Longe dos olhos, perto do coração

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Pip estava demorando mais do que o previsto.

Não era incomum que algumas almas tardassem mais do que outras; na verdade, que demorassem já era esperado, visto que, se estavam no limbo, é porque precisavam se curar, e isso levava tempo.

O problema realmente era esperar que tudo se resolvesse. Sem uma data de previsão ainda e sem saber o estado da alma, a preocupação corrói o indivíduo que o aguarda por inteiro, parecendo até levá-lo à beira da insanidade. Paciência era o único jeito, mas todos tem seu limite.

Damien tentava se distrair se enfiando de cabeça no trabalho. Quanto mais trabalho fizesse, mais tempo livre teria para passar com Pip quando ele chegasse. Essa estava sendo sua estratégia, a qual, até agora, estava se mostrando bem eficiente. Ele não comia, não dormia, não tirava intervalos, só passava o dia todo sentado em sua cadeira - e, ocasionalmente, na cama - preenchendo os formulários de entrada, analisando os perfis dos recém mortos e até ouvindo as reclamações dos moradores do inferno de vez em quando. Como anticristo, as coisas que os mortais faziam para sobreviver não passavam de trivialidade para ele, então não chegava a passar mal por passar tempo demais acordado.

Em compensação, ele chegava a passar mal por esperar demais.

Damien não tinha muita companhia no castelo fora seus criados, raramente escutava alguma voz que não fosse sua própria ou os gritos vindos de fora. Durante os últimos meses que passou em South Park, ele se acostumou com fazer seu trabalho enquanto ouvia Pip murmurar coisas sobre a lição de casa. Ter que trabalhar com tamanho silêncio o rodeando muitas vezes se tornava demais, e Damien falhava em cumprir seu serviço.

Ele só queria poder vê-lo de novo.

Às vezes ele não aguentava, e precisava se distanciar no trabalho para extravasar as mágoas. Damien não saía do quarto o dia inteiro durante esses dias. Ele não podia ver nada com as lágrimas enchendo seus olhos, por mais que ele se pressionasse para conseguir terminar seu trabalho.

Aqueles dias não eram tão comuns, visto que o anticristo sempre colocava muito esforço e afinco em seu trabalho, apenas parando algumas vezes durante a noite.

Mas aquele não era um daqueles dias.

Veio absolutamente do nada, enquanto Damien estava preenchendo o registro de um rapaz mandado ao inferno por assassinato, divórcio e traição, condenando-o ao nono círculo. De repente, sua visão começou a nublar e suas mãos ficaram tensas sem razão alguma, e Damien só teve tempo de esconder seu livro com seus poderes antes de começar a chutar a mesa. Aquilo seguiu por algum tempo, o anticristo apenas chutando a mesa com toda a força que podia, até as lágrimas se tornarem fortes demais para ele conseguir ver qualquer coisa. E Damien desabou no chão.

Ele absolutamente odiava Deus com todas as suas forças.

Ao enxugar suas lágrimas pela milésima vez naquela tarde, Damien percebeu que não teria como realizar seu trabalho daquela forma, e acabou saindo para dar uma volta.

Sempre que estava se sentindo assim, seus pés acabavam o levando para a casa dos Pirrup, as únicas pessoas que podiam compartilhar de sua dor, e dessa vez não foi diferente.

Damien bateu na porta e cumprimentou Georgina com um sorriso antes de ser guiado para dentro.

Eles tinham se aproximado muito nos últimos anos. Damien nunca imaginou que se tornaria próximo de um dos residentes do inferno como se tornou daquela família. Ambos compartilhavam de muitos interesses comuns, até além da conexão que tinham com Pip, e Georgina também tinha muitas observações interessantes sobre o inferno que eram muito valiosas para o anticristo.

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