O mulato já havia guardado seus pertences. A noite ia caindo. Na falta de ter um cavalo , Tonho seguiu a pé a estrada que levava de Don Inácio a Passos e as cidades do sudoeste. Caminhar fazia bem a Tonho, ele conseguia se acalmar e pensar na burrada que fez. Agora teria que deixar a região em que cresceu. O jeito era tentar seguir o trabalho em outra fazenda da região, o mais longe possível , pensava na loucura, o velho Coronel Bichart nunca deixaria passar uma ofensa ao filho, mesmo que ele fosse frozô. O rapaz não estava mesmo errado. Ali , no meio da estrada , com a péssima iluminação do lampião ele conseguiu distinguir a silhuetas de três homens a cavalo e mais dois a pé. Um frio subiu pela espinha, mas mesmo assim o rapaz foi ao encontro dos cinco, sabia que eles o estavam aguardando.
Ao se aproximar identificou as figuras a cavalo , mas não as outras. Estavam O coronel, Pedro,seu filho e Matoso, o capataz. Matoso era um paraíba de feições duras, o rosto sempre barbeado dava uma feição jovial , de menino,Tonho já havia bebido algumas pingas com ele na casa de lupanar. O coronel , um inglês alto que se mudara para Don Inácio há quarenta anos atrás, estava em um cavalo escuro, sua barba hirsuta , quase branca ,dava um ar solene, podia-se ouvir sua respiração curta na noite. Ele tirou o chapéu, entregou-o para Matoso.
– Boa noite, Tonho. – o sotaque ainda era carregado apesar das décadas no Brasil.
– Noite , coronel. Matoso. – acenou levemente com a cabeça. – Bom vê-lo, Seu Pedro.
– Tonho, eu gosto de você , sabe? Você é menino esforçado, mas parece que minha família não agrada você, no é ? Bate no meu filho, desrespeita minha futura nora, this is a shame boy, vergonhoso isso.
O violeiro engoliu seco. Não tinha medo do frozô, mas seu pai era diferente. O coronel não tinha medo de ser duro. Seu Ferreira era o único que ele respeitava , já que , o turco, quase nunca dava as caras pra nada . Tonho percebeu o frozô rindo, faltava um canino.
– Veja, Tonho, meu menino vai precisar de dente de ouro. Tudo porque você achou que o pussy de D. Lucinda era seu...
– Daddy... – interrompeu Pedro.
– Shut up, Pedro!Coward! Isto é conversa de homem adulto. – o rosto do coronel ficara vermelho. Ele respirou novamente, de forma curta e passou a mão esquerda pela barba. – Bem, eu sou um homem racional. Vejo que tem uma viola, no é?Ok, se tocar e eu gostar, pode ir. No punishment, sem castigos. O que acha?
– Confio em sua palavra, coronel. Nós podemos acordar assim.
Tonho colocou o saco com seus poucos pertences no chão, tirou a viola do saco de lona onde a levava e afinou as cordas. Tocou o primeiro acorde. Cheio, afinação cebolão. Começou com uma sequencia de acordes leves , acelerando aos poucos, foi acrescentando uma melodia comum mas bonita. Acelerou o pontilhado, alternou com harmônicos e ao fim de alguns minutos terminou em um acorde menor.
O coronel olhou para Tonho durante alguns segundos, apeou do cavalo, Matoso o seguiu. O inglês bateu algumas palmas sem muito vigor e olhou com pesar para Tonho. “Morto”, ele pensou.
– Sabe, vejo que você tem treinado. Good. But it's not enough. No é suficiente! – Tonho sentiu o golpe atrás do joelho, seguido de um soco no rosto, Matoso era rápido. Os outros dois jagunços seguraram Tonho pelos braços, o coronel calçou um par de luvas e começou uma série de socos firmes em Tonho. O olho direito inchou, o supercílio abriu. Tonho ouviu Pedro apear do cavalo também.
– Agora pegue o alicate , Pedro. – ordenou o coronel.
– Se o senhor me permite, daddy, tenho uma ideia melhor. – Tonho percebia o movimento ao redor . O coronel olhou curioso para o filho. – Ele parece gostar muito do instrumento, vamos garantir que não toque mais.
– Gostei. – havia um sorriso na escuridão. – Os dois , estiquem os mãos dele on the floor. – os homens olharam confusos uns para os outros.- No chão!!!! – esbravejou o coronel. – Blood hell! . – o mulato teve suas mãos colocadas no chão bem a frente do corpo, os braços esticados. Não conseguia ver o que estava acontecendo , a luz fraca do lampião não dava margem de ajuda, foi quando sentiu a primeira pancada , no indicador direito. Seguiram-se duas a essa no mesmo dedo, Tonho ouviu o osso estalar. Os gritos dele poderiam se ouvidos da fazenda, um a um os dedos dele foram quebrados, só pouparam os polegares. O violeiro estava mole , o corpo suado , mal enxergava com o olho direito, colocaram sua viola no chão, Matoso pisou sobre ela e jogou o lampião em cima, ela incendiou.
– Agora estamos quites. Pode ficar em Don Inácio se quiser, mas longe dos meus olhos. – o coronel, Pedro e Matoso subiram nos cavalos e se foram .
Iluminado apenas pelo fogo dos restos de sua viola Tonho desmaiou.
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Rio Abaixo
Mystery / ThrillerEncruzilhadas, pactos e a vida de uma pacata cidade mineira. O pontilhar da viola tem seu preço. Baseada em uma história contada pelo meu avô.