Capítulo 9: Nicolas

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            Mesmo que ele seja um péssimo aluno, nunca vi Guilherme faltar. Ok que só presto atenção nele há dois dias, mas ainda assim. Tenho, sei lá, pressentimento, que ele não é de faltar, mas não tenho como saber. Não o conheço. Mas isso não importa. Minha aula de japonês já tinha acabado e eu precisava ir para a casa de Guilherme, e tinha que ser rápido, eu tinha 10 minutos. Mandei uma mensagem para ele perguntando onde era e me tranquilizei um pouco, não era longe da escola e não levaria mais de cinco minutos para chegar. Ele não morava longe da minha casa.
            Sua casa era bem simples: um jardim nas janelas da frente, telhado baixo, porta centralizada e as paredes precisando de uma demão de tinta. Eu tinha a impressão de que ele seria um daqueles garotos podres de ricos, mimados, que moram com os pais que, ou não estão nem aí para eles, ou cuidam até demais. Pelo visto me enganei redondamente. Me peguei encarando as flores das janelas e, ao sair do transe, vejo Guilherme me olhando pela janela. Ele percebe que o vi e vem me receber.
            - Oi
            - Oi
            - E aí?
            - Tudo bem. E você?  - Pergunto sem me importar nem um pouco. – Posso entrar?
            - Claro, fique à vontade.
            A casa dele era confortável e cheirava a lareira e família. Tinha uma sala organizada, com um sofá pequeno e uma estante. Em uma poltrona mais afastada, havia uma garota, que logo se apresentou.
            - Oi, seja bem-vindo! Meu nome é Maya. Sou a irmã mais velha do Gui.
            - Hum... oi, eu sou o Nicolas.
            - Você é meio tímido. Gostei! Primeira vez que tem alguém assim em casa. Fique à vontade e sinta-se em casa. Caso vocês precisarem de mim, eu estarei no meu quarto planejando algumas aulas.
            Ela se levantou e subiu as escadas. Guilherme fez o mesmo, então eu apenas os segui. Já em cima, Guilherme se dirigiu a uma porta à direita, abriu-a e entrou no que aparentava ser seu quarto. Não era grande, mas tão confortável quanto o resto da casa. Havia uma escrivaninha em um canto, com um nicho em cima. Sua cama ficava na extremidade oposta, com um tapete separando os móveis no chão. Seu armário era espelhado e não muito grande. Coincidentemente, no teto, havia a mesma constelação que havia no meu.
            - Ok, como quer começar? – Ele diz, se sentando na cama e me encarando – Posso fazer minha parte sozinho ou você quer discutir algo em dupla, sei lá?
            - Acho que temos que separar por partes, tipo, começar por química, seguir para biologia, geografia e, por fim, matemática. No final de tudo podemos fazer uma conclusão que envolva tudo que pesquisamos. Você pode ir pesquisando sobre química e matemática, enquanto eu formato e crio os textos com o que você for achando, então seria bom se me passasse os links.
            - Na verdade, já fiz a parte de química. Fiz na aula de ontem, enquanto você procurava por biologia. Anotei tudo no meu caderno.
            Olho para ele surpreso. Desde quando ele faz as coisas direito? Achei que ia ter muito mais trabalho, mas ele parece realmente cooperar. Talvez seja um milagre na terra, talvez algo esteja o motivando, mas gosto disso. Gosto quando ele se dedica para algo. Não sei por quê. Só gosto.
            - Ótimo. Então, já posso ir montando os textos enquanto você pesquisa sua outra parte.
            - Então tá.
            Ele se levanta, pega o caderno na mochila (aparentemente, não saiu de lá desde ontem) e se senta próximo a mim, talvez próximo demais. Ele abre o caderno na página certa, me entrega e pega o celular para fazer outras pesquisas. Permanecemos assim por bastante tempo; ele pesquisando, eu digitando, no silêncio absoluto. Horas mais tarde, Maya bate na porta.
            - Ou, gente, vou sair um pouco, eu volto pro jantar.
            - Vai fazer o quê? – Pergunta Guilherme, olhando para a tela do celular.
            - Vou encontrar uma amiga.
            Ele assente um tanto distraído, mas agora olhando para a irmã. Ela fecha a porta e consigo ouvir ela descendo as escadas até a porta da sala. Uns minutos depois de mais silêncio, Guilherme me faz uma pergunta um tanto incômoda:
            - Hey, Nicolas, você já namorou alguém?
            - Eu... Bem... – Gaguejo um pouco relutante, tentando decidir se devo mentir. – Já. Namorei uma menina chamada Catherine.
            - Ah.. você parecia hesitante. Por quê?
            - Ela, bom... Ela me traiu. Acho que não gostava de mim de verdade. E você? Aliás, por que pergunta?
            - Eu nunca namorei ninguém, só fiquei. E pergunto por curiosidade. Achei difícil você ter namorado, por ser, sei lá, mais recluso. E sinto muito. Pela traição e tal.
            Sinto que ele não está sendo totalmente sincero. Não sei em que ponto, mas sinto. Sei que, se eu tivesse sido bom o suficiente para a Cath, minha mãe não estaria do jeito que está. Eu nunca teria gritado com ela e ela não teria se machucado. Acho que esse é meu maior erro da vida, depois de ter nascido. Mas tudo bem, por enquanto. Posso ir me punindo aos poucos.
            Volto ao quarto de Guilherme e agora ele está mais perto do meu corpo, se isso é possível. Ele sai do meu lado e fica de frente para mim. Já não tenho meu computador no meu colo, ele está ao meu lado, mas não me lembro de tê-lo colocado ali. Guilherme me olha nos olhos e agora que percebo que seus olhos são incríveis. Eles misturam o verde folha vivo e o marrom chocolate. Mudam de cor conforme a luz. Parecem esmeraldas recém-descobertas, ainda sujas de terra, mas não perdem seu brilho e beleza. Ele se aproxima. Eu também me aproximo dele, tão próximo que posso sentir nossas respirações se unindo. Fecho meus olhos lentamente e sinto seu cheiro: cacau, menta e calma. Meu coração acelera e selamos nossos lábios em um beijo. Um beijo que queima, mas não machuca, que fere, mas não dói, que castiga, mas perdoa. Ponho minhas mãos em seu cabelo e suas costas, e ele, em meu rosto, acariciando mesmo depois de alguns segundos.
            Não quero que o momento acabe, mas precisamos de ar para viver, então nos separamos pela falta dele. Nossos rostos não estão tão distantes, posso sentir sua respiração ofegante contra minha pele. Ele se afasta mais, como se percebesse o que fez. Olha nos meus olhos e faz uma pergunta silenciosa. 'Tem problema?'  Respondo da mesma forma. 'Acho que não.'  Ele passa o polegar pelo meu maxilar e me beija novamente, mas, dessa vez, é como se pegasse fogo. Não me queimo, mas ele não tem ideia de como eu queria que ele me queimasse, que deixasse uma marca, mostrasse que sou seu.

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