Questão de Perspectiva

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 Melancólico, olhava para o teto escuro de seu quarto, deitado em sua cama bagunçada, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo. Não sabia dizer que horas seriam, mas não fazia diferença. Em sua cabeça passavam cenas de tudo que acontecia, ou não acontecia, em sua vida. Aos dezesseis anos ainda não tinha grandes conquistas na vida. Seus pais eram divorciados e não lhe davam muita atenção. Esta que, além de escassa, era dividida com seus dois irmãos mais novos. Abandonara a escola com pouca idade. Tanto suas tão odiadas aulas de violino, quanto seus estudos acadêmicos, no fundamental. Não se importava muito com nenhum dos dois. Não lhe serviriam de nada, em sua opinião. Queria algo do qual realmente gostasse. Também pensava em seus poucos amigos durante a vida. Somente um ainda estava ali, intacto, depois de todos os anos, lhe apoiando como podia sempre que necessário. E em sua época de depressão, que esperava ter conseguido vencer, depois de tantos remédios e terapeutas e psicólogos.

Revirou-se na cama, mergulhado em pensamentos conflitantes, que rodavam sua cabeça. Logo teria que se alistar no exército e começar a votar, mas não se sentia pronto nem para sair de seu quarto e conversar com sua família do outro lado. Sempre fora ruim em interações. Nunca fizera muitos amigos. Devia ter tido, ao todo, talvez quatro amigos com quem conversara mais relaxado e, desses, apenas um com quem realmente se abriu e falou sobre a vida e coisas aleatórias sem se preocupar.

Suspirou, frustrado, sentando-se na cama. Já tinha dezesseis e não fizera nada produtivo ou significativo em sua vida ainda. Não tinha amigos, não terminara de estudar, não tinha emprego, não tinha grandes talentos visíveis, não tinha nem tempo pra fingir que estava fazendo algo útil. Olhava para trás, para seu passado, e não via nada que pudesse aproveitar. Nada útil.

Tudo de útil que via, sua esperança, estava no futuro que queria e sonhava ter.

Levantou da cama, andando até o banheiro com um leve sorriso de ironia brincando no canto de seus lábios. Ignorou a luz, deixando-a apagada, e abriu a torneira, lavando seu próprio rosto e olhando se no espelho. Apesar de tudo, de certa forma, era muito feliz só por ser quem queria ser. E mesmo sabendo de todos os seus defeitos, ainda tinha alguém pra jogar isso em sua cara e tentar animá-lo depois. Isso, e apenas isso, o fazia querer seguir em frente e alcançar os sonhos que já ouvira de tantas bocas ser algo impossível. Ainda não sabia direito que caminho seguir na vida, mas deveria ser algo do qual gostasse. Não viveria nunca fazendo algo do qual não gostava. Não se importava com os pensamentos e comentários dos outros, que diziam que este precisava estudar para ter um emprego, para poder sustentar uma família, casar com alguém, ter dois filhos, um cachorro em um condomínio e viver até os setenta anos, quando acabaria tendo uma parada respiratória e morrendo de insuficiência cardíaca. Achava isso ridículo e pensava que poderia fazer o que quisesse com sua vida e, de preferência, vivê-la de forma que se sentisse feliz quando esta chegasse ao fim, com o sentimento de que fez tudo, não com o de "poderia ter feito isso" ou "tanta coisa que eu ainda queria fazer".

Andou de volta para seu quarto, com uma ideia perturbadora em sua cabeça, pronta para ser posta em prática. Pegou uma folha de caderno, arrancada do próprio as pressas, na qual escreveu uma breve carta a sua família, deixando-a dobrada em cima de sua mesa, onde achariam com facilidade ao procurá-lo para que comece algo. Mandou uma mensagem para seu melhor amigo, avisando o que faria, pedindo sigilo e prometendo que voltariam a se ver um dia. Sabia que este não visualizaria a mensagem antes de passadas várias horas a partir do horário de envio, mas não se importava. Abriu a gaveta de sua mesa, pegando lá dentro seu canivete e trezentos reais em dinheiro. Presentes de seu último aniversário, de parentes que não se importavam consigo, mas tentava disfarçar descaradamente e de forma falha. Já tomara sua decisão. Nada o faria mudar de ideia agora.

Andou até a cozinha, porta de saída da casa, pegando uma maçã e abrindo a porta, saindo pela frente. O dia amanhecia, indicando que deveriam ser por volta de seis horas da manhã. Não sabia que dia era. Cansara daquela vida. Não tinha um plano muito extenso. Sairia pela porta, pegaria carona ou um ônibus para outro estado com o dinheiro que tinha e começaria uma vida nova, do zero. Com todas as dificuldades e problemas pelos quais sabia que passaria. Mas estava disposto a encarar frio, fome e rejeição para não viver mais na mesmice de seus dias e poder descobrir em que era bom e ter um trabalho de verdade, com algo que gostasse, ganhando um mínimo que economizaria, moeda por moeda, para poder curtir com algo que realmente quisesse, como, por exemplo, pular de paraquedas, ou fazer aquele curso de japonês com o qual sonhava desde seus onze anos. Poderia seguir sua vida com a certeza que não era um peso para seus parentes e descobrir as nuances do mundo de perto e por si só. Estava decidido. E assim o fez, dando as costas para a casa onde vivera a vida toda e caminhando em direção à sua vida verdadeira.

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