A 10.000 km de você

Capítulo 7: Nicolas

- Estão liberados. Não esqueçam da lição de casa que eu mandei para a semana que vem.
Finalmente. Não aguentava mais um segundo naquela sala de aula. Não aguento mais um segundo nessa escola, mas ainda tenho que ficar porque tenho aula de japonês. Saio pelos corredores iguais e, se não estudasse aqui a tempos, com certeza estaria perdido. Alcanço a cantina, mas não me sinto com fome. Apenas me sento em uma das mesas e abro meu livro. Meu celular não para de apitar, até que me irrito e pego-o. Carol está me mandando mensagens:

Mensagens on

Carol:
Vou almoçar com vc, ok?
Você:
Ok, estou na cantina já
Carol:
Tá, já to indo
Você:
Ok

Mensagens off

Espero que hoje não haja ninguém além dela mesma, porque, me desculpe, mas não estou a fim de aturar as amiguinhas da Carol. Pensando nela, ela se aproxima da minha mesa com uma expressão que mistura tranquilidade e um pouco de medo. Ela se senta virada para mim e inicia a conversa:
- E aí? Como foi seu dia?
- O de sempre. Aulas, a prova, o trabalho. Nada demais. – Resolvo não contar a ela o incidente com Guilherme. Não estou pronto para isso. Mesmo que ela seja minha irmã, não quero que saiba.
- Ah, que pena. Sabe o Carlos? Então, hoje ele virou para mim no meio da aula de História e disse que gostava de mim.
- Assim do nada?
- É. Mas daí eu disse para ele e ele surtou um pouquinho. E eu meio que cabulei a aula de Geografia.
- Mas Carol, você não pode matar as aulas assim. Não vá virar daquelas meninas que se desligam da escola e tal.
- Eu sei Nico, relaxa. No tempo que era a aula de Geografia, eu fui para atrás da arquibancada e, depois de um tempo, chegou um moleque. Ele me viu chorando, porque eu estava com muito medo de perder o Carlos para sempre, e me ajudou, dando um concelho muito bom. Ele era da sua série, o nome era...
- Nem adianta falar o nome, não conheço ninguém da minha série.
- Aff, Nicolas, você precisa urgentemente sair mais, sério, você vai literalmente morrer sozinho se continuar assim.
Eu sabia que ela falava sozinho não de forma romântica, mas de forma geral, sem amigos e sem companhia, mas eu não fazia questão. Contado que eu tivesse ela e a mamãe, estava tudo certo.
- Não preciso não, estou bem assim. Mas....
- Mas? Eu ouvi você hesitar nesse quesito?
- Como você é besta. Amanhã, eu vou na casa de um colega para fazer um trabalho.
- Será que você pode fazer um favor para mim? – Ela diz, de repente, desfazendo o sorriso costumeiro.
- Claro, o que precisa?
- Seja amigo dele. Se torne amigo desse seu colega.
- Aff, Carol, você me preocupou com essa cara.
- Não, é sério. Se você não vai fazer por pura e espontânea vontade, faça por mim. Eu não quero você sozinho. Está me preocupando. Por favor.
Eu suspiro. Por que ela precisa tanto que eu faça um amigo? Por que ela não pode aceitar que eu estou bem sozinho? Eu nunca vou entender a Carol. Como ela ainda tem contato com as pessoas mesmo sabendo que, basta um dia ruim, elas se tornam outras? Não sei como ela suporta. Parece que a minha irmãzinha é bem mais forte que eu.
- Está bem. Posso tentar.
- Sério?
- Sim, não me faça mudar de ideia.
Ela se levanta e dá um pulinho.
- Ah! Valeu! – Ela me abraça – Muito obrigada, Nico! Tenho que pegar comida, já volto.
- Espera. Eu não estou com fome, então acho que vou pular o almoço e vou direto para a aula.
- Então tá. Só não esquece de comer alguma coisa depois, ok?
Observo ela se afastar e me levanto. Ela vai ficar bem. Hoje ela não tem nada, então vai direto para casa. Espero que aquele desgraçado chegue bem tarde, depois de mim, ou até não volte. Não vai fazer diferença. Mentira, vai sim. Vai ser melhor para nós. Mamãe vai poder ir a um hospital, Carol vai poder usar as roupas que quiser, elas vão ser livres e eu vou ter pago pelo que fiz. Sim, seria o melhor para todos.
Vou até a biblioteca e me sento em uma poltrona escondida atrás da prateleira dos mistérios. Pego meu livro da mochila e leio um pouco. A história é simplesmente fascinante. Adoro como a protagonista vê o mundo e como ela é louca da melhor maneira. Gostaria de ter a coragem que ela tem para enfrentar o mundo. Ela faz o que entende e não teme as consequências. Ela é a melhor. Seu nome é Janie Vivian. Mesmo com esse livro incrível, acabo adormecendo.
Depois do meu longo sono de 10 minutos, vou para minha aula de japonês, que era opcional. Na escola, os alunos podiam escolher de 1 a 3 aulas opcionais, tais como japonês, futebol, artes plásticas, teatro, vôlei, empreendedorismo, entre outros. Minha sala não era longe, na verdade, era do lado da biblioteca. Quando chego lá, a sensei já está pronta e me recebe:
- Kon'nichi wa, Nikorasu-chan. Ogenkidesuka? (Boa tarde, Nicolas. Tudo bem?)
- Hai, genkidesu. Anata wa, sensei? (Sim, tudo bem. E você, professora?)
- Genkidesu. (Bem)
A aula corre bem, nunca percebo que o tempo que passa é mais de uma hora, mesmo que analisar as partículas não seja a minha parte favorita. Acho que não é a de ninguém. Acho que essa aula é a única que eu não odeio. Ela me deixa cada vez mais próximo de vazar daqui e ter uma vida melhor no outro lado do mundo. Isso se eu conseguir decorar essas malditas partículas. Coisa do demônio isso, só pode.
A aula termina. Tenho que ir para casa. Ver como Carol está. Ver como a mamãe está. Vou andando até o portão e tenho que passar pela quadra, onde está tendo o treino de futebol. Observo o jogo por um tempo. Eles são bons. Há um garoto. Ele é mais rápido que os outros. Ele rouba a bola do time adversário, atravessa o campo e marca o gol. Ele é realmente bom. Acho que o melhor do time. Eles estão comemorando juntos e ele se vira para mim. Claro que tinha que ser o Guilherme. Ele me olha por um ou dois segundos e sorri. Eu sinto meu rosto esquentar, então o viro antes que ele perceba que estou extremamente corado. Sigo meu caminho, mas ainda sinto seu olhar nas minhas costas. Como esse garoto pode mexer tanto comigo? A última vez que me senti assim foi... com a Catherine. Não. Não quero isso outra vez. Não quero ser traído e não quero que mais ninguém da minha família se machuque.