Capítulo 3: Nicolas

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Depois de várias noites mal dormidas ou totalmente em claro, já me acostumei com a rotineira preguiça da manhã. Não quero me levantar. Não quero ir para aquele colégio de merda e, definitivamente, não quero fazer esse trabalho com qualquer folgado idiota que esteja precisando de nota. Ele que se vire. Mas não posso. Tenho que enfrentar o dia. Levanto da cama com lentidão e me arrasto para o banheiro para fazer minhas higienes matinais.
Desço as escadas já trocado e lá encontro uma sala bagunçada e revirada. Deus, parece que um furacão passou ali. Ando um pouco mais e encontro Carol, ainda de pijama, de costas para mim fazendo o que quer que seja no fogão. Me aproximo dela para ver o que ela prepara, já que o cheiro estava maravilhoso.
- Bom dia, o que que tem de bom aí?
- Aahh! – Ela dá um pequeno grito e um pulo - Que susto, Nicolas! Não chega por trás assim!
Dou uma curta risada do susto dela – Desculpe, mas o que você está cozinhando?
- Ovos mexidos, quer?
- Claro, o cheiro está espetacular
- "Espetacular"? Sério? Quem usa essa palavra hoje em dia?
- Eu, oshi.
- Você anda lendo demais. Saia um pouco. Curta a vida. Faça algo com seus amigos.
- Eu não tenho amigos.
- Ah, é. Eu esqueci que você é o todo misterioso e poderoso Nicolas: aquele que não precisa de ninguém ao seu lado. – Só ela podia brinca comigo assim. Se mais alguém me chamasse de excluído, eu mandava se foder e vazava.
Dou uma curta risada com o meu novo "título" e me sento à mesa para apreciar o belo café da manhã que Carol havia feito, mas quando ela se vira para colocar os pratos em cima da mesa, já preenchidos com os ovos, reparo que seu olho estava machucado, como se tivesse recebido um soco e seus lábios, cortados, mostrando que também tinha apanhado ali. Presto atenção nos detalhes do seu corpo e vejo que ela caminha devagar e mancando, como se sentisse dor no corpo todo e fosse difícil até para respirar.
- O que aconteceu com você? – Digo me levantando, e fechando o que era o começo de um sorriso – Está toda machucada.
- Ah, isso.... Não é nada.
- Como nada? Você tem o rosto todo ferido e espera que eu, Nicolas Prado, acredite nessa sua desculpa furada? Qual é, Carol? Posso até ser burro, mas não sou cego.
- Primeiro: você não é burro. Segundo: não é nada mesmo. Eu juro. Afinal, você não vai ficar nada feliz em saber.
- Carolina Ângela, conta logo, caralho!
- Tá, calma! Bem, foi tudo ontem. Você lembra que eu fui na casa da Helena, certo? – Assenti – Bem, lá no prédio dela tinham uns garotos que a conheciam e queriam que jogássemos verdade ou desafio com eles. Até aí, beleza. Quando chegou a minha vez de responder e de um menino perguntar, ele, que parecia muito nervoso, perguntou; "verdade ou desafio? " Eu respondi desafio porque não tenho nada a temer. Ele me perguntou qual era minha sexualidade e foi aí que eu entrei em pânico. Só a Helena, você e a mamãe sabem e eu estava meio apreensiva da reação dos outros, mas a Helena me incentivou a dizer e eu disse: "eu sou assexual". Todos os garotos me olharam de um jeito reprovador, menos o que me fez a pergunta. Ele parecia extremamente abalado, aliás. Os três meninos conversaram um tempo entre si e eu e Helena ficamos olhando uma para a cara da outra. Eles falaram com o menino nervoso e se viraram para nós. Um disse: "Só é isso aí porque nunca provou um homem de verdade. Vem aqui para eu que mostrar. " Eu fiquei ofendida e disse que não, que eu sabia o que era e que estava muito bem. Eles se levantaram e me cercaram. A Helena estava sendo segurada pelo menino nervoso. Os meninos me seguraram e começaram a me assediar, mas rapidamente, eu me soltei. Eles acabaram desistindo de tentar ter algo comigo e acabaram só me machucando. Aí os ferimentos no corpo.
- Mas, quê? Carol! Que perigo! Carol, não confie nas pessoas assim. E a helena? Ela fez alguma coisa?
- Quando os garotos foram embora, ela me ajudou, cuidou dos cortes e disse que eram uns babacas.
- Ela está certíssima. E esse olho? Eles não te bateram na cara, né?
- Am.... não. O olho foi.... O papai.
- O que?! O que esse maldito fez contigo?
- Eu cheguei em casa e vi seu bilhete. Entrei e achei que estava tudo certo. Mas ele estava acordado e sóbrio quando fui a cozinha pegar água. Ele não me disse nada e queria fazer o que faz sempre conosco. Eu desviei dele dizendo não, mas ele puxou meu braço. Disse que sou uma pirralha mal-agradecida, que não valoriza o que ele faz por mim. Me deu dois socos e me mandou ir para o quarto, ameaçando me matar se não fosse naquele instante. Agora estou aqui, toda roxa, com esse olho de merda.
- Aquele desgraçado. Eu odeio ele. Carol, você não sabe o quanto eu odeio ele. Puta merda, eu juro que eu ainda mato ele a socos! Vou matar aquele desgraçado a surras!
- Ei, Nico, está tudo bem. Eu estou acostumada. Estamos acostumados. Ele vai morrer, ser caçado pela polícia, sei lá, e nós vamos ser felizes! Só eu, você e a mamãe! Agora vamos, ainda preciso me trocar e temos que ir para aquela escola de merda.
Ela sobe as escadas depois que comemos e, uns 5 minutos depois, já estamos caminhando para a escola. Meu ódio pelo meu pai já era grande. Ele aumenta a cada segundo. Não posso fazer muito pela minha condição, mas um dia farei, e esse dia está próximo. Me despeço de Carol e me dirijo a minha sala. Minha primeira aula hoje é Biologia, uma das minhas matérias menos odiadas, já que odeio tudo e todos naquele colégio. Suspiro e entro na sala abafada, com uma esperança de cair e morrer antes que a aula começasse. Vou até meu lugar e me deparo com um Guilherme me esperando:
- O-oi, Nicolas. Então, você é minha dupla. Quer ficar aqui mesmo?

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