Capítulo XXVII

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Nicholas on

"Os barulhos de gritos incessantes perturbavam minha mente em um ritmo absurdamente doloroso. Sentia o sofrimento pulsando em meu corpo em um intervalo de tempo mais preciso do que o do próprio bombardear do coração.
A minha frente eu via corpos, corpos mortos por mim. Ao topo minha mãe, ao lado dela Juliet e embaixo de tudo isso minha antiga vila, meus amigos, familiares, a velhinha que me acolheu e ajudou...
Foi então que alguém segurou minha mão. Kate estava lá usando um vestido branco e com um sorriso no rosto. Meu desespero passa e o alívio me preenche
-Eu te amo-diz
-Também te amo-respondo no automático sentindo um sorriso se instalar em meu rosto enquanto a sensação de alegria predominava em meu peito
Foi só o que dizemos antes do sangue começar a escorrer por sua boca manchando toda sua vestimenta. Seus olhos arregalados que aos poucos se tornavam opacos, me faziam chorar em desespero. Ela cai de joelhos e eu vou junto como se também fosse atingido. Olho minhas mãos e as vejo cravadas em sua barriga coberta de sangue
Não
Não pode ser"

Acordo em um pulo na cama sentindo meu corpo tremer enquanto o suor pingava de meus cabelos. Meus lábios batiam uns contra os outros e eu abraçava meu próprio corpo em sinal de choque.

A imagem do sangue de Katherine escorrendo por seus lábios carnudos e seu sorriso sendo substituído por um semblante de dor não me ajudavam a melhorar.

Procuro respirar fundo mas o ar se recusava a entrar em meus pulmões e eu começa a me sentir perdido sem sequer saber como inspirar

-Nicholas-a garota entra no quarto exasperada e congela ao me ver naquele estado

Kate fecha a porta e caminha vagarosamente em minha direção como se não soubesse como agir.

Desde que nos beijamos hoje mais cedo na sala de treino não nos vimos e nem conversamos sobre o ocorrido...

-Nick...-começa tocando meu ombro mas meu corpo recusa o toque e a cena de sua morte vem em minha mente de novo fazendo a situação piorar
-Vá embora-digo com maxilar trincado e ela me encara com um misto de surpresa e tristeza que partem meu coração
-Nicholas...-sussurra
-VÁ EMBORA!-grito fazendo com que a voz arranhe minha garganta e seguro o choro que continha na beira dos olhos
-Quando eu mais precisei de você eu não queria sua ajuda-diz com semblante triste- mas mesmo assim você estava lá. Não importava se minha aura ficava negra e eu te jogasse contra uma árvore, você estava lá. Não era importante o fato de toda vez que você de aproximava o poder que me rondava te queimava e machucava. Então agora que estou aqui, não quero saber se você me quer ou não aqui. Eu sei que você precisa de alguém agora.

Abaixo a cabeça em negação mas sem forças para retrucar ou tentar intervir. A garota me deita na cama, limpa meu suor com a toalha de rosto do banheiro e abre a janela fazendo com que o vento me refrescasse. Em todos seus atos, em todos seus toques, em todos os momentos lágrimas escorriam de meus olhos sem expressão e eu não dizia uma palavra ou movia um músculo.

A mesma deita ao meu lado e, com dificuldade, puxa meu corpo para o seu, deitando-me em seu ombro.

Katherine faz carinho em meus cabelos e murmura uma canção baixinho com uma voz doce desconhecida por mim. Seu ato faz com meus olhos aos poucos se fechem e eu logo os abro com medo de dormir de novo

Katherine on

Após longas horas Nicholas finalmente dorme. Quando cheguei em seu quarto confesso que não sabia como reagir... eu acordei em um pulo durante a noite sentindo uma angústia enorme no peito.

Foi instintivo correr até ele, mas vê-lo daquela maneira me destruiu. Nicholas era um homem forte, viril, másculo, poderoso e que impunha, dentre outras coisas, medo e respeito.

Quando o vi abraçando os joelhos com corpo suado, lábios trêmulos e brancos eu sabia que algo o tinha afetado. Ele não me contou o que houve, pediu que eu fosse embora e foi grosso comigo, mas por algum motivo que ainda não sei qual é, eu fiquei lá

Fiquei lá sentindo seu sofrimento e querendo que passasse logo. Por alguma razão eu não consigo ver seu rosto com semblante triste e sinto falta de seus sorrisos, brincadeiras que só acontecem comigo.

Já ficou mais que claro que Nicholas não é uma pessoa amigável com os outros. Quando fomos na alcateia, por mais que eu e ele estivéssemos brincando, assim que os habitantes falassem com ele, o mesmo adquiria uma postura completamente diferente. Ele é frio

Entretanto, mesmo tendo essa postura apática para com terceiros, o alfa não hesitou em me pegar no colo como um cavalinho ou apostar corrida até uma batalha.

Não sei onde foi que tudo mudou já que quando nos conhecemos tudo que queríamos era distância um do outro. Lembro-me do lago dos lobos e de nossa despedida, foi a primeira vez que usamos humor em nossa conversa...

Lembro ainda, de como Louis me chamou desesperado para ajudá-lo após o ataque das bruxas. A maneira como me chamou de monstro insensível ficou gravada em minha mente no dia do ataque àquela alcateia, mas a maneira como ele lidou com isso ficou gravada no meu coração para sempre.

Querendo ou não, o alfa durão que me prendeu em sua casa após uma loira oxigenada me ameaçar de tortura, se tornou o mesmo homem que eu beijei na sala de treino da alcateia.

Querendo ou não, passei a amar o povo que antes me escondia e que antes me viam como ameaça.

Há coisas que podemos fugir, há coisas que podemos fingir que não existem, mas não podemos fugir e negar quem nós somos

Eu sou a última descendente das filhas da morte com o último mensageiro lunar. Carrego em meu lado sobrenatural uma loba forte que foi me dada pela própria Lua, e em minhas veias carrego o DNA que me permite controlar a vida.

A morte é muito mais do que o fim da vida como havia dito antes. A morte, em milhares de religiões é o começo da verdadeira existência.

A morte é a única coisa que dá sentido à vida. Se soubéssemos quando iríamos morrer agiríamos de maneira totalmente diferente durante o determinado tempo que estaríamos vivos. Mas, principalmente, se não fôssemos morrer nunca, a vida não teria o menor sentindo.

Apenas temos vontade de crescer, de evoluir, de reproduzir, de aprender e de realizar sonhos na intenção de aproveitar a vida, que, por sinal, é limitada pelo fator que nos faz amá-la tanto: a morte.

A ausência de vida não é a morte. A morte é aquilo que torna a vida maravilhosa. São dois extremos onde não se localizam o bem e o mal.

Não entendia o porquê de toda matança que realizava quando era mais nova mas hoje sei que apenas matei aqueles que tinham de ser mortos naquele exato momento.

Eu não controlo quem deixa de viver pois não controlo a vida. Apenas sou a personificação da morte. Sou como uma mensageira que, antes, levava mensagens cruéis e dolorosas.

Entretanto agora sei que a morte não precisa vir com dor. Ela não precisa vir com toda essa atmosfera ruim, ela apenas é o que é. Sei que mais pessoas podem morrer como aquela mulher no sofá: sem dor.

Eu posso fazer isso quando a hora chegar, posso tirar a dor daqueles que merecem o fim de uma trajetória pacífica. E até onde der, eu serei a melhor filha da morte que puder ser.

Nicholas me proporcionou o conhecimento que precisava para amadurecer. A força que precisava para seguir em frente apesar de meu passado tenebroso.

Eu o devo tudo e tentarei recompensa-lo dia após dia por tudo que o mesmo faz por mim

A loba e a morteOnde histórias criam vida. Descubra agora