III

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O mulato já havia guardado seus pertences. A noite ia caindo. Na falta de ter um cavalo , Tonho seguiu a pé a estrada que levava de  Don Inácio a Passos e as cidades do sudoeste. Caminhar fazia bem a Tonho, ele conseguia se acalmar e pensar na burrada que fez. Agora teria que deixar a região em que cresceu. O jeito era tentar seguir o trabalho em outra fazenda da região, o mais longe possível , pensava na loucura, o velho Coronel Bichart nunca deixaria passar uma ofensa ao filho, mesmo que ele fosse frozô. O rapaz não estava mesmo errado. Ali , no meio da estrada , com a péssima iluminação do lampião ele conseguiu distinguir a silhuetas de três homens a cavalo e mais dois a pé. Um frio subiu pela espinha, mas mesmo assim o rapaz foi ao encontro dos cinco, sabia que eles o estavam aguardando.

   Ao se aproximar identificou as figuras a cavalo , mas não as outras. Estavam O coronel, Pedro,seu filho e Matoso, o capataz. Matoso era um paraíba de feições duras, o rosto sempre barbeado dava uma feição jovial , de menino,Tonho já havia bebido algumas pingas  com ele na casa de lupanar. O coronel , um inglês alto que se mudara para Don Inácio há quarenta anos atrás, estava em um cavalo escuro, sua barba hirsuta , quase branca ,dava um ar solene, podia-se ouvir sua respiração curta na noite. Ele tirou o chapéu, entregou-o para Matoso.

–  Boa noite, Tonho. –  o sotaque ainda era carregado apesar das décadas no Brasil.

–  Noite , coronel. Matoso. –  acenou levemente com a cabeça. –  Bom vê-lo, Seu Pedro.

–  Tonho, eu gosto de você , sabe? Você é menino esforçado, mas parece que minha família não agrada você, no é ? Bate no meu filho, desrespeita minha  futura nora, this is a shame boy, vergonhoso isso.

   O violeiro engoliu seco. Não tinha medo do frozô, mas seu pai era diferente. O coronel não tinha medo de ser duro. Seu Ferreira era o único que ele respeitava , já que , o turco, quase nunca dava as caras pra nada . Tonho percebeu o frozô rindo, faltava um canino.

–  Veja, Tonho, meu menino vai precisar de  dente de ouro. Tudo porque você achou que o pussy de D. Lucinda era seu...

–  Daddy... –  interrompeu Pedro.

–  Shut up, Pedro!Coward! Isto é conversa de homem adulto. –  o rosto do coronel ficara vermelho. Ele respirou novamente, de forma curta e passou a mão esquerda pela barba. –  Bem, eu sou um homem racional. Vejo que tem uma viola, no é?Ok, se tocar e eu gostar, pode ir. No punishment, sem castigos. O que acha?

–  Confio em sua palavra, coronel. Nós podemos acordar assim.

   Tonho colocou o saco com seus poucos pertences no chão, tirou a viola do saco de lona onde a levava e afinou as cordas. Tocou o primeiro acorde. Cheio, afinação cebolão. Começou com uma sequencia de acordes leves , acelerando aos poucos, foi acrescentando uma melodia comum mas bonita. Acelerou o pontilhado, alternou com harmônicos e ao fim de alguns minutos terminou em um acorde menor. 

   O coronel olhou para Tonho durante alguns segundos, apeou do cavalo, Matoso o seguiu. O inglês bateu algumas palmas sem muito vigor e olhou com pesar para Tonho. “Morto”, ele pensou. 

–  Sabe, vejo que você tem treinado. Good. But it's not enough. No é suficiente! –  Tonho sentiu o golpe atrás do joelho, seguido de um soco no rosto, Matoso era rápido. Os outros dois jagunços seguraram Tonho pelos braços, o coronel calçou um par de luvas e começou uma série de socos firmes em Tonho. O olho direito inchou, o supercílio abriu. Tonho ouviu Pedro apear do cavalo também.

–  Agora pegue o alicate , Pedro. –  ordenou o coronel.

–  Se o senhor me permite,  daddy, tenho uma ideia melhor. – Tonho percebia o movimento ao redor  . O coronel olhou curioso para o filho. – Ele parece gostar muito do instrumento, vamos garantir que não toque mais.

–  Gostei. –  havia um sorriso na escuridão. –  Os dois , estiquem os mãos dele on the floor. –  os homens olharam confusos uns para os outros.- No chão!!!! –  esbravejou o coronel. – Blood hell! . –  o mulato teve suas mãos  colocadas no chão bem a frente do corpo, os braços esticados. Não conseguia ver o que estava acontecendo , a luz fraca do lampião não dava margem de ajuda, foi quando sentiu a primeira  pancada , no indicador direito. Seguiram-se duas a essa no mesmo dedo, Tonho ouviu o osso estalar. Os gritos dele poderiam se ouvidos da fazenda, um a um os dedos dele foram quebrados, só pouparam os polegares. O violeiro estava mole , o corpo suado , mal enxergava com o olho direito, colocaram sua viola no chão, Matoso pisou sobre ela e jogou o lampião em cima, ela incendiou.

–  Agora estamos quites. Pode ficar em Don Inácio se quiser, mas longe dos meus olhos. – o coronel, Pedro e Matoso subiram nos cavalos e se foram .

   Iluminado apenas  pelo fogo dos restos de sua viola Tonho desmaiou.

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