Morte a sangue-frio

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               Meu navio chegou à Inglaterra. Ah, eu sempre quis ver esse país! Tinha dezenove anos completos quando realizei esse sonho, no ano de 1892, porém, não fui até lá na melhor das situações.
               Era meu sonho chegar perto do meu ídolo, que morava em Londres. Foi para lá que eu fui de trem, após chegar no porto de Liverpool. Me dirigi imediatamente a Baker Street, correndo feito louca: Não tinha mais tempo para enrolação! Estava desesperada para encontrar o único que resolveria o misterioso assassinato de toda minha simples família brasileira.
              Meu nome é Charlotte, constantemente abreviada para Lotte. Sou descendente de ingleses por parte de meu pai e de franceses pela minha mãe, o que explica meu nome. Moro na cidade de São Pedro dos Desalentados, no interior da Bahia. Meu pai sempre me trouxe desde que tinha quatorze anos as histórias publicadas na Strand Magazine para eu ler, o que me fez ser uma admiradora de Sherlock e seu parceiro Watson e me ajudou a aprender inglês. Minha vida era feliz no casarão de minha família, mas sempre sofremos grandes perdas juntos.
                Primeiro foi minha mãe. Uma noite, ela foi para a cozinha fazer alguma coisa e, quando fomos ver de manhã, ela tinha sido morta ao escorregar e bater a cabeça no chão. Um acidente, nós pensamos.
                  Depois minha avó. Se matou com veneno após minha prima, sua neta favorita, ter morrido pelas mãos do próprio marido, após este descobrir uma suposta traição. Ele sumiu da cidade depois disso. Minha prima também me era querida, apesar de termos uma rivalidade horrorosa desde pequenas. Mas, no fundo, sei que ela me amava, e eu sentia o mesmo por ela.
                  Por último, meu pai e meu tio. Em uma de suas viagens a Inglaterra, o barco de meu pai afundou. Fiquei sozinha com meu último parente vivo no casarão de São Pedro dos Desalentados.
                  No entanto, uma semana antes de minha viagem, ele também se foi. Encontrei-o morto em seu escritório, e a polícia me disse que alguém tinha atirado em seu pescoço pela janela durante a noite.
                Foi aí que pensei em uma alternativa: Achei impossível acreditar na polícia, todas aquelas mortes perpetuando a minha vida não podiam ser coincidência, então resolvi investir parte de minha herança em uma viagem, que resolveria todos os meus problemas.
Bom, pelo menos era isso que eu esperava.
              Eu tinha que encontrá-los. Só eles poderiam me ajudar.
              — Bom dia— Cumprimentei Mrs. Hudson, que abriu a porta para mim.
               — Bom dia— Ela respondeu surpresa— O que uma moça tão jovem faz aqui tão cedo?
                — Gostaria de ver o senhor Sherlock Holmes, por favor— Respondi, tentando ser educada mas com pressa— A senhora o chamaria para mim por gentileza?
                — É claro. Só um segundo— Ela subiu as escadas e rapidamente voltou— Pode subir— Disse ela abrindo-me a porta.
               — Obrigada — Subi as escadas de degraus pequenos e bati, ansiosa para conhecê-los.
                Um homenzinho de meia-idade levemente manco me atendeu.
                —Bom dia, doutor Watson— O cumprimentei animada— O senhor Sherlock Holmes está?
                 — Estou bem aqui— Respondeu-me o alto detetive, fumando em sua poltrona— O que deseja, senhorita Charlotte?
•••
Eu conhecia os métodos de Holmes pelo que tinha lido em revistas, mas fiquei impressionada mesmo assim.
— Bom dia, senhor Sherlock Holmes— Disse, tentando entrar graciosamente no aposento e impressioná-lo. Eu também sou inteligente.
— Vejo que não possui nenhum caso no momento, — Continuei— Já que se alternou de forma frenética entre seu violino, as experiências químicas e sua estante de livros nos últimos dias.
A bagunça no aposento era tão linear que tornava quase tudo óbvio.
— Perfeitamente — Ele me respondeu, com leve surpresa e aumento de interesse súbito em seus olhos— Acho que já simpatizei com a senhorita.
Ele se levantou e me cumprimentou de forma cortês com um aperto de mão, indicando-me uma poltrona.
— Obviamente o senhor descobriu meu nome pela descrição que Mrs. Hudson fez de uma jovem francesa— Acomodei-me na poltrona. Me divertia desnudando os métodos de Sherlock — E quando viu o reflexo de meu broche em forma de C pela fresta da porta imediatamente supôs...
— Charlotte— Watson se manifestou de repente— Estou acostumado com a genialidade de Holmes, mas nunca vi alguém compreender seu métodos de forma tão...
— Precisa— Respondeu o detetive, se inclinando em sua poltrona a frente da lareira com os olhos semicerrados e juntando as pontas dos dedos — Tomara que seu caso seja tão interessante quanto seu raciocínio, senhorita. Percebo que não é francesa, talvez apenas descendente de um tipo como esse, seu inglês é bom, mas dá para notar a inclinação de sua língua para uma pronúncia latina.
— Venho do Brasil e meu idioma original é o português, mas tenho laços sanguíneos com a Inglaterra por parte de pai e com a França por parte de mãe— Esclareci, emocionada por encontrar uma lenda a minha frente— Mas ouso dizer que, apesar de saber algumas coisas, sou apenas uma e não consegui descobrir sozinha o que ocorreu em minha casa, não só recentemente mas durante toda a minha vida, na realidade.
— Prossiga— Disse Holmes— Anote em seu caderno tudo que parecer importante, Watson.
O médico de poucas palavras pegou seu caderninho e começou a rascunhar tópicos enquanto eu relatava tudo o que aconteceu à minha família.
— Interessante— Disse Holmes quando terminei o meu relato— Este promete ser um grande caso!
— Eu me sentiria muito melhor — Expliquei— Se o senhor e o doutor Watson pudessem me acompanhar até o Brasil, ficarei eternamente grata se me ajudarem a resolver esse enigma no lugar onde tudo aconteceu. Por favor , senhor Holmes, me ajude!— Pedi insistentemente.
— Fique tranquila, mademoiselle,— Ele respondeu, pegando minha mão e saltando da cadeira— Eu não perderia este caso por nada!
— Você vem conosco, meu caro Watson?— Ele interpelou o doutor com um sorriso.
— Partamos agora — Disse o médico, levantando-se.
— Os senhores não sabem como sou grata!— Respondi, animando-me com a ideia de viajar em tão ilustre companhia— Eu estava com medo de que recusassem, já que já comprei as passagens!
Algum tempo depois já estávamos no expresso DC 001, que nós levaria para o Brasil em poucas semanas.

Sherlock Holmes em um caso em mar aberto Onde histórias criam vida. Descubra agora