2007

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   — Por que eu sempre tenho que ir junto? Sei que é legal pra você, mas sempre fico cuidando dos filhos bobos das suas "queridas amigas". — Falei com um pequeno deboche na entonação enquanto fazia aspas com os dedos de ambas as mãos, o que fez a motorista me lançar um olhar repreendedor — Assim não dá pra aproveitar. — Disse apoiando meus braços na porta do carro para observar a pequena estrada que separava nossa casa da praia.

   Mesmo que eu amasse o lugar com todo meu ser, a ideia de não poder me divertir com tudo que eu poderia fazer por lá já me deixava irritada. Podem dizer que era frescura, porém todos sabemos que garotos de 10/11 anos são simplesmente insuportáveis e imaturos. Talvez se uma das moças que minha mãe conversava tivesse uma filha, eu não sofreria sozinha.

   — Me desculpe falar assim, parecendo que sou ingrata de sair o que não é o caso e tu sabe, mas eles são um pé no saco e ficam se pendurando em mim. Eles não têm idade mental suficiente ao menos para entender o porquê eles estão o fazendo, entende? Não que eu me ache super inteligente ou mais capaz, muito pelo contrário! Tenho muito que aprender ainda. — Respirei fundo após falar tudo em um folego só, não teria outra oportunidade de ser sincera com ela quando chegássemos no local. — Só acho esses meninos não querem brincar das mesmas coisas ou fazerem igual a mim e ficarem parados apreciando a luz do sol e o mar a frente. Não posso ficar cinco minutos com os pés na água em silencio que eles jogam terra molhada no meu corpo.

   — Pelos meus queridos deuses, só sabe reclamar, hein America! — A senhora de cabelos escuros como a noite inspirou fundo para se acalmar e continuar falando. — Dessa maneira não vai dar mais para que fique em casa. Nunca vi criança com um espírito tão velho quanto o teu e olha que você sabe bem onde a gente mora! Sabe...

   A mais velha fez uma pausa como se estivesse pensando em algo sério, o que na mesma hora me deixou em pânico, estava associando o que ela tinha falado anteriormente com seu rosto e o medo que eu estava era muito real.

   — Já pensou em ir pra um asilo jogar bingo com o pessoal lá? Tenho certeza de que irá se dar extremamente melhor com eles do que com as pessoas da sua idade! — Ela fez uma pausa apenas para sorrir quando soltei todo o ar dos meus pulmões em uma risada escandalosa de nervoso. — E sabe que mais? Vou mandar você pra lá amanhã mesmo, ta decidido!

   A pequena senhora deu um tapa leve no volante com sua destra que logo foi parar na lateral do meu tronco para arrancar uma risada de felicidade de mim, o que acabou dando certo pois eu sentia muita cosquinha na região.

   — Dessa vez eu prometo que vai ser bom. Cada uma vai cuidar do seu pois ninguém merece ficar de babá sem ser paga, principalmente dos garotos tormento — ela soltou uma risadinha do apelido que ela e suas amigas tinham dado aos meninos — e outra, você passou nas provas com nota boa, então creio eu que é um bom presente, certo? — Ela piscou para mim e soltou sua atenção total para a estrada.

   Para algumas pessoas um dia na praia é normal, mas quando se trata de algo que estou envolvida tem que ser estranho. Se existisse um prêmio de ser estranho com certeza eu ganharia, imagine comigo.

   "Apresentamos America, ganhadora de Ser Vivo Mais Estranho do Mundo, ela irá entrar para o livro de recordes e ainda por cima também está indicada para Pessoa Mais Trouxa, senhoras e senhores!"

   Fugi muito do raciocínio, não é? Me desculpem.

   No fim da tarde quando eu estava apenas caminhando tranquilamente na beira do mar, senti meus pés formigando e minhas pernas coçando como se houvesse milhares de formigas me picando ao mesmo tempo - mesmo que ali naquele lugar fosse impossível me lembrou que alguns anos antes tinha caído sentada em um formigueiro perto de casa e isso me fez quase ir para o hospital.

   Assim que me abaixei para coçar as "picadas", a sensação foi para as minhas mãos, braços e ombros. Em questão de segundos todo meu corpo doía e coçava num desespero que era quase impossível de descrever em palavras, acho que o mais perto, mesmo assim ainda muito longe seria repugnante.

   Minhas pernas não conseguiram me aguentar por mais de um minuto e eu caí sentada na areia tremendo de dor em toda e qualquer parte do meu ser. Minha mãe estava longe e eu não conseguia abrir a boca para gritar por ela.

   A água mal me tocava onde eu estava, eu não sabia o que fazer, minha mente estava apagando e tudo ficando escuro, então me veio a mente algo que ouvi da minha mãe.

   "Todos os elementos são seus amigos, você só tem que saber como pedir por ajuda, mas como todo relacionamento não pode abusar deles ou você provavelmente não estará aqui para manter a relação."

   Não custava tentar e não havia outra saída.

   Respirei fundo para me concentrar e juntei toda a força que restava no meu corpo para pedir, implorar, para que o mar me ajudasse. Meus olhos foram se fechando ao mesmo tempo que senti a água tocar meus pés e me puxarem para dentro dela. Aos poucos meu corpo ia sendo envolvido e abraçado pelo elemento que me acolhia como igual, com respeito e carinho.

   O mar estava tão calmo e sem ondas que parecia um mero oceano de travesseiros macios, então toda sensação ruim passou depois de alguns minutos e eu não podia estar mais aliviada, me sentia incrivelmente leve e mole, pensei até que eu tinha me transformado no liquido que me acolhia.

   Mas como aquilo era possível? O que aquilo significava?

   Por um momento fiquei tão entretida em descobrir como eu tinha conseguido ficar mais anormal do que eu já era que mal percebi que quando comecei a nadar de volta para onde os outros estavam as ondas se formavam novamente no mar. Quando senti a água me empurrando eu parei, observei ao redor e tudo estava parado exatamente do mesmo jeito que segundos antes. Mesmo estando com uma incógnita na cabeça eu tinha que ir embora, já estava escurecendo.

   Ao voltar a forçar meu corpo para frente com mais força na água as ondas aumentaram e se formaram grandes em cima de mim me levando até a beira da praia com força total. Então eu corri na direção de minha mãe que estava em volta de uma fogueira com as outras, tentei ao máximo transparecer que nada havia acontecido até a hora de ir embora. Fiquei em silencio pensando durante todo o trajeto de volta para a casa na aldeia.

   Assim que entramos na pequena casa em que morávamos contei tudo totalmente assustada e curiosa para minha mãe, disse a ela que a sensação era como ter um alien dentro de mim e que ele estava fazendo sinais para os outros virem me abduzir com proposito de me usarem como pesquisa de laboratório e talvez até por um chip em mim - não era minha culpa pensar daquele jeito e sim dela que uma vez por mês me levava ao cinema para ver o filme que eu quisesse e das histórias que me contavam para ficar coberta no frio. De qualquer maneira na minha mente era conspirações contra os humanos.

   Minha mãe gargalhou de toda a situação e das "barbaridades" dessa história extremamente mal contada, o que me deixou brava por um momento pois eu falava muito sério, mas depois eu ri com ela porque realmente parecia um absurdo.

   Logo que ela parou de rir, me explicou que eu tinha nascido "especial", que algumas crianças nasciam daquela maneira e que isso não as faziam nem menos e nem mais que ninguém, mas que tínhamos um pouco mais de responsabilidades. E foi quando eu perguntei se não poderia ser igual as outras ela disse que nem se eu quisesse ou tentasse poderia, mas que também não seria algo ruim pois ela me ensinaria tudo que eu precisava saber.

America.Where stories live. Discover now