Fico travado na hora de responder, sem entender por que um garoto do time de basquete estava falando com um novato, ainda mais eu. O garoto novo que a escola inteira já sabia que não tinha um passado tão legal assim, e nem um presente.
- Meu nome é Matheus- digo enquanto viro meu rosto, mas percebo de canto de olho que o garoto continua me olhando, minhas bochechas esquentam percebo Mariana fazendo um "você está todo vermelho" com os lábios, mas sem exalar nenhum som.
-Sabia que você tem olhos lindos, Matheus? - quando ele diz isso eu tenho a sensação de todos meus órgãos falharem e a única reação plausível que meu corpo esboça é de sorrir.
- Tá, agora me diz o que você vai ganhar? - olho para o garoto ruivo e o mesmo retribui com um ar confuso.
- Ganhar com o que?- ele responde, dessa vez sentando ao meu lado.
- E quem está fazendo essa aposta de você vir falar comigo?- reviro os olhos e o garoto se aproxima mais de mim, levantando suas mãos como se estivesse rendido.
- Vim aqui por livre e espontânea vontade, agora, o que terei que fazer para conseguir seu número? - solto uma risada irônica com a resposta do garoto.
- Ser menos clichê- digo ironicamente. O garoto pega o celular dele e me entrega com um sorriso meio torto no rosto.
Decido ceder para ver o que esse garoto realmente quer comigo. Pego o celular das mãos do ruivo e digito meu número, entrego o telefone de volta a ele, nesse momento ele passa sua mão na minha. As mãos gélidas do garoto se contrapõem ao seu corpo meio suado do jogo.
- Tenho que voltar ao jogo, Olhos Azuis. Fique de olho no seu celular mais tarde- diz ele dando uma piscada para mim com seu olho direito. Antes que ele se despedisse de todos que estávamos sentados, volto meu olhar ao grupo de basquete, percebo Lucas me olhando como se tivesse fogo em seus olhos. Queria muito entender o que se passava na cabeça desse garoto.
Observo Guilherme correndo de volta aos seus amigos e todos da minha roda começam a se perguntar o que tinha acabado de acontecer.
- É sério que isso acabou de acontecer? - exclama Helena levando suas mãos em seus olhos como um sinal de surpresa.
- Então quer dizer que o senhor co-capitão do time de basquete da escola Saint Nicholas é gay? E além do mais, deu em cima do novato aqui? - completa Mariana enquanto todos viram seus olhos para mim, que continuo tão nervoso como antes.
- Gente claramente ele estava aqui por uma aposta - respondo aos olhares enquanto Mariana solta uma risada.
- Para com isso, idiota. Guilherme é disputado pelas garotas desde que eu entrei nessa escola, e eu já entrei tem uns 4 anos. Ele nunca da atenção a elas, mas rolavam boatos de que ele tinha uma namorada em outra escola. Pelo visto ele tinha é um namorado- diz Manuela pegando seu celular e vendo as horas- gente, a aula de Geografia vai começar, vamos lá?
Todos concordamos e deixamos o ginásio com passos largos, para não demorarmos muito para chegar na sala. Antes de passarmos pelo grande portão eu decido virar uma última vez para olhar o grupo de garotos jogando basquete, e, para a minha surpresa lá estava ele, com seus olhos verdes e cabelos ruivos correndo, porém, com seus olhares em mim. Antes que meu corpo se banhe em vergonha novamente eu sigo o pessoal. Quando chegamos na sala sento ao lado de Manuela.
Uns dois minutos se passaram e o professor de geografia, um senhor lá com seus 50 anos e uma barriga avantajada entra na sala ajeitando seus óculos fundo de garrafa no rosto. Começa a escrever "projeto de meio período" no quadro.
