Capítulo 8: Guilherme

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O treino termina, e eu vou para casa. Nada demais me espera por lá, mas tudo bem, a companhia da minha irmã é suficiente. Se bem que nem sei se ela é menina hoje, por ser gênero fluido e tal. Espero não ter que ouvir um drama todo de novo por não a respeitar e confundir me. Na maioria das vezes, ela se identifica com o gênero feminino, mas nunca se sabe. Às vezes, eu me irrito profundamente com ela por conta disso. Ela não sabe se manter estável. Talvez nem queira ser estável, mas podia não descontar em mim. Poxa.
Ao chegar, no carpete tem um recado de Maya: "Saí pra comprar pão. Já volto. E antes que você erre, hoje é ele e dele." Que ótimo. Hoje, Maya é garoto. Ele fica horrivelmente arrogante quando é garoto. Mas tudo bem, já aprendi a conviver. Entro e vou para o meu quarto. Lá, olho para o relógio. São 17:30. Cedo ainda. Decido tomar um banho. Um tempo depois, saio do meu quarto com uma toalha na cintura, descendo as escadas até o andar de baixo para achar uma cueca para usar, já que na gaveta não tem nem uma. Apoiado na ilha da cozinha, encontro meu irmão mexendo no celular com uma sacola que cheirava a pão fresco na sua frente. Ele distrai os olhos do celular e olha para mim.
- Gui! Oi!
- Hum... Oi, irmão.
- Já falei, quando eu for homem, você pode me chamar de Alex.
- É que eu esqueço.
- Cabeça de vento. Mas enfim, tenho que conversar contigo, a polícia veio aqui hoje de manhã.
- Veio? O que queriam?
- Queriam saber como as coisas andavam e queriam saber se eu estava sendo responsável sobre você. Eu disse que sim, e que cuido de você direito. Tem escola, comida, uma cama para dormir. Eles olharam para mim com deboche e disseram que, um dia, eu perderia a guarda sobre você.
- Mas oshi, por quê?
- Eles só me odeiam, por eu ser o que sou. Eu sei lá, Gui. Acho que eles querem arranjar intriga conosco. Não podem nos deixar em paz um pouco. – Ele se vira e fecha os olhos como se estivesse muito cansado.
- Ah, um amigo meu vem aqui amanhã.
- A é? Quem é dessa vez? Ben? Júlio? Logan?
- Não. É um garoto chamado Nicolas. Vamos fazer um trabalho de escola sobre amor.
- Hum... – Ele diz, provocativo – E vão fazer algo mais?
- O- o que você quer dizer com isso? – Eu digo, sentindo meu rosto esquentar – Eu não vou pegar ele. Ele é um garoto.
- E? Seria lindo você namorar um garoto depois de pegar quase todas as meninas do colégio.
- Que?! Você não sabe o que diz! – eu digo me afastando e ouvindo a gargalhada dele.
O que ele queria dizer com "Fazer algo mais"? O que ele quer que eu faça? Imagina, eu pegando um garoto na minha casa. Mas não é qualquer garoto. É o Nicolas. Ele é tão bonito, será que faria mal...? O QUE EU 'TÔ 'PENSANDO?? Presta atenção, Guilherme. Você nem conhece o moleque direito e ele te odeia. Se liga. E aquele dia, o que eu estava fazendo? Me aproximar daquele jeito? O que está acontecendo? Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos e finalmente acho a peça que procurava.
Volto para meu quarto, me visto e me deito na cama, apreciando o desenho que minha mãe fez de mim e da minha irmã quando era viva. Meus pais morreram em um assassinato quando eu tinha oito anos. Eles tinham saído para jantar e me deixado com Maya em casa. Quando estavam voltando para casa, um ladrão os interceptou. Não disse que era um assalto, não disse nada, apenas apontou a arma para os dois e os matou. Minha mãe era desenhista e meu pai, policial. Eles prometeram que sempre ficariam juntos, mas acho que não imaginavam morrerem juntos, muito menos dessa forma. Eu sinto falta deles. Principalmente, dela. Acho que desenhar para mim é uma forma de me sentir próximo a ela.
O relógio mais próximo indicava 20:15 quando me levantei. Eu teria dormindo isso tudo? Amaldiçoei tudo que pude por saber que não dormiria quando devesse, mas de qualquer forma desci, sentindo o cheiro maravilhoso que emanava da cozinha. Meu irmão não gostava de admitir, mas ele era incrível na cozinha. Eu sei que ele ama cozinhar, mas ainda insiste em trabalhar com línguas. Ele realmente é muito teimoso. Quando finalmente chego, ele está na frente do forno retirando algo que pareciam brusquetas. Sei que o cheiro estava incrível.
- Sério, você deveria sair daquele trabalho de merda e ir para a faculdade de gastronomia. Sério, Alex, você cozinha muito bem.
- Eu já disse que não dá. Não tenho dinheiro para pagar a sua escola mais a minha faculdade. Esse emprego não paga o suficiente e eu não consigo achar outro.
Isso é um pouco frustrante, porque sei que o talento dele está sendo jogado fora. Pelo menos, eu ainda consigo provar da comida deliciosa dele.
- Será que... você pode cozinhar amanhã?
- Por quê? Quer impressionar o garoto?
- Não, é que eu quero que mais alguém prove do seu talento. – Ele cora um pouco e agradece. É legal ver ele ficar sem graça quando faço elogios.
Comemos em silêncio, ocupados demais para falar. Hoje, a louça é responsabilidade minha, então fico mais tempo na cozinha do que esperava. Eu só queria ir para o meu quarto e fazer qualquer coisa até sentir sono e dormir. Lavei e sequei a louça. Guardei tudo e, a caminho do meu quarto, vejo um Alex dormindo no sofá. Ele está muito cansado. Ele devia fazer mais do que gosta e trabalhar menos. Ele não se dá um tempo. Entendo que não queira que eu vá, mas isso é realmente necessário? Ele ainda vai morrer de cansaço. No meu quarto, só vejo quando me deito.
Eu me enganei profundamente quando pensei que não ia dormir de noite. Eu dormi até demais e perdi a hora. O relógio mostrava 10:07 quando me levantei, então já não dava para ir para escola. Fiquei em casa, fazendo um desenho ou dois enquanto esperava o Nicolas chegar. Por algum motivo, eu estava ansioso.

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