Mais do que aparenta ser

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E, assim, se passou a primeira semana de aulas. A primeira semana de Damien de volta à South Park.

As coisas não estavam, no geral, muito diferentes para o britânico. Ele ainda apanhava na entrada, na saída e no retorno pra casa, levava bronca dos professores por coisas que não havia feito, tinha seu dinheiro roubado quando passava pelo corredor e sofria com os gritos da prima quando voltava para casa.

Uma coisa, no entanto, havia mudado. Embora ele soubesse as tormentas que o aguardavam ao chegar na escola, se pegou, mais de uma vez, caminhando a passos rápidos na direção da mesma, ansioso por chegar.

Talvez fosse a companhia mais do que a rotina o que o atraía tanto na escola. Por mais que apanhasse e se machucasse, valia a pena só para poder sentar ao lado de Damien.

Provavelmente a coisa mais irônica daquele mundo, o anticristo era a melhor companhia que já teve durante todo seu tempo de escola. Não que ele tenha tido oportunidade de fazer parte de um grupo. Eles sentavam juntos no corredor antes da aula começar, durante o lanche - quando Damien fazia sempre questão de escolher a mesa mais afastada do refeitório para que ficassem sozinhos - e nas aulas que, por acidente, descobriram que compartilhavam durante a semana.

Por esses pequenos momentos que podia passar com Damien, valia a pena as surras e as dores. O moreno, em momento algum, o tratou de maneira grosseira ou rude, até quando ele acabava tagarelando e esquecia que tinha outras pessoas ao seu redor, ele era gentil consigo. Sua presença fazia com que os dias de Pip fossem mais felizes e esperançosos. Ele finalmente tinha uma razão para sair da cama ao clarear do dia.

É assim que era ter um amigo? Pip gostaria de pensar que sim, não que poderia ser alguma pegadinha.

Em tão poucos dias, Damien fez tanto por ele. Ele não sabia o que faria se tudo acabasse se revelando nada mais do que uma piada.

Mas, enquanto caminhava em direção à escola, o britânico manteve a cabeça erguida e a determinação em seu coração. O anticristo era sempre bem direto nas coisas que ele queria, recordava-se, portanto, faria nenhum sentido que aquilo fosse o que ele achava que era quando ele poderia conseguir o mesmo efeito só abusando dele, igual a todos os outros.

South Park se tornou bem mais violenta com o passar dos anos. Ninguém mais parecia precisar de uma desculpa para machucar alguém dentro da escola e os adultos já haviam desistido de lidar com o problema, dizendo que suas crianças já eram grandinhas o suficiente para cuidar dos próprios problemas sozinhas, sem precisar deles. Tudo era uma bagunça. E Pip sofria mais do que nunca. Não havia um único dia que voltasse para casa sem algum machucado em sua pele ou humilhado por uma brincadeira de mal gosto.

Uma pequena poça de água se formou em seus olhos, rapidamente expulsa pelo polegar do loiro. Não há nenhum sentido em chorar pelo leite derramado. O melhor que se há de fazer é encontrar um pano para enxugá-lo. Talvez Damien fosse o pano de sua metáfora...? Ele gostava de pensar que sim.

Quem diria que seu primeiro amigo seria a pessoa que o usou como fogo de artifício para entrar numa festa de aniversário? O britânico riu com a ironia, seu sorriso se alargando ao perceber-se próximo ao colégio. Tinha um bom pressentimento sobre o dia de hoje.

Passou pelo estreito espaço entre as portas, a última pessoa a passar quase batendo-as em seu rosto, e caminhou o mais discretamente que pôde pelo corredor, evitando de chamar a atenção. Alguns alunos sussurravam xingamentos e gozações em seu ouvido conforme passavam ao seu lado, mas Pip não deu bola. Tudo que queria era chegar logo ao armário de Damien e poder sentar ao seu lado enquanto ele escrevia em seu livro.

Infelizmente, tardou mais do que deveria, pois um trio de garotos achou que seria divertido esticar a perna para que tropeçasse e caísse de cara no chão, o que conseguiram com muito sucesso. Ele estava tão empolgado por encontrar seu amigo que nem percebeu a brincadeira sem graça até sentir o ar soprando seus cabelos.

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