Meias verdades

3.7K 434 547
                                    

Fui caminhando com Naruto pelo modesto apartamento, sem que ele esboçasse reação alguma. O que estava me incomodando profundamente. Aquele era meu xodó, eu o consegui com muito esforço e meses de salários que precisei guardar, para poder dar entrada naquele pequeno apartamento. Me desdobrei no estúdio de fotografia e nos freelas de final de semana, para conseguir juntar dinheiro. Naruto precisava elogiar o apartamento, eu me sentia como uma mãe, que apresenta o seu filho para alguém e a pessoa não dá a mínima.

— Gostou? — eu quis saber, quando entramos no quarto que seria dele.

— É legal, pra mim tá ótimo, eu nem paro em casa mesmo. — deu de ombros e eu quase o estapiei por ser tão inexpressivo.

— Ótimo, então vamos acabar logo com isso. — fui saindo e acho que Naruto percebeu que me desagradou, pois veio atrás de mim assim que pisei fora do quarto.

— Desculpe, Hinata — pediu, tocando sutilmente meu pulso, o que me causou um arrepio estranho por todo meu corpo. Afastei-me e toquei levemente o local, visando cessar o formigamento. Naruto notou e não tentou mais me tocar. — Seu apartamento é lindo, bem decorado, é o melhor lugar que eu poderia encontrar, sério. Eu só tô passando por alguns conflitos, o que me tira um pouco o gosto das coisas.

— Ah — foi só o que eu disse inicialmente, contudo, após alguns segundos de silêncio constrangedor, continuei: — Sinto muito, se quiser desabafar, estou toda ouvidos. — ofereci, educada.

— Seria bom falar com alguém — refletiu, eu não o pressionei — Quer mesmo ouvir?

— Quero. — assumi, qual é, eu precisava conhecer a pessoa que moraria sob o mesmo teto que eu. 

Era o mais sensato a se fazer. Vai que Naruto era um serial killer enrustido? Era minha obrigação sondá-lo.

— Bom... — iniciou, eu fui até a geladeira para incentivá-lo e retirei duas long necks sem álcool bem geladinhas de lá, dispondo estrategicamente sobre a mesa de centro.

— Agora é só dizer o que te aflige. — Naruto esboçou algo que foi parecido com um sorriso nos lábios, mas não chegou a ser de fato. E era melancólico, quase de dor.

O que me fez reparar mais a fundo em seus traços, que de tão absurdamente hormônios, chegavam a ser ofensivos. Tudo nele reluzia, dos olhos estupidamente azuis, ao tom de pele bronzeado, contrastando com os cabelos dourados. Naruto era o próprio sol, eu só não saberia dizer se ele fazia do tipo que queimava ou apenas aquecia.

— Reencontrei uma garota que eu conheço há bastante tempo, mas ela está com graves problemas e não tem a mínima ideia — iniciou e eu foquei no homem sério sentado em meu sofá, tomando uma cerveja.

Pelo que parecia, Naruto já sentia-se em casa.

— E por que não conta pra ela? — sondei, para entendê-lo. 

— Acabamos de nos reencontrar e ela não lembra de mim — suspirou — Eu não posso chegar despejando verdades em cima dela, não sem antes prepará-la para isso. É complicado.

— Que barra — me ouvi dizer e estava realmente sentida com tudo o que ele me contou. — Não há diálogo nesse caso? Optar por contar a verdade doa a quem doer? Se ela está com problemas tem o direito de saber, não acha? — acabei tomando as dores da garota misteriosa.

— Já tentei, mas eu não posso revelar nada agora sem tomar decisões difíceis. Fechar algumas pontas soltas. — estremeci diante de seu olhar atento — Além disso, eu queria que ela lembrasse de mim, de nós. — sua voz soou tão ressentida nesse instante, seus olhos travados nos meus, que foi como se a garota fosse eu.

— Caramba, ela devia lembrar — opinei, sem saber ao certo o que ele queria ouvir.

— Pois é, então, obrigado mais uma vez por me abrigar. — mudou de assunto subitamente e dessa vez esboçou um sorriso completo, cheio de dentes, com direito a evidenciar os risquinhos charmosos nas bochechas.

