UM ANO SEM JULLIETA

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Em parafuso decidi que precisava de um refresco, me reencontrar, estava perdido, mesmo em uma localização especifica.

Soube que a casa de mamãe estava à venda, vi em um anúncio de redes sociais e resolvi recompra-la.

Despedi-me de meu promissor emprego e pedi abrigo a meu antigo patrão que calorosamente me recepcionou, mas lamentou o fato de não querer prosseguir com meus ganhos estrambólicos.

Não queria dinheiro, nem o que chamam de status ou piedade. Queria apenas voltar para um lugar comum, meu lar de infância e meu bom emprego, calmo e sem sobressaltos.

Soube que fizera a escolha acertada assim que avistei aquela casa, aquele cheiro de taco antigo que me fez espirrar, mas um espirro antigo e conhecido, alguns móveis que ainda estavam decorando a casa e outros que fiz questão de comprar em antiquários.

Lilli se sentiu muito a vontade na casa. Estava cansada pela idade, mas ainda com uma boa expressão de cachorra feliz e bagunceira.

Me reencontrar com minhas raízes me trouxe uma calmaria que não provava desde que Jullieta partiu. Abri a janela e lembranças afagaram meu rosto em forma de vento.

Sentei em frente à janela onde avistei Jullieta pela primeira vez. Não era minha casa de infância, mas era a casa onde tudo começou a fazer sentido.

Por ser distante mamãe passou a me visitar a cada um mês até que Dr. Hermann se aposentaria a poucos meses, então para minha surpresa se mudaram dois quarteirões após meu novo antigo lar.

Por algum tempo teria que se locomover para seu trabalho, mas não pareceu se incomodar.

É como se as peças fossem aos poucos sendo recolocadas em seus locais exatos e minha vida voltasse a um equilíbrio que me permitia respirar mais relaxado. Os ponteiros biológicos voltaram a andar em compasso acertado. Ao menos para mim.

À tarde quando chegava do trabalho mamãe estava lá fazendo meus waffles, leite com chocolate e ajeitando algumas costuras enquanto aguardava Dr. Hermann aparecer, pela distância chegava somente à noite em seus plantões.

Com seu habitual bom humor trazia um bolo com a quantidade de velas dos meses que faltava para se aposentar. Seus planos não me divertiam muito. Sabia que assim que se aposentasse gostaria de levar minha mãe para conhecer outros Países, viajar por um ano consecutivo.

Apesar da ideia não me agradar, a essa altura já era mais que um adulto e não poderia reivindicar minha mãe, mas a ideia me dava leves coceiras atrás da orelha, chegavam a ficar vermelhas.

Sem querer e sem perceber comecei a pegar certa indisposição em relação ao companheiro de vida de mamãe.

Se ele chegava procurava sair, normalmente até o parque onde antigamente Jullieta ia andar de Skate, mas havia uma mulher que insistia em puxar um raio de conversa que me irritava profundamente.

Lilli sempre rosnava para a intrometida e eu não fazia questão de pedir desculpas pelo ocorrido.

Em toda minha vida me questionei porque raios alguém puxa conversa aleatoriamente com alguém que não lhe dirigiu a palavra.

Quando se aproximava me lembrava de Emily, que soube que casou, mas se divorciou tempos atrás, sabe-se lá por que.

Minha mãe apostava todas suas fichas que era porque ainda gostava de mim e eu mudava de assunto sobre risos do Dr. Hermann que sempre estava com o nariz de moranga em casa.

Ele sempre tentava se aproximar, mas não conseguia retribuir, não sabia o que estava acontecendo.

Queria retribuir a amizade, mas quando Jullieta partiu senti que minha mãe voltou a ser o foco da minha vida. Não queria, mas era real.

Dr. Hermann era paciente ao extremo. Trazia diversos jogos para nos entretermos, e eu tentava ser hospitaleiro, mas tentar não é minha praia, soava muito artificial.

Sabia que assim que se aposentasse ficaria sozinho, e apesar de o sozinho não ser o maior problema não me sentia a vontade sabendo que alguém estava levando mamãe para todos os lados como se fosse uma bonequinha de pano. Na verdade estava com ciúme mesmo.

Estava tão obstinado que quase enviei uma carta ao hospital dizendo que deveriam contratar Dr. Herman mesmo que se aposentasse, pois era um excelente profissional, mas como não sei mentir assinaria em meu nome.

Soube através de uma carta a qual Julia enviou ao meu antigo endereço, e que mamãe recolheu antes de se mudar, que estava fazendo faculdade e com a ajuda do quiabo pacifico também iria começar a trabalhar, o que não fazia desde que se casaram.

Parecia que finalmente conseguiu confiar em alguém e procurar sair da vida paralitica que lhe fora deixado como herança.

Quando mamãe e seu namorado que eu não chamava de marido por puro despeito saiam, ia até a janela admirar a noite.

Fechava meus olhos e conseguia visualizar exatamente o ponto que minha cenourinha estava quando a revi. Me voltava para o sofá e lembrava do primeiro dia que se sentou para assistirmos tv juntos.

Nessa época desenvolvi toc, que acabou se agravando quando mamãe não aparecia para me visitar por algum compromisso qualquer. Sabia que não poderia seguir daquela forma, pois mamãe merecia viver sua vida tranquilamente.

Voltei às boas com o Psicólogo que me mostrou alguns caminhos para não entrar em um comportamento severo e alguns exercícios beirando a infantilidade.

Percebi que ao longo de uma década muitas coisas mudaram em relação ao que tenho, mas ainda não da forma como necessito. Enfim, me comparando a um alcóolatra me instruiu a viver um dia de cada vez. Estou vivendo, mas sem Jullieta um dia parecia uma eternidade.

PARA SEMPRE JULLIETAOnde histórias criam vida. Descubra agora