4. o presente perfeito

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Infelizmente, nada se podia evitar na vida comparado à algo que você detesta fazer ou que não imaginava vivenciar. Eu estava praticando essas duas coisas, e encontrava forças no pensamento de que quando voltasse para casa encontraria minha cama aconchegante com uma televisão ligada e um café quente para amenizar o frio e a chuva repentinos que chegaram pela noite passada.

Desta vez, minha tarefa era ajudar minha mãe a comprar os materiais e presentes antecipados - faltava uma semana - para o aniversário da sua colega favorita do grupo de mães, a senhora Son.

Nossa casa podia-se comparar com uma cidade pequena por três motivos: ser demasiado organizada, abrigar uma família pequena de três mulheres, e por todo mundo saber de algo em minutos, como uma fofoca carregada de vírus e que não para de ser repetida. A senhora Son está no topo da cadeia alimentar das fofocas. Mamãe adora falar dela e de sua filha para nós, o quão madura e responsável a senhora Son é, na sua coragem de ter enfrentado um divórcio difícil e criado uma filha no meio do caos de seus sentimentos e da sua família perversa, e sobre o exemplo de menina que sua filha era - nessa parte, eu nunca sabia se mamãe usava a filha da senhora Son como algo para nos impulsionar a melhorar nossa personalidade, ou jogar na nossa cara que éramos fracassadas mesmo.

E com o primeiro aniversário da senhora Son junto do grupo, mamãe arranjou a oportunidade perfeita para tomar liderança em uma atividade e mostrar o quão agradecida ela era pela existência de sua melhor amiga. Yeojin e eu achávamos isso uma forma bem exagerada de pensar, e Kahei acreditava que minha mãe estava apaixonada pela colega de grupo.

O que não era descartável, pois mamãe já se relacionou com mulheres antes de conhecer papai. Era o que nossa vó nos contava - mas não muito confiável, pois ela sofre de demência.

- Tudo certo aí, filha? - Gritou mamãe a duas fileiras separada de mim na loja de presentes. Pensei rápido se ela acabaria não sofrendo dos mesmos sintomas de vovó. Afinal, doenças hereditárias existem, correto?

- Tudo certo, mãe. - Respondi meio morta.

- Achou o presente certo para dar à senhora Son? - Gritou outra vez, e tapei os ouvidos um pouco.

- Ainda não! - Passei os olhos pela prateleira pela quarta vez, sentindo que minhas vistas acabariam saindo das órbitas de tanto tédio. Não era novidade que eu odiasse festas de aniversário, tanto as dos outros como a minha. Nem era pela questão de que estamos mais próximos da morte e etc., apenas achava ridículo comemorarmos o dia em que nascemos. E culpo o meu pequeno trauma de infância, quando uma vez, meu pai chegou completamente chapado bem na hora do parabéns na minha festinha de cinco anos.

É inesquecível, porque dois meses depois minha mãe abria o divórcio e se mudava com a minha irmã de dois anos e eu para uma cidade desconhecida, mais urbanizada e uma vizinha de cabeça pequena e xereta.

Mas no fundo eu fazia um esforço, ao menos pelas considerações com a minha mãe, e tentava ao máximo decidir o presente ideal. O que uma senhora solteirona de quarenta anos gostaria de ganhar da melhor amiga também solteirona de quarenta anos? Eis a grande pergunta universal.

- Heejin? - Viro a cabeça para a esquerda, e vejo Hyunjin me encarando com os olhos brilhantes. Um sorriso angelical se projeta em seu rosto perfeito, e meu coração se derrete todo.

- O-oi, Hyunjin... Tudo bem? - Imediatamente, Hyunjin vem me abraçar como cumprimento, e paraliso completamente. Seria um sonho tornando-se realidade? Eu estaria vivendo dentro de uma história clichê de relacionamento adolescente?

Meus sentidos precisaram de alguns segundos para remanobrarem e voltar à realidade, que por sinal, era muito mais acolhedora e doce.

- O que você está fazendo aqui? Precisa de ajuda? - Perguntou, e tudo o que pude fazer foi responder com um balançar de cabeça. Hyunjin analisou a prateleira qual eu estava direcionada, e disse: - É um presente? Para quem?

- U-uma mulher de quarenta anos, solteira e com uma filha. - Hyunjin parece ter abaixado a cabeça quando falo da tal "filha", e rapidamente acrescento: - Mas está difícil justamente porque não conheço a mulher e tampouco a filha dela. Apenas que é amiga da minha mãe.

- Ah, então fica fácil de escolher! - Hyunjin levou a mão ao queixo, chegou perto da prateleira, e dois minutos depois, me entregava um gato da sorte chinês.

Observei aquele presente com aparente dúvida.

- Não sei se ela acredita em religião, mas em sorte, bem provável que sim. -Hyunjin dá de ombros. - É um gato bonito, combina com qualquer decoração, e tem um significado bonito. Uma mulher na idade dela procura encontrar algo no que acreditar, e precisa se estabelecer ao lado de coisas bonitas. Acho que ela vai gostar. E você?

Nos entreolhamos fixamente, o mundo parando ao nosso redor para aquele momento, e meu coração entrando em ritmo diferente do qual estava antes, entrando em sincronia com algo inimaginável. Sorrio, acreditando no gato da sorte.

- Achou o presente, filha? - Mamãe apareceu de repente atrás de mim, dando um susto em nós duas, e vendo o que eu carregava nas mãos. - Um gato da sorte! - Exclamou. - Que ideia magnífica! Ela vai adorar!

- Na verdade, foi ideia da Hyunjin. - Apontei para a garota angelical, e suas bochechas ficaram avermelhadas. Segurei a vontade de apertá-las.

- Oh, muito prazer! Você tem bom gosto. - Ambas fizeram uma reverência à outra, e Hyunjin agradecia em voz baixa, dizendo que fora um pequeno chute, mas que ficava feliz em contribuir.

Hyunjin nos ajudou com as compras até na hora de sair. Mamãe ofereceu carona, mas a garota negou, argumentando que morava próxima a loja.

- Então, nos vemos por aí, Hyunjin. - Mamãe se despediu, entrando dentro do carro. Fiz o mesmo, depois de acenar repetidas vezes à garota, que se ia para trás da loja de presentes saltitando.

Mamãe pegou uma bala do porta-luvas, seu sorriso espandindo-se de orelha à orelha.

- Não sabia que você tinha feito uma nova amiga, Heejin. - Olhou-me espantada, mas orgulhosa. - Fico feliz que você mantém contato com alguém além de Yeojin.

Quando ia responder, me toquei de uma coisa; aquilo fora pura sorte. Era pouco provável que eu encontrasse Hyunjin de novo, se eu não pegasse algo para manter contato. E isso incluía o telefone da mesma.

- Obrigada, mãe! - Gritei, correndo para fora do carro em direção aonde Hyunjin foi embora, e dobrando a esquina, me deparo com uma cena terrível.

Não dá para confirmar vendo de tão longe, mas em uma das casas da rua, a janela da frente está aberta, e consigo ver duas pessoas brigando. Uma, aparenta ser uma mulher obesa de idade. A outra, uma versão chorosa e completamente machucada de Hyunjin.

eu, tu, nós e eles ☆ loonaOnde histórias criam vida. Descubra agora