Me diga que me queres e me terás

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Choveu no dia seguinte. Uma tempestade como ninguém nunca vira em South Park. Tiveram até que cancelar as aulas, pois os alunos estavam saindo voando quando tentavam sair de suas casas e acabavam parando quase do outro lado da cidade.

Damien encarava a chuva com um olhar sério, a verdadeira tempestade ocorrendo dentro de si. Por fora, parecia pleno, calmo, mas, por dentro, havia uma tempestade furiosa de emoções muito pior que aquela que acontecia do lado de fora. Ele se esforçava para contê-la, para parar de interferir no mundo daquela forma, mas ele não podia. Seu ódio era tão grande que ele simplesmente não conseguia mais conter tudo dentro de si, e pequenos pedaços daquela imensa tempestade escapavam e se tornavam reais.

Talvez tenha sido justamente essa raiva o que o levou ao quarto de Pip, pois, ao mesmo tempo em que queria colocar fogo no mundo, queria proteger a única coisa que nele importava.

Gentilmente abriu a porta, sendo agraciado com a visão de um pequeno Pip adormecido, impossibilitado de perceber sua presença. Ele parecia tão relaxado enquanto dormia, seu rosto sem nenhuma ruga e os lábios levemente apartados enquanto a respiração calma se anunciava como o único som que fazia.

Depois de jantar, Damien cuidou de separar algumas de suas roupas para o britânico vestir no dia seguinte e deixá-lo usar seu banheiro para fazer a higiene pessoal, além de lhe dar seu próprio quarto. Enquanto ele estivesse em sua casa, teria certeza de tratá-lo da melhor forma que podia. Ele não merecia nada menos.

Ainda não fazia o menor sentido para Damien a necessidade dos humanos descontarem sua raiva uns nos outros. Cada um tinha suas inseguranças, problemas e individualidades, não fazia o menor sentido que, para se sentir melhor, precisassem colocar alguém abaixo deles. Ele odiava competitividade. Quando se para para pensar, uma grande parte dos problemas de convivência social das pessoas pode ser atribuída à ideia de melhor e pior que a sociedade criou e o momento em que começou a aplicá-lá entre as próprias pessoas. Quem tinha o melhor carro, as melhores notas, as melhores companhias, a maior quantidade de dinheiro... Aquilo não significava nada para Damien. Todos eles foram avisados. No momento em que sua ficha fosse parar sobre sua mesa, não será um carro bonito ou dinheiro que vai livrá-lo do sofrimento eterno no fogo do inferno.

Pip se revirou na cama enquanto dormia, atraindo a atenção de Damien, que travou ao pé de sua cama. Merda, ele tinha pensado alto demais? Às vezes perdia o controle de sua influência naquele mundo. Trabalhando ou não, ele ainda era o anticristo, sua mera existência já era uma grande alteração na balança do universo, podia vir a fazer coisas sem nem mesmo perceber; o clima cinzento e tempestuoso era um bom exemplo disso.

Os olhos azuis cintilantes do britânico lentamente se abriram, acompanhados de um bocejo, enquanto a luz adentrava suas pupilas e o mundo ao seu redor tomava forma.

- Bom dia. - sorriu Pip ao ver Damien, embora as algumas mechas de seu cabelo bloqueassem parte de sua visão.

Seu coração palpitou ao ver o sorriso nos lábios e o brilho terno nos olhos carmim de Damien ao vê-lo. Fechou os olhos ao sentir sua mão acariciar seus cabelos com movimentos suaves e ternos, quase o suficiente para arrancar-lhe um gemido de satisfação. Pip nunca tinha percebido o quanto ansiava por algum contato até tê-lo em seu alcance. E, Deus, não queria que parasse nunca.

- Bom dia. - Damien respondeu, aproveitando o espaço vazio entre o travesseiro e a borda da cama para se sentar ao seu lado. - Dormiu bem?

O britânico demorou a responder, distraído com as carícias dos dedos gelados em sua nuca, arrepiando seus pelos. Ele assentiu lentamente com a cabeça e voltou a se aconchegar no travesseiro.

- Que horas são? - perguntou, gravitando entre a sensação acolhedora do sono e o peso da realidade.

- Umas oito da manhã. - Damien respondeu, retirando algumas mechas que tornaram a cair em frente aos olhos do britânico. - Aulas foram canceladas por causa da chuva.

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