Capítulo 5: Nicolas

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'Mas até que ele é bonitinho enquanto dorme'... Eu coro intensamente quando presto atenção no que estou pensando. 'Nicolas! Isso é coisa que se pense? Principalmente dele? Foco na prova, você precisa dessa nota'. Olho para o papel na minha frente só então começo a de fato prestar atenção na prova de Física. Equações para lá, problemas para cá, e eu encerro a prova. A entrego ao professor e saio da sala. Quando acabo as minhas provas eu gosto de relaxar em algum lugar calmo (que, na grande maioria das vezes, é a biblioteca) e talvez dormir o que não consigo em casa até a próxima aula começar.
Antes da prova, tive aula de português, o que não seria surpresa se eu dissesse que só ignorei o que a professora dizia e fiquei lendo. O bom é que ela não reclama, porque sempre posso me dar bem no final do semestre com uns estudos extras. Eu nunca gostei muito da escola. Eu só queria ir bem para deixar a mamãe e o papai orgulhosos, mas ele começou a beber, ela... bem, ela teve o acidente, e eu, eu tenho que ser melhor ainda agora. Não fui bom suficiente para eles, mas posso tentar ser agora. Talvez eu nunca consiga, mas é a vida. É engraçado porque é verdade.
Saio de onde estava e me dirijo até o vestiário, já que minha próxima aula era educação física (uma das minhas mais odiadas e que eu acho mais inútil). Temos que colocar um uniforme para treinar, então, quando chego na parte dos garotos, vejo que a maioria já está trocada. No meu exterior, eu não demonstro nenhuma emoção, mas no meu interior, eu até me arrisco dizer que fiquei feliz, já que não teria que me trocar com aqueles garotos sarados e idiotas olhando para mim e meu corpo magro. Eles saem do vestiário me deixando só. Claro que não podia tudo dar certo, tinha que ter mais alguém. Guilherme saiu de um dos boxes vestindo apenas um short e segurando a camisa que usava antes. Não gosto de admitir, mas quando ele apareceu daquela maneira, eu dei uma pequena arfada. Se ele ouviu, não deu sinais disso. Ele me olhou com aquela cara de quem não quer nada, mas sabe o que pensei. Ele pôs sua camiseta e saiu, me deixando ali, com um único pensamento na mente: o quão seu corpo era belo.
Depois de trocado, vou até a quadra, onde minha tortura começa. Por não usar outra coisa que mangas longas, meu calor era grande. O treinador nos fez correr a quadra inteira e depois separou três times de vôlei. Fiquei em um time em que não conhecia ninguém. Quem quero enganar? Não conheço ninguém que não seja o Guilherme naquela classe. Os jogos do meu time eram os últimos, assim eu podia me sentar e descansar um pouco. Chegou nossa vez e, enquanto jogávamos, senti uma coisa estranha, como se eu estivesse sendo observado. Olho para a arquibancada e vejo Guilherme me encarando. Bem, sinceramente, não sei se era para minha cara que ele estava olhando, mas tinha certeza de que era para mim. Fiquei um pouco distraído olhando para ele e acabei perdendo uma bola, que caiu ao meu lado. Meu time perdeu por isso, mas quem se importa?
Eu estava suado e já que esse era o último tempo antes do intervalo, decidi que uma ducha não faria mal a ninguém. Esperei todos saírem, como de costume, e me dirigi ao box mais escondido. Me despi rapidamente, tomei minha ducha e me condenei até a morte por ter deixado minhas roupas na mala. Teria que ir buscá-las e vesti-las lá. Eu tenho muita vergonha do meu corpo e das minhas cicatrizes, não quero que ninguém me veja. Ponho uma toalha na cintura e saio, quase voando, até minhas coisas.
Como não ouço nenhum barulho, decido que todos devem ter ido e que estava só, me tranquilizo um pouco. Mas o universo me odeia. Me odeia profundamente e não quer me deixar em paz. Viro na primeira curva e lá está ele de novo, com aquele cara de quem não que nada e aquela camisa que marca seu peitoral. Por que ele tinha que me ver nessa situação? Por quê? Eu me viro e vou até minhas coisas, mas ele não pode me deixar ir.
- Nicolas, o que é isso na sua clavícula? – Ele diz, se referindo a cicatriz feita quando Carol, sem querer, me empurrou escada abaixo.
- Não é nada. É só uma cicatriz antiga.
- Mas o que aconteceu?
Ele põe as mãos nos meus ombros e me faz ficar de frente para ele. Ele está muito perto. Não gosto dessa proximidade, mas antes de o empurrar com força, percebo que suas mãos são suaves e que se eu quisesse sair, ele iria deixar. Ele observa minha cicatriz e olha o resto do meu corpo (fiz questão de que ele não visse meus pulsos). De súbito, ele aproxima seu rosto do meu e traz meu corpo para perto do dele. Eu sabia o que iria acontecer, mas por qualquer motivo, não reagi e não o parei. Eu o vi fechando os olhos, chegou tão próximo que pude sentir sua respiração junto da minha. Mas nada aconteceu. Ele se interrompeu, me soltou e se afastou, muito corado.
- M-me perdoe. Eu...
Finalmente recobrei os sentidos e fiz algo, mas foi algo incrivelmente estúpido.
- Vá embora. – Eu disse dando um leve empurrão nele, o afastando ainda mais.
- Está bem, me perdoe mais uma vez.
Ele pega suas coisas e sai, e eu fico parado ali, olhando para o nada, sentindo meus lábios e as partes onde ele me tocou formigarem. Há muito que eu não me sentia assim. Será que... Não. Não pode ser. Não por ele e principalmente porque eu não deixarei que aconteça de novo. Eu me visto, arrumo minhas coisas e vou para a biblioteca. Tenho que esfriar a cabeça. Ele não devia ter feito isso. Eu não devia sentir isso de novo. Eu não posso. Por conta do meu pai, por conta de mim e, principalmente, pela segurança dela.

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