A tristeza e preocupação de outrora esquecidas.

— Disponha, só cumpra sua promessa de não tornar minha vida um inferno. — brinquei e dei uma risadinha abafada.

— Pode contar com isso, Hinata — tornou a garantir, olhando-me nos olhos — Você acha que podemos, tipo, ser amigos? — propôs e eu me vi diante de uma possibilidade que não havia pensado ainda.

— Tudo é possível, desde que aja respeito. — afirmei, neutra.

Naruto assentiu lentamente e mudou a rota da conversa novamente:

— Agora me fala um pouco de você, como são seus pais? No que trabalha? — tagarelou e eu senti um arrepio na espinha, um arrepio de tristeza.

Recordando que eu não tinha pais, fui abandonada muito nova e quem me criou foi a vó Chio, que infelizmente me deixou também há dois anos. Além da Sakura, eu era sozinha na vida e isso me doía mais do que eu demonstrava para todos.

— Eu não tenho pais. — fui curta e seca, aquela ferida jamais cicatrizaria.

Eu seria sempre marcada pelo abandono, ninguém poderia mudar essa estatística ou amenizar as marcas que a solidão me causou. Vovó era um amor comigo e fazia tudo por mim, mas eu ainda sentia falta de ter um pai e uma mãe com quem eu pudesse contar.

— Ah, me desculpe. — a expressão que Naruto assumiu foi impassível, ao ponto de pairar um silêncio extremamente massacrante entre nós. 

— Tudo bem, já superei. — menti e forcei um sorriso, que saiu mais falso que nota de quatro reais, prosseguindo em seguida: — Bom, fora isso, eu sou fotógrafa e desempregada. — frisei, sem querer soar rancorosa, mas já soando — Estou trabalhando por conta até encontrar outro emprego fixo. Não tenho pais, não que eu saiba pelo menos. Mas tenho minha melhor amiga, que é praticamente minha irmã. Acho que é isso, não sou interessante, muito menos minha vida.

— Para mim você é mais interessante do que pensa — respondeu e eu franzi o cenho sem entender — E, cara, você é fotógrafa, tem noção do quanto isso é demais? Eu trabalho com números, a coisa mais chata que pode existir nesse mundo. — ele riu, um sorriso curto e rouco, apoiando as mãos atrás da nuca descontraído.

Tive a leve impressão de que Naruto estava querendo me distrair. Só impressão mesmo.

Contudo, naquele momento, conversando com ele, eu verdadeiramente acreditei que poderíamos ser amigos.

Ou talvez eu estivesse completamente equivocada. Mas, por hora, eu não tinha como saber e estava confortável para mim, não ter essa certeza pairando sobre o início dessa nova fase das nossas vidas.

— Agora me fala sobre você, eu também tenho o direito de saber, não acha? — joguei, para descobrir algo palpável de Naruto.

— Bom, eu também sou órfão então entendo perfeitamente o que você sente. — despejou e eu mordi o lábio inferior, sentindo imediatamente uma ligação estranha se formar entre nós. — Não disse nada porque não gosto do olhar de pena que as pessoas me lançam sempre que eu falo minha condição. Só que como você também é, acho que a perspectiva muda. É diferente. — concluiu, analisando atentamente minha reação.

— Sinto muito — foi minha resposta. — Sei como se sente de verdade.

— Eu sei que sabe, aliás, sua amiga Sakura sempre quis me apresentar a você. Mas eu namorava e não achava sensato. — explicou e eu arregalei os olhos, então ele sabia que éramos amigas? — Acho que ela pensa que vamos ficar juntos por sermos órfãos. — ele riu, descontraíndo.

Entendi tudo, ou quase tudo.

Sakura queria que ele morasse comigo por esse motivo. Ela não gosta de mencionar meus pais ausentes porque eu sempre fico triste. Talvez quisesse me apresentar Naruto para me animar, não sabia ao certo, porém alguns pontos começaram a se esclarecer na minha mente após essa confissão.

— Sakura é assim mesmo. — concordei sem graça e, por um milésimo de segundo, foi como se eu de fato já o conhecesse de longa data.

Destinos entrelaçadosOnde histórias criam vida. Descubra agora