Capítulo 11: Nicolas

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            Quando cheguei em casa, esperava ouvir um choro, um berro, batidas, mas tudo estava em completo silêncio. Estava tudo escuro, então vou ver se Carol está bem e quando entro em seu quarto, ela já está dormindo. Saio em silêncio e me deparo com a porta do quarto da mamãe aberta. Entro e encontro ela sentada na beirada da cama, olhando para o retrato de família que há em cima de seu criado-mudo. Acho que faço algum barulho, porque ela vira a cabeça rapidamente e me vê e começa a falar:
            - Você voltou.
            - Mãe... – Será que ela estava consciente e me reconhecendo?
            - Como foi o acampamento?
            Acampamento.... Ah, ela está vivenciando uma memória viva. Ela está lembrando da 6° série, em que saímos para acampar com a escola e fiquei três dias fora. Não sei o que devo fazer nesses momentos, então ajo como se fosse real. Aproveito e penso em como éramos felizes e nem sabíamos.
            - Foi bom, mãe. Eu fiz um amigo.
            - Que bom! Qual o nome dele?
            - Guilherme.
            - Fico feliz, filho. Mamãe está muito cansada e vai dormir um pouco agora. – Quando ela fala que iria dormir, é seu cérebro avisando que se trabalhar mais, iria morrer, isso eu entendi.        
            - Ok, mãe. Boa noite. 
            Saio e fecho a porta, feliz por ter conversado um pouco com ela, mesmo que sobre algo que não é real a mais de 4 anos. Às vezes, o simples fato de ela estar viva me alegra. O fato de eu não ter a matado. O silêncio na casa também me alegra. Essas paredes sempre foram tão barulhentas, me dizendo o que eu não quero ouvir. Ele também não está em casa. Olha essa paz. Como tudo é bom. Poderia viver assim para sempre. Mas não. Uma hora, cedo ou tarde, ele vai voltar. Por enquanto, vou aproveitar a brecha.
            Vou para o meu quarto, tomo um banho e, após terminar, me jogo na cama e olho o relógio. Eram 21:19. Não estava tarde. Decidi fazer alguma coisa, mas não soube o que, então fiquei só deitado na minha cama, pensado, esperando dormir. Pensei em coisas como, por que caralhos, eu falei para a minha mãe que fiz um amigo e ele era o Guilherme? Por que amigo? Por que ele, em questão? Podia ter falado qualquer um. Não estou ficando próximo dele, estou? Isso fica girando em minha mente até eu adormecer.
            "A luz era muito forte, mas eu conseguia vê-lo com perfeição. Ele era encantador. Senti que podia confiar nele, e pela primeira vez em algum tempo dei um sorriso verdadeiro que não fosse para a Carol. Eu não sei. Só me sinto bem. Está tudo cintilando. Eu cintilo de volta."
            Acordo com um sorriso bobo na cara. Que horas eram? Puta que pariu, eu estou atrasado. Já são 06:35, a aula começa as 07:00. Passo voando pelo quarto de Carol para ver se ela já estava de pé, e descobri que a traíra não me acordara. Preparei um leite enquanto caçava meu uniforme pela casa. Fiquei pronto e saí em disparada, já que não poderia pegar a vã. Enquanto eu corria, comecei a pensar no sonho que tive. Que momento importuno para esse tipo de pensamento. Eu mesmo disse que não tínhamos nada, qual é o meu problema? E outra, normalmente, eu não sou fácil assim. Qual é, nós só nos beijamos uma vez. Ao mesmo tempo que eu não quero ter esse sentimento de novo, uma parte de mim diz que não custa tentar. Acho que não vale a pena. Se eu tivesse alguém que me ajudasse com essas questões...
            Chego a tempo da primeira aula, que era física. Iríamos receber as notas da prova e eu estava um pouco ansioso. Acho que não fui muito bem. Fiquei meio... distraído, no dia que fiz essa prova. Aí, deus, aí vem o professor Miles. Quando ele chegou em minha mesa, ele só parou e perguntou:
            - Nicolas, você estava bem na quarta?
            - Estava, sim, por quê? Fui mal?
            - Não, foi muito bem, como de costume, mas parecia distraído com algo. Se quiser conversar depois da aula, sou todo ouvidos.
            - Obrigado, professor.
            Ele deixa minha prova em cima da mesa e parte para o próximo aluno. Viro o papel e me deparo com um 9,8. Acho que tá bom, visto que só errei um detalhe de uma conta. Minhas notas de física geralmente são acima de 9,0, então não dedico tanto tempo a essa matéria. Deveria dedicar mais tempo a química, mas é tão chato e difícil, não dá nem pra gostar nem pra estudar. Normalmente, minhas notas em química são 8,0 pra cima, então não está tão feio, mas só tem caído. Tenho que prestar mais atenção nisso. A aula finalmente começa de verdade e me perco no som do professor falando sobre física nuclear.
            Agora eu teria aula de literatura. Teria que apresentar um seminário a respeito do meu livro favorito. Eu fiz uma apresentação maravilhosa sobre O Fim do Mundo É Aqui, mas a vontade tá -890 de respirar. Mas tudo bem. Tenho que fazer isso. Vou para a sala da professora Mendez, onde ela esperava pelo resto dos alunos. As apresentações começam e poucos fizeram. Quando foi minha vez, apresentei os pontos principais da história, porque era meu livro favorito, as partes filosóficas e a mensagem final. A professora disse que estava bom e prossegui com a aula normal.
            Minha aula livre, finalmente. Como estava com as lições em dia, resolvi ter esse tempo para mim. Eu vou até a biblioteca, ler um pouco. Acabei adormecendo lá, de novo. E o sonho foi o mesmo. Tudo me incomodava a respeito disso, até eu mesmo. Por que agora? Por que ele? Eu sei lá. Parece tão errado. E sabe quem me aparece lá? É, o Guilherme.
            - Te achei! Eu tive umas ideias a mais sobre o traba... – Sua voz sumiu e eu parei de prestar atenção no que dizia. Só estava olhando para ele. Vendo-o. Tendo sua companhia. Quando me peguei pensando nisso, simplesmente não me contive.
            - Tá bom, chega!
            - Quê? O que eu fiz?!
            Eu só saí dali. Ele não sabia que o grito foi para mim mesmo, óbvio. Não podia continuar com isso. Conseguia ouvir ele me chamando e perseguindo, mas eu não ia voltar. Se voltasse, ele ia ver. Ia ver quem eu sou, ver o que eu tanto tento esconder, ia ver sentimentos que eu não queria que existissem. Merda, por que essa fraqueza agora?

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