Essa foi a parte mais marcante da história de minha flor de guaraná. Nas primeiras sessões não se arriscava a lavar o cabelo três vezes por semana como fazia antigamente. Toda vez que o pente tocava seus cabelos parecia um machado arrancando seu coro com violência. Passei a pentear seus fios, delicadamente e juntava tudo sem que percebesse.
No início poucos fios se desprendiam, com o tempo eram mechas. Até que Jullieta passou a acompanhar a calvície que se formava no meio de sua cabeça. Nessa época evitava sair o que me preocupava. Sempre a convidava para um programa simples, pois não tínhamos condições para um simples café.
O dinheiro que mamãe mandava contribuía para o aluguel, água, luz e compras básicas. Jullieta insistia para que fosse atrás de um emprego para me distrair, mas não conseguia imaginá-la só durante o dia todo, pois não morávamos próximo a comércios ou prédios comerciais. Queria que tentasse uma bolsa em uma faculdade de Direito, integral, sabia que conseguiria, mas estava com vergonha de sair. Para realizar as sessões usava um boné que comprou logo que iniciou a perder os fios de forma mais séria.
A penúltima sessão fora mais agressiva. Seus fios não resistiram. Jullieta, fraca, enjoada, dilacerada, passou a mão no meu barbeador e deu fim ao que lhe restara de seus belos cabelos ondulados, como as ondas do mar revolto. Se trancou por três dias no quarto. Fiquei desesperado. Quando saiu percebi que estava ainda mais pálida, mas que sua cabeça era redondinha como um coco. Minha guaranazinha agora era um coquinho. Quis sorrir, mas sua expressão me condenava antes que ousasse.
Quando percebi que estava à beira do caos, sem ao menos poder distrair Jullieta de alguma maneira, dá-lhe o que merecia, ousei. Louco, passei a mão no barbeador e raspei meu cabelo de tigela. Minha cabeça não era tão redondinha quanto da minha amada, tinha um calombo estranho, talvez fossem os tapas que papai me dava sem permissão.
Me coloquei diante de Jullieta emocionado. Minha amada respondeu meu sacrifício com muitos socos fracos e xingamentos. Me lembro claramente de dizer que nunca permitiria que eu fizesse aquilo com os meus cabelos lisos e perfeitos e que eu ficava muito feio careca, e se saíssemos na rua daquele jeito iam nos internar, parecíamos dois loucos de pedra.
Me fez ficar sem olhar para ela até meu cabelo iniciar a crescer. Quando ele pareceu com aquele cabelo de capim que cresce naqueles experimentos de meia fina com terra e alpiste ela voltou a pronunciar palavra secas em minha direção.
Não havia mais solução para nosso caso. Não sabia mais o que fazer. Estávamos falidos, carecas, sem expectativas, deprimidos, atropelados. Eu tinha em meu íntimo a felicidade de ter Jullieta, mas sabia que ela precisava de algo mais. Nessa semana Jullieta teria sua última sessão e saberíamos se ainda precisaria de uma cirurgia, se precisasse não saberíamos como conseguir. Precisava ser ágil.
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PARA SEMPRE JULLIETA
RomansaLouis é uma menino introvertido, romântico por força do hábito e diagnosticado com Asperger em sua infância o que o torna alvo de olhares tortos, resultando em uma auto imagem depreciativa e abandono paternal. Seu porto seguro, seu ponto de equilíbr...