listener

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...

Eu ouço a voz alta do meu pai do andar de cima, seu tom de voz está alto, e ele, bravo. Sei bem o porquê.

-Você não pode culpar ela por não querer estar aí Sofya. - meu pai esbraveja com minha irmã pelo o telefone, e suspiro, fechando meus olhos. Sofia ligou dezenas de vezes para o meu pai desde quinta-feira, e hoje é sábado de manhã. Meu velho simplesmente ignorou minha irmã, sabendo muito bem, vindo da minha boca, o motivo da minha saída da casa de Sofy.

Kat está mexendo em algo na cozinha, sinto um cheiro gostoso invadir minhas narinas. Estou sentada no sofá da sala, a TV ligada pro nada, já que estou interessada demais na conversa do meu pai. Eu sei que fiz errado em sair da casa da minha irmã daquela forma. Mas Dave me sufoca. A vida perfeita da minha irmã me sufoca. É como se ela jogasse na minha cara, indiretamente, algo que eu nunca vou poder ter. Nenhuma garota quer estar ao lado de uma outra tão diferente.

Era de se esperar pelo o fato de eu ter um pênis que eu gostasse de garotas, mas houve uma época, acho que eu tinha uns 11 anos, que eu gostei de um garoto da minha classe. Óbvio que ele não sabia do meu afeto, eu faço o tipo que observa a pessoa que gosta de longe. Tímida demais para um próximo passo. Um dos meus terapeutas na época disse que eu devia tentar ser uma garota mesmo. Que deveria fazer a operação e retirar meu amiguinho, e me lembro que na época eu fiquei obcecada com essa possibilidade. Eu tinha na minha cabeça que mamãe havia deixado a mim, papai e Sofya por minha causa.

No final, era mesmo. E ainda tinha o garoto da classe. Eu queria que ele gostasse de mim. Mas no final, ele e toda a turma ficou sabendo da minha intersexualidade, e ele passou a rir com os outros garotos da turma. Assim como Brad. Desde então, homens me dão azia. Sempre achando serem os donos da verdade, com seus pintos e seu cérebro minúsculo.

-Sina. Sina. - alguém está na minha frente sacudindo as mãos, e saio daquele tipo de momento que todos temos, quando olhamos pro nada e refletimos sobre a vida. As vezes isso pode ser desconfortável, ainda mais quando você faz isso olhando para a bunda de alguém. Sem intenção óbvio.

-Oi Kat. Algum problema?
Levanto minha cabeça do encosto do sofá, vendo a senhora parada em minha frente, com seu tradicional uniforme azul, e um copo grande de achocolatado em mãos. Sei que isso é para mim. Eu simplesmente amo achocolatado com todas as minhas forças.

-Trouxe isso para você criança. O Doutor Cody ainda está lá em cima?
Eu pego o copo da mão de Kat, e bebo metade com um gole, e sei que eu acabei de ganhar aqueles bigodes fofos de leite.

-Você sabe que pode chamar ele de Cody né, Kat? Você é da família. E respondendo sua pergunta, ele está sim. Sofy ligou. E ele atendeu dessa vez.

- coço meus cabelos, e termino de beber meu achocolatado, entregando a senhora meu copo. Ela me dá um olhar compreensivo. Kat me conhece tão bem quanto papai e meus amigos. Ela sabe que eu me sinto incomodada por fazer meu pai discutir com Sofya, e dar trabalho aos dois.

-Não é sua culpa criança. Sabe disso. Sofya ama você, e seu pai também. Eles só divergem em algumas coisas.

Kat aperta minha mão docemente, e volta para a cozinha, me deixando sozinha com os meus pensamentos, que estão uma loucura hoje. Josh me disse que já encontrou a garota para... você sabe. Só de lembrar disso, minha cabeça dói. Eu vou perder a virgindade hoje. E não estou ansiosa. Ou feliz. Só assustada. E envergonhada. Que tipo de mulher eu sou que preciso que meu melhor amigo arrume alguém para eu transar?

Espero que a garota pelo menos não seja aquelas mulheres mais velha amarguradas, que odeiam o trabalho, e que vão me esculachar. Eu não quero ter que ouvir coisas ruins sobre minha condição. Não mesmo. Ouço passos vindos da escada, e me viro para ela, vendo meu pai descer elas com um semblante bravo, e me encolho. E se ele estiver bravo comigo por faze-lo brigar com Sofya?

𝑺𝒆𝒙𝒚 𝑳𝒊𝒔𝒕𝒆𝒏𝒆𝒓Onde histórias criam vida. Descubra agora