O que querem fazer com você

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Era estranho estar de volta ao inferno, Damien percebeu após ser cumprimentado pelo primeiro demônio enquanto caminhava pela área residencial. Ele havia se acostumado tanto com o ar claro, céu azul e pessoas vivas andando de um lado para o outro que agora seria impossível não estranhar o céu vermelho, o aspecto cavernoso, o fogo e os gritos, os quais foram os responsáveis por ele ir à Terra em primeiro lugar.

Infelizmente, era um mal necessário. Com tanto trabalho acumulado, se ele não tomasse as providências necessárias como anticristo e governante do inferno, poderiam começar um levante contra ele e ele seria demitido, e sayonara dinheirinho suado ao fim da semana. Era um trabalho que enchia o saco às vezes, mas que pagava bem, além de que Damien se sentia mais confortável julgando almas caídas e administrando o inferno do que destruindo o mundo, o que era muito mais trabalhoso, exigiria todo o seu tempo e ele teria que deixar tudo que conheceu para trás por, pelo menos, mil anos. Incluindo Pip. Ele preferia muito mais trabalhar suado e ter menos tempo livre do que trabalhar em tempo integral, não ter tempo pra nada e receber menos.

Cada um ganha a vida da maneira que pode, e o anticristo não ganha privilégios por ser o anticristo, não é assim que as coisas funcionam entre céu e inferno.

Na verdade, o inferno era bem semelhante à terra em muitos aspectos: tinha casas, restaurantes, hotéis, motéis, parques, clubes e tudo mais. A única diferença gritante era o sistema de punição aos pecadores, o qual era aplicado de forma mais rígida no sétimo círculo do inferno, onde Damien morava. Os círculos restantes eram apenas para área residencial, a parte mais humana do inferno, ao qual os pecadores iam ganhando acesso conforme suas penas sejam cumpridas. Alguns se davam tão bem que eram até escolhidos para a reencarnação, porém, isso era extremamente raro. Nesse aspecto, Deus preferia confiar novas vidas à suas almas perfeitas. E por isso o exército de Deus ficava cada vez menor ao passo que o de Damien só crescia.

Mas não era tão ruim. Damien considerava alguns círculos do inferno até tranquilos para realizar seu trabalho, ainda que falhos. Algumas áreas residenciais ficavam muito próximas da zona de punição, onde estavam os pecadores, o que o anticristo se lembrava ser uma das maiores reclamações das almas neutras.

Pelo menos eles gostavam do parque.

O parque... Damien se perguntava se algum dia teria chance de levar Pip lá. Não era perfeito, mas era uma grande área verde, com árvores, bancos, lagos e pessoas passando por ali como se nada estivesse errado com o mundo. Se não fosse pelo fogo e os gritos...

Não. Isso não aconteceria. Pip não iria para o inferno quando morrer. Ele iria para o céu. Damien se certificaria disso nem que tivesse que invadir o céu e tomá-lo ele mesmo.

Ele se perguntava se estaria tudo bem com Pip na Terra. Apenas dois dias tinham se passado e ele já sentia tanto sua falta. Sua casa era muito silenciosa, exceto pelos barulhos vindos de fora, e Damien não conseguia sentar no sofá para trabalhar sem lembrar do britânico cutucando seu ombro para pedir ajuda com a lição. Ele estava tão mal-acostumado que a solidão que ele sempre amou agora mais parecia um castigo, uma tortura. Considerando que o castigo vem naturalmente para as pessoas no inferno, talvez aquele fosse o seu por ter interferido na vida daquelas pessoas na terra.

Mas ele faria tudo de novo, não importa o que Deus ache disso.

Por isso precisava acelerar a mão. Quanto mais rápido terminasse o trabalho, mais rápido poderia ver seu namorado novamente e mais rápido poderia esfregar a cara daqueles que o atormentavam no asfalto quente. Era um plano tão perfeito que até rimava.

Quem sabe, se sobrasse um tempo, ele poderia voltar a fazer suas reuniões com a população neutra para consulta também. Ele sentia falta daquela época, quando tinha tempo para ouvir toda e cada sugestão e reclamação da área residencial, lhe passava uma sensação boa. Além do que, havia uma pessoa em especial com quem desejava falar, e não seria uma conversa flúida e recompensadora se ele tivesse pouco mais de meia hora em suas mãos.

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