- Bom, alunos. Eu sou o Senhor Augusto e estou aqui para falar que esse ano a matéria de geografia será a escolhida para o projeto. Como vocês sabem, todo ano a escola faz um projeto com todas as turmas de terceiro ano e nesse não será diferente. Vocês terão que montar um mini projeto para que a escola aumente seu rendimento ecológico - diz o homem enquanto anda pelo quadro. Percebo um tom rouco em sua voz, parece que o mesmo fuma a bastante tempo- vocês farão o projeto em duplas - nesse momento, o velho homem é interrompido pelos gritos na sala, pessoas já viram para o lado falando com seus amigos e montando as duplas- Para a alegria de vocês, eu escolherei suas duplas.
Nesse momento a sala entra em um silêncio profundo. Depois de alguns segundos consigo escutar as respirações ofegantes que significavam decepção de muitos alunos na sala. No momento em que o Senhor Augusto começa a dizer as duplas o meu telefone vibra.
Era ele, o garoto loiro tinha me mandado uma mensagem. Bruno dizia que tinha acordado atrasado para a aula e que estava se arrumando para vir a escola pois o seu ensaio iria começar depois que a última aula passasse. Disse que tinha o primeiro ensaio da peça que ele estava participando. No final da mensagem recebo o convite para ir ao teatro assistir ao mesmo ensaiar. No mesmo minuto recebo uma mensagem de Guilherme, o garoto ruivo me chama para uma festa na casa dele de noite. Não respondo Guilherme e aceito o convite de Bruno. Vou aproveitar para conhecer o teatro da escola. Meu corpo gela quando o professor decide gritar meu nome no meio de sua lista de duplas.
- Matheus, você irá fazer o trabalho com... - parece que ele fez essa pausa dramática de propósito- Rana.
Me viro a Manuela e pergunto quem é Rana. Ela me aponta uma menina perto do quadro sentada junto com um garoto, a mesma me solta um sorriso e eu retribuo. A garota, com seus cabelos negros que caiam sobre seu ombro como ondas parecia quase imperceptível na sala, parecia bem quieta.
O professor logo pede para que comecemos a montar nossos projetos, de início, o básico. Troco de lugar com o garoto que estava do lado de Rana e vejo que a mesma faz alguns desenhos bem bonitos no seu papel. Ela havia desenhado o professor escrevendo no quadro. Os tons de sobra quase tão realísticos me impressionavam.
- Nossa você desenha super bem - quando término de dizer isso, a garota fica envergonhada.
- Obrigado, mas não é pra tanto. Muito prazer, eu sou a Rana - ela estende sua mão a mim e eu aperto ela.
- Eu sou Matheus - ela sorri com meu nome e me entrega um papel que estava já escondido no meio de suas anotações. Nele havia um endereço.
- Esse é o meu endereço, se quiser podemos começar a montar nosso trabalho hoje, passa lá em casa por volta das 17 horas- a garota simpática sorri para mim e olha para seu relógio. Uns dois segundos se passam e o sinal que anuncia o final da aula toca.
Todos os alunos pegam seus materiais correndo, incluindo Rana, que agora já andava em direção a porta da sala. Eu, arrumava os cadernos em minha mochila e ia até o corredor, que no momento estava lotado de alunos. Meus passos são lentos, pelo simples motivo da superlotação do espaço. Saio andando sem rumo atrás do teatro. Passo no meio de pessoas e olho na maioria das salas do corredor. Alguns olhares ainda se viram para mim por conta do pequeno incidente no primeiro dia. Decido ignorar e, para minha surpresa, vejo uma porta enorme, igual a de um cinema. Abro a mesma e automaticamente a temperatura cai, meus pelos no corpo se arrepiam com a atmosfera gélida que aquele lugar tem. As luzes também se fazem escassas, parece que o ensaio está prestes a começar.
Entro no lugar escuro e vejo um teatro enorme, como os na minha cidade antiga, mas esse era dentro da escola. Fileiras de mais ou menos trinta cadeiras enchem a plateia. Lembro da mensagem de Bruno que dizia para eu ir até a última fileira de cadeiras e ficar lá em silêncio para que a professora não me visse ali.
Sento em uma cadeira bem no meio, onde eu conseguiria ver todo o palco. Sem nenhum problema de algo tapar minha visão. A professora de cabelos cacheado se encontrava na segunda fileira com uma prancheta em sua mão.
De repente as cortinas do palco se abrem e um garoto vestido de Peter Pan sai de trás da coxia. Atrás dele uma menina com seu longo vestido de seda aparece.
- Peter, o capitão gancho capturou a Sininho. Precisamos ir até o barco dele para salvá-la- grita a menina como se estivesse em prantos.
- Vamos, Wendy, não deixarei que aquele idiota fique com a minha amiga- diz o garotos finalmente o reconheço, era ele, Bruno. Fiquei impressionado com o seu poder de atuação. Ele realmente transmitia a inocência e a bravura do personagem. Era incrível como a luz do palco contrastava com a sua pele e seus cabelos loiros, mesmo que algumas partes presas no chapéu do personagem, pareciam ser mais loiros. Depois de passar uns 20 minutos em cena, atuar com sua alma e paixão a cena acaba e ele fica em frente a professora, parece que ela iria avaliar a atuação dos garotos.
Ver ele ali era angelical. Seus olhos finalmente me encontram e ele solta um sorriso bem fraco. Percebo que a professora notou o olhar do garoto para mim e virou para trás, na intenção de encontrar algum aluno escondido entre os bancos vazios. Só que antes que ela pudesse virar eu me abaixo e fico entre as cadeiras. Paraliso ali por uns cinco minutos até estar confiante de que a mulher não está mais me olhando, volto a posição inicial e vejo que todos que antes estavam ali somem. Espero mais uns quinze minutos ali quando Bruno sobe as escadas do palco, o mesmo já havia posto suas roupas normais e agora carregava seu texto em mãos. Ele chega do meu lago e senta. Tira o chapéu de Peter Pan que ainda estava sobre sua cabeça e joga seu corpo para trás, bufando demonstrando cansaço.
- Tenho que admitir, Peter, você é um ator incrível- digo enquanto sorrio para o garoto.
- Muito obrigado, Theo. Agora pode dizer que eu fico lindo na roupinha justa de Peter Pan- eu gargalho e viro para ele, assentindo com a cabeça.
- Então quer dizer que o senhor não vem para aula mas vem atuar?- pergunto mais uma vez brincando.
- Meu, o despertador não tocou e eu simplesmente acordei super atrasado, ainda bem que cheguei a tempo do teatro. E ainda bem que você ficou para me ver. Assim eu poderia terminar algo que eu comecei na festa- quando o garoto termina sua frase ele levanta o braço da cadeira e puxa meu pescoço para um beijo. Eu de início tento me afastar, mas acabo cedendo aos encantos desse garoto. O beijo dele era molhado e a melhor parte era o carinho que eu recebia em minha cintura. Passo minhas mãos pelo seu cabelo loiro, agora já sem as pontas azuis. Ficamos um bom tempo nesse beijo até que ele me deita nas cadeiras, ficando por cima de mim. O mesmo beija meu pescoço e eu me arrepio na hora.
- Vai com calma, Bruno- digo baixinho e o garoto me fita com seu olhar, deixando nossos rostos muito próximos um do outro.
Meu celular toca, paro um pouco o beijo para ver quem é. Merda. Era Rana perguntando onde eu estava. Vejo a hora e percebo que estávamos nos beijando a muito tempo.
- Vai a algum lugar? - diz o garoto me olhando de cima a baixo. Aqueles olhos verdes me encantavam, tenho que admitir. E o beijo dele me fez sentir único e protegido. Será que estaria eu gostando dele? Lembro de Rana na hora.
- Eu tenho que ir pra Rana ela marcou de iniciar o projeto na casa dela agora. E eu acabei me perdendo no tempo- responde e olho para o garoto que me dá um selinho.
- Posso te deixar na casa dela, Theo. - Aceito a carona e pegamos nossas coisas, em um momento escutamos um barulho de porta trancando. - merda, acho que fecharam a porta do teatro - o garoto estende a mão para mim e eu seguro- vamos por trás que tem uma saída de emergência.
Sigo o garoto até o palco, como o palco era alto eu não conseguia subir pulando que nem ele. O garoto loiro me puxa para cima e saímos correndo em direção a coxia. Lá, vejo uma porta cinza com vermelha. Para nossa sorte a porta dava direto no estacionamento. Entro no carro de Bruno ,que por sinal era bem grande, uma 4x4 preta e o garoto dirige até a saída da escola.
Ele fica mil vezes mais bonito quando está concentrado dirigindo, me perco em sua pele e suas veias nos braços tocando o volante, a brisa que vinha da janela traz uma calma que era refrescante. O garoto percebe que estou olhando para ele e fica vermelho, soltando um sorriso de canto. Chegamos a casa de Rana em poucos minutos.
- Nos vemos amanhã? - pergunta o garoto enquanto eu saio do carro agradecendo a carona.
- Vou pensar no seu caso, Peter Pan - sorrio para ele- Se o Capitão Gancho não me prender em seu barco quem sabe.
- Se ele fizer qualquer coisa contigo eu acabo com a raça dele - o garoto solta uma gargalhada e acelera com o carro, me deixando no portão cinza da casa. Era uma casa de tamanho médio, tinha seus encantos. Escuto o latido de um cachorro, parece que o mesmo gosta de avisar a chegada de alguém. Decido apertar a campainha da casa. Depois de alguns segundos escuto o portão destrancar e agora a garota abre o portão com seu pijama.
- Finalmente você chegou, vem logo- a garota me puxa pelo braço até o jardim de sua casa, um caminho de pedras nos guiava até a entrada. Uma sala bem grande com uma área externa enorme.
A garota sobe até seu quarto, e me diz que no momento seu irmão está dormindo pois alguns amigos dele viriam para beber. Seu quarto era o último do corredor de 5 portas.
- Meus país estão sempre viajando então meu irmão aproveita para chamar os amigos dele. Eles vem toda semana. Já eu fico sempre no meu quarto jogando videogame- diz a garota em um tom amigável.
Entramos em seu quarto. Confesso que era muito aconchegante. As paredes eram um tom verde água e os móveis rosa millenial. Uma cama enorme do lado de uma mesa cheia de eletrônicos e seu tapete de pelinhos que era incrível de passar o pé. - senta aí que tenho várias ideias para esse projeto.
Ficamos um tempão discutindo que maquete iríamos fazer e como colocaríamos ela em prática, entre algumas ideias, a garota contava algo de engraçado da sua vida e trocávamos risadas incríveis. Quando já estávamos cansados de não fazer nada a menina me tira um jogo de cartas de seu armário e começamos a jogar.
Passamos provavelmente uma hora jogando, provavelmente. Nos dois paramos de por as cartas no montinho quando escutamos uma barulheira vindo do primeiro andar da casa.
- Os amigos do meu irmão chegaram, acho que por hoje é isso, Matheus. Com a algazarra que eles vão fazer não conseguiremos nos concentrar nem nos nossos próprios pensamentos. - a garota sorri enquanto eu me despeço dela, pegando meu tênis que havia tirado antes de entrar no quarto e desço as escadas, percebo um pessoal conhecido na sala de Rana. Tento passar por eles despercebido enquanto o barulho da música só aumenta. Apenas paro na cozinha para pegar um copo d'água antes de sair da casa e sinto alguém chegando perto de mim. Quando vejo quem é meu corpo congela.
-Então você decidiu aparecer, olhos azuis.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Até quando?
RomanceMatheus se acostumou com sua rotina, seus amigos e sua casa. Porém, o que o mesmo não sabe é que de repente, tudo vira do avesso e o medo do amanhã passa a ser recorrente. O garoto, de apenas 17 anos terá que entender como é viver em um mundo comple...