. Várias estações de metrô e um ônibus. Eu havia decidido que faria o possível pra irritar minha mãe, o suficiente pra que ela resolvesse voltar pra nosso outro bairro, perto do meu pai e dos meus amigos. Mas logo nos dias que eu cheguei, conheci meu vizinho da frente, o Santiago. Ele era um garoto legal, e tinha um outro amigo, o Simon. Logo me enturmei com eles e acabei perdendo o foco do filho revoltado que eu queria ser. Eu nunca tinha ido até a casa do Simon, costumávamos ficar na casa do Santiago. Assim que ele abriu a porta da casa, sua mãe, que estava sentada no enorme sofá enrolada em uma manta, sorriu pra mim.
- Hey querido, você é o famoso Purre?
- Famoso? – Fiz careta e Simon também.
- É, o Simon e o Santiago falam bastante de você.
- Ah. – Respondi um pouco sem graça e ela riu.
- Estou com um bolo de chocolate no forno, vocês vão fazer o que?
- Boneco de neve! – Respondemos juntos e a Sra. Pascual riu.
- Tudo bem, eu os chamo assim que ficar pronto.
Saímos para o jardim e começamos nossa milésima tentativa de um boneco de neve. O mais próximo que chegamos, tinha desmoronado em vinte segundos. Santiago tinha saído com os pais dele e provavelmente não viria aquele dia, o que não tinha tanta importância, na verdade. Ele reclamava demais de ficar no frio por tanto tempo.
- Vou buscar uma pá maior, acho que deve ter alguma nas coisas que minha mãe usa no jardim – Simon disse fazendo careta quando nosso boneco caiu de novo. Eu ri.
- Vou continuar montando.
Comecei a juntar a neve novamente assim que Simon sumiu. Poucos minutos depois, uma garotinha se aproximou. Garotas não eram legais, não naquela época. Ela estava toda de rosa, parecia de brinquedo, com as bochechas vermelhas por causa do frio e um gorro imenso na cabeça. Eu ri, e ela sorriu. Tossi logo em seguida, lembrando que eu não devia sorrir para garotas e me virei para o boneco. Mas ela não se moveu. Continuou ali, como uma Barbie em miniatura que alguém tinha fincado na neve. Fiz uma careta.
- Perdeu alguma coisa? – Disse, levantando.
- Posso ajudar você? – Ela respondeu com uma voz animada, voz de menininha. Torci o nariz.
- Não, meu amigo já está me ajudando. – Bufei.
- Porque garotos são tão idiotas? Eu sou uma menina, não um leão. Eu não vou morder você! – Ela disse num tom de voz óbvio e meu queixo quase caiu no chão. Ela era menor que eu, como podia falar daquele jeito? Fiquei sem resposta, e ela riu.
- Mas... Mas... – Gaguejei – Essa é a casa do meu amigo!
- Eu sou irmã do seu amigo. – Ela riu – Você é o Purre, né? Minha mãe falou. Cadê o Santiago, ele não vem hoje? Ele escondeu minha boneca, eu tenho certeza! Mas ele vai pagar, vai pagar muito caro e... – A pequena criatura disparou a falar e tudo o que eu fiz foi ficar com cara de bobo, sem conseguir interromper. Menina estranha aquela.
- Achei uma maior, Purre! – Simon chegou – Ah, já se conheceram? Essa é a Pilar, minha irmã.
- Pili, me chama de Pili! – Ela resmungou e eu ri.
- Que seja. – Simon murmurou.
- Posso ajudar vocês Simon? – Ela perguntou e ele deu de ombros, fazendo-a dar pulinhos animados e se juntar a nós.

Summertime - #Pilurre Onde histórias criam vida. Descubra agora