"Chorei o fim de tudo, assim é a vida, uma morte a cada dia. Depois, como sempre, limpei o rosto e continuei." — Tati Bernardi
2014
Sabe aquela coisa engraçada de filmes americanos em que a pessoa olha pela janela de um carro com uma cara pensativa, é ridículo o quão bom é passar por isso, mesmo que as coisas que se passavam na sua cabeça não fossem as melhores.
Meus olhos observavam cada prédio, loja e casa que eu passava em frente com o táxi na bela cidade de Nova Iorque, e foi nessa vista que me perdi dentro da minha mente. Eu achava que mudar de vida e esquecer tudo que tinha ficado para trás iria libertar minha alma do que quer estivesse a corroendo. Nunca um pensamento esteve tão errado e tão correto na minha vida.
Meus pensamentos não paravam um segundo, mesmo que eu sentisse que meu corpo havia ficado mais leve, meu subconsciente que guardava tudo de ruim que presenciei dizia que tinha sido tudo atoa. Que eu era irresponsável e tinha na verdade fugido do meu destino. Estava me autossabotando desde aquele dia e isso não tinha como negar de maneira alguma, o que era mais triste.
O veículo em que eu estava parou em um semáforo e no lado de fora pude ver um casal rindo, eles pareciam imensamente apaixonados, como eu estava alguns dias antes com o Fernando.
Antes de ser chutada do jeito mais escroto possível, por mensagem. Minha vida era uma piada.
Não prestei atenção em quanto tempo tinha passado e nem nas coisas pelas quais eu passava, apenas o que acontecia dentro da minha cabeça estavam claras na minha visão.
Assim que o táxi estacionou na frente da casa que haviam me mandado a foto com o endereço, entreguei o dinheiro ao senhor e sai do carro sentindo um frio na barriga que geralmente indicava que minha ansiedade atacaria a qualquer momento.
Me abaixei o suficiente para conseguir abraçar meus joelhos e apertá-los contra meu peito enquanto fazia exercícios para normalizar a respiração. Eu não perderia uma festa de novo aquela semana por medo de socializar, isso estava totalmente fora de cogitação para o resto da minha vida.
Assim que consegui me acalmar, em um pico de coragem corri até a porta e toquei a campainha. Minhas mãos foram diretas para a minha t-shirt de Harry Potter que sempre me fazia rir, afinal, era irônico.
A música que vinha de dentro da casa era pesada, a guitarra era bem aparente e sinceramente eu poderia passar horas apenas a ouvindo tocar. Porém quando a porta se abriu, a playlist pareceu estar a favor da figura a minha frente, pois começou a tocar uma música mais lenta e sensual.
O garoto abriu um sorriso sapeca ao me olhar e deu espaço para que eu pudesse entrar no local, o que fiz imediatamente antes que de eu amarelar.
Meus olhos não saíram do mais alto, era com certeza uma pessoa intrigante para dizer o mínimo. Cheio de brincos e pulseiras, seus cabelos negros batiam nos ombros só porque estava armado propositalmente, caso contrário acho que bateriam na metade dos braços tatuado.
— Você deve ser a America que todos falam, como era mesmo? — O garoto colocou sua canhota no queixo fingindo pensar. — Verdade! A moça do bolo. — Seu sorriso aumentou, mas ao olhar minha cara de puro desconforto e vergonha, sua expressão ficou mais amena, como se quisesse me confortar. — Sorte a minha que você veio, eles que saíram perdendo ou você que saiu ganhando por não aturar essas pessoas.
Não pude evitar de sorrir, creio que se fosse um dos outros cujo falavam de mim não teriam sido tão legais, mentalmente eu estava o agradecendo por dar um alívio cômico para a situação.
Quando chegamos a sala principal onde estava rolando a tal festa, vi apenas uma menina de cabelos tão negros quanto do menino ao meu lado sentada no sofá ao lado de um menino de cabelos castanhos e curtos. Ele passava a impressão de ser o brincalhão dos lugares pois sorria e cutucava a garota que revirava os olhos para ele antes de lhe dar um tapa pouco forte no braço.
O tatuado me levou até ambos que olharam para nós imediatamente, não pude evitar de ficar nervosa pois a garota tinha olhos vermelhos tão profundos que tocavam minha alma. Assim que paramos de frente com eles o de cabelos armado falou:
— Gente, essa é a America. — Acenei levemente sorrindo com a força que tinha me sobrado para me manter em pé diante dos três pares de olhos que agora me encaravam. — America, esse é o Dean, essa é a Samantha e eu sou o Dio, se rir apanha. Se virem pra se conhecerem.
Dei uma risadinha que foi interrompida por um suspiro de surpresa, em menos de dois segundos pós a apresentação Dean estava me abraçando. Para mim aquilo nunca seria normal.
— É um imenso prazer em te conhecer, senhorita. — Ele pegou minha mão, a beijou e antes de antes de sair atrás do amigo deu uma piscadela para mim, me deixando com a de olhos vermelhos.
Me sentei ao lado da moça ajeitando meu short jeans nervosamente. Estávamos em um silêncio pouco desconfortável com apenas a música soando pela sala.
— Então... — A de cabelos negros quebrou o silêncio se virando para mim no sofá. — Qual é sua casa?
Minha mente travou na hora. Minha casa? Que porra ela queria saber qual é minha casa? Queria saber o formato? O número? Se eu, de fato morava em uma casa? Por que alguém perguntaria isso? Será que era uma indireta tipo, "vai pra casa"?
Abaixei a cabeça dando um sorriso sem graça extremamente nervosa com a situação, então eu vi.
Minha blusa do Harry Potter.
Como eu podia ser tão burra? Ela queria saber qual minha casa de Hogwarts, não meu endereço óbvio. Não consegui conter minha risada, afinal que merda minha cabeça estava fazendo?
Olhei para a menina que me encarou de volta novamente encontrando minha alma, porém respondi sem me deixar abalar:
— Eu sou da grifinória, e você?
— Eca. Preferia ser da lufa-lufa que dá grifiescoria. — Ela fez uma careta para logo depois ajeitar as costas, em sua face eu poderia com toda certeza dizer que ela estava agindo com soberba para me irritar. — Eu sou da sonserina, melhor casa, inclusive.
Me virei para ela indignada e em sua expressão eu podia ver que ela segurava uma risada. Não seria eu que estragaria o clima, então continuamos discutindo por um bom tempo sobre as casas e depois sobre os personagens favoritos.
Não sei quanto tempo ficamos entretidas nisso, só percebi que estávamos totalmente alheias a tudo quando Dio gritou:
— Essa porra não é música, é obra de arte! — Dean acenou com a cabeça em concordância com o amigo.
O garoto de cabelos castanhos fingiu chorar junto do tatuado e a única coisa que eu e a Samantha fizemos foi rir do caos que tinha se instalado na sala. Eu reconheci a música por já ter escutado com o Fernando, Dust in the Wind do Kansas, realmente era uma obra de arte.
A mais baixa percebeu que eu fiquei calada por um longo tempo da música e então disse:
— Em um século e pouco de vida, nunca vi duas pessoas retardadas igual eles. — Olhei para a garota ao meu lado e ela sorriu abertamente para mim, então ali estavam bem na minha frente, suas presas brilhando como estrelas num céu noturno.
Por alguns segundos senti um pouco de medo, como se meu pescoço estivesse na mira desde o início, mas percebi o quanto esse pensamento era ridículo e fazia parte de um dos estereótipos mais imbecis de filmes de terror. Ninguém merecia ser julgado pelo o que é, mas sim por como é e ela para mim era como uma concha com várias perolas dentro.
Me aproximei mais dela e segurei sua mão, meus olhos foram direto para os dela apenas para dizer:
— Acho que ninguém nunca viu.
Nossa risada preencheu o ambiente silencioso da troca de uma música para outra, os meninos nos olhando com cara de bravo para tentar nos assustar, o que só fez tudo ficar mais engraçado.
Ali eu sabia que aquela amizade era linda e que se dependesse de mim, nunca acabaria.

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America.
FantasiNinguém acreditaria se eu não contasse, então é exatamente o que vou fazer. Essa é a história da minha vida contada por lembranças e histórias passadas para mim de minha família. Como toda boa história de vida não existe só o lado fácil e belo, e vo...