Senhor Sherlock Holmes

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          Eu finalmente tirei a minha máscara. A peruca loira de Avina Finch caiu em frente a Vera Truemiles. Ela levantou-se lentamente, nem um pouco surpresa, encarando-me com desprezo.
— Descobriu meus planos, não foi mesmo? E eu achando que aquela ingrata da Avina viesse me visitar no navio... como fui tão boba? Como ela teria chegado aqui sem outro barco que se aproximasse? A teríamos notado, com certeza...
— Mas não vale nada se lamentar agora, senhorita Truemiles — disse gravemente, começando a andar de um lado para o outro pelos aposentos do capitão. Lugar sujo e malcuidado, ele com certeza não os limpava a séculos —, agora, tenho algumas perguntas para fazer a senhora, se me permite.
       Acendi meu cachimbo e comecei a fumar, questionando a esposa do capitão entre uma baforada e outra. Não esqueci de caminhar lentamente até a porta, trancando-a a chave. Vera estava completamente encurralada.
Tomei cuidado para detalhar ao máximo minhas conclusões, já que tinham algumas questões interessantes naquele caso que não conseguira descobrir ainda:
— Muito bem, senhora Truemiles... Pode sentar-se, se quiser, para aliviar essa dor nas juntas que está sentindo fazem exatamente três dias.
A mulher olhou-me desconfiada enquanto sentava-se lentamente. Encarando-me com desconfiança, disse:
— Como o senhor sabe das minhas juntas?
— Preste mais atenção ao que resmunga enquanto dá nós, senhorita Vera. Enfim, depois daqueles tremores da noite passada, comecei a suspeitar que, definitivamente, alguém que tivesse controle do navio deveria estar tentando nos eliminar, e com nós quero dizer a senhorita Charlotte em especial. Esta, porém, quando ouviu uma mulher discutir com seu assassino de aluguel poucos minutos antes do ataque aos seus aposentos conseguiu uma informação extremamente útil, capaz de eliminar todos os homens de nossas lista de suspeitos. Desde que a jovem conversou comigo e com meu parceiro Watson quando chegou a Londres, percebi que todas aquelas mortes eram obra de uma pessoa só. Somente um assassino brutal com experiência em matar de maneira silenciosa, "como se fosse acidente", poderia ter arquitetado um plano tão cruel. Não queria só acabar com aquela família rica pelo seu dinheiro, não, era um plano ainda mais maquiavélico: vingança. Watson contou-me que, quando estava com Charlotte neste exato local, conseguiram descobrir que a família da jovem possui laços sanguíneos com um distante parente em Soursid City: Ignotor Harperdeen, afastado da própria família pelo pai de Charlotte, antes da menina nascer, por um golpe que estava arquitetando para assumir o comando da companhia de comércio de calçados do pai da jovem sozinho.
Vera escutava tudo pacientemente. Olhava-me com a mesma expressão desconfiada e sombria de antes. Parecia não duvidar de nada do que eu falava.
— Muito bem — continuei —, por acaso, esse mesmo Ignotor Harperdeen era este filho de sua tia Amélia, não é mesmo, senhora Vera?
Andei até o pequeno baú onde a esposa do capitão havia batido a cabeça. Com um golpe veloz, arranquei de dentro do compartimento secreto no baú um grosso rolo de papiro, que se desenrolou em minhas mãos até alcançar o chão.
— Esta árvore genealógica aqui contém todas as informações da família Harperdeen e, consequentemente, a tia Amélia, neste exato ponto.
Apontei para o retrato de uma senhora na árvore, encarando Vera. A mesma expressão de antes.
— Ignotor não era nada mais nada menos que seu primo, não é mesmo, senhora?
— E o que isso pode provar contra mim, senhor Holmes? — perguntou a esposa do capitão. Disse que esperasse e continuei explicando o mistério:
— E é justamente aqui que chegamos a um ponto. Seu primo ficou revoltado ao ser expulso do Brasil pelo pai de Charlotte, seu sócio, por isso ficou um tempo na casa de sua querida prima Vera Harperdeen, seu nome de solteira, senhora Truemiles!
Ela sobressaltou-se na cadeira. Agora estava realmente surpresa com minhas deduções.
— Estou correto, não estou?
Vera não respondeu nada. Mais uma vez, continuei:
— Àquela altura a senhora já havia cometido diversos crimes, por isso, se agarrou ao casamento com o capitão desse mesmo navio para fugir da prisão. Com um diferente sobrenome e longe de sua cidade natal, conseguiu escapar por um tempo. Mas não pôde se manter fora de contato com seu primo favorito, por isso, continuou conversando com ele por cartas.
Fui a escrivaninha do capitão, largando a árvore genealógica no chão. De uma gaveta, que já havia sido devidamente arrombada por Charlotte, tirei as correspondências de Vera Harperdeen com seu primo Ignotor.
— E essas são suas cartas. Watson se mostrou confuso diante deste detalhe e não lhe deu muita importância. Porém, quando Ignotor lhe relatou seus planos nas cartas para assassinar a família de Charlotte e pediu sua ajuda, a senhora não poupou esforços. Falavam por um código que, sinceramente, achei fácil de decifrar, considerando um caso interessante pelo qual já passei. A senhora e seu parente podem não ter usado desenhos de bonecos, mas é uma linguagem interessante, com certeza. Enfim, juntando tudo isso, vocês planejaram a morte de cada um dos membros da família da pobre jovem, que veio procurar meu auxílio em Londres. Mas não era só isso! Quando a senhora descobriu Charlotte, o último membro vivo da família brasileira rival a Ignotor, achou uma chance de trabalhar sozinha. Seu primo não sabia que a mãe de Charlotte estava grávida quando foi expulso, achou que não havia sobrado mais nenhum daquela linhagem. Você logo se aproveitou da situação para dar cabo dela você mesma e conseguir a vingança e a herança juntas. Não seria difícil roubar o dinheiro da garota após todas as coisas horríveis que fez, não é mesmo, senhora Harperdeen?
Ela ficou completamente calada. Mas, após certo tempo, finalmente resolveu se manifestar:
— Bom trabalho, Holmes. Mas... e agora, o que vai fazer, me levar em cana? No meio do oceano Atlântico?
— Melhor, senhorita — disse, girando o cachimbo entre os dedos —, sua última inimiga que vai.